Livro de César Aira é uma visão histórica da conquista dos pampas e extermínio dos povos originários

Roberson Guimarães

Finalizei a leitura de “O Vestido Rosa” (Fósforo, 144 páginas, tradução de Joca Wolff e Paloma Vidal), do escritor argentino César Aira, 75 anos, e deixei os ecos do texto molestarem meus neurônios.

Caramba (!), é uma belíssima novela.

É impossível ignorar que o texto permite inúmeras leituras. A mim me parece uma visão histórico-ideológica da conquista dos pampas e extermínio dos nativos originários.

César Aira cita textualmente o presidente argentino Julio Roca (1843-1914) responsável pela “Conquista do Deserto”.

O escritor faz referência ao final do século XIX, à guerra contra os indígenas e a expansão populacional para o interior (Asis, o personagem principal, funda uma cidade nos pampas). A narrativa da conquista do deserto foi a tradução do avanço estratégico no terreno indígena.

De qualquer forma, César Aira cobre tudo isso com ficção. Uma belíssima ficção que ele, modestamente, conceitua como “apenas um exercício”.

César Aira é autor de uma literária vasta | Foto: Reprodução

À medida que percorremos o caminho ao qual “O Vestido Rosa” nos conduz, percebemos que o mal-entendido que assombra toda a trama nunca é resolvido. O destino do mal-entendido é avançar o tempo. O vestidinho rosa que passa de mão em mão é o artifício que o ficcionista escolhe para contar a História. Com H maiúsculo. Creio ser esse o principal significado (ao menos o que fez mais sentido para mim) deste livrinho.

A passagem do tempo e a ocupação desse deserto que é um grande amontoado de mundos possíveis, um jardim de sentidos que se bifurcam (não, nenhum escritor argentino conseguirá se livrar da sombra de Borges).

Apagar o mundo com um toque esvoaçante

O tempo passa e cuida de apagar e invisibilizar os povos originários do terreno argentino. Há uma passagem belíssima a esse respeito quando o jovem tropeiro, um dos últimos a ter posse do vestidinho e que “falava como mulher” reflete:

“O verão se desvanecia, é verdade… Como tinham se desvanecido os índios. Era curioso: ele e sua esposa eram índios ou, ao menos, filhos ou netos. Não sabia nada disso. Ele também se dissolveria, disso estava convencido há muito tempo. Os torvelinhos invisíveis do céu e a passagem do tempo na terra não diziam outra coisa. Ele sabia que era estranho, um caso para ser estudado. Mas isso não tinha importância.
Os índios tinham ido além: tinham sido seres fabulosos. E, pensando bem, isso também não tinha importância. Era a mesma coisa. Todos estavam na mesma linha, debaixo do horizonte. Algo assim como uma galeria de personagens, destinadas a se apagar do mundo com um toque esvoaçante.”

Dos lançamentos da obra de César Aira pela Fósforo este era o único que eu não havia lido. Deixei o melhor por último.

Roberson Guimarães, médico e crítico literário, é colaborador do Jornal Opção.

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