Conheça a história de Ithamar Vianna, o tenente que desafiou americanos na Segunda Guerra

Com o avançar dos anos, as lembranças, agora mais numerosas, cada vez mais nos atropelam. As que nos agradam, principalmente. Lembro-me de quando, no início dos anos 1970, Leonino Caiado, recém-empossado no governo de Goiás, me convidou:

— Preciso de você na presidência da Celg. Convidei para diretor comercial o coronel Ithamar Vianna e precisamos escolher o diretor técnico. Quem você sugere? — interrogou, sem dar margem a recusas de minha parte.

Mas eu não recusaria. Jovem engenheiro e empreiteiro, via no convite uma maneira inusitada de enriquecer meu currículo. A Celg era a maior empresa goiana e construiu a Usina de Cachoeira Dourada, uma das grandes hidroelétricas brasileiras de então. A tarefa era muito atrativa. Mas indaguei quem era Ithamar, que seria meu companheiro de direção. Nunca ouvira falar dele.

— É um coronel reformado do Exército, ex-pracinha. É engenheiro pelo Instituto Militar de Engenharia (IME) e ex-professor da Universidade de Brasília (UnB).

Aquilo me tranquilizou — militares tinham a formação de honestidade e respeito obtida na caserna e Ithamar cursara uma das escolas de engenharia mais famosas do país. Eu conhecia o IME, que ficava no Rio de Janeiro, onde me formara na Universidade Federal do então Distrito Federal. Alguns de meus professores o eram também no IME.

Só não sabia que, com o passar do tempo, Ithamar e eu nos tornaríamos amigos fraternos como viemos a ser. A convivência com Ithamar era um brinde de amizade: franco, discreto, correto, leal, de agradável conversa, preparado técnica e culturalmente. Assim ele era. Bom marido (casado com a Elcy Caiado, uma goiana), bom pai, bom sogro. E outras coisas mais, como veremos a seguir. Anos mais tarde, quando governei Goiás tive o privilégio de tê-lo como auxiliar direto, em secretaria de Estado. E conto a seguir o mais importante (que já relatei, em outras publicações, e algum leitor terá conhecido).

Pracinhas brasileiras na Itália desafiam o nazismo da Alemanha de Adolf Hitler | Foto: Reprodução

Hugo Abreu e o tenente Ithamar Vianna

Certo dia, fui a Brasília, tratar dos interesses de Goiás junto à Presidência da República. Levei Ithamar comigo. Recebidos no Planalto pelo chefe do Gabinete Militar, general Hugo de Abreu, este se iluminou ao ver Ithamar:

— Ithamar, que alegria em vê-lo! Como está? Como vai dona Elcy? Como estão as filhas? Uma desconcentração deveras rara no sisudo general.

Doutra feita, desta vez sozinho, sou recebido em Brasília por Hugo de Abreu. Falei:

— Como está, general? Não sabia que conhecia o Ithamar. Pela recepção da outra vez, vejo que são amigos.

— Mais que amigos. Sente-se. Vou lhe contar. Ithamar serviu comigo na Itália, durante a guerra. Era meu comandado. Eu era major, ele tenente. Foi um dos soldados brasileiros mais condecorados por bravura. Tem medalha até do exército dos EUA. Eu o encarregava das missões mais delicadas e perigosas, pois sempre dava conta do recado. Escapou da morte algumas vezes, lutando frente a frente com os alemães. Tenho enorme apreço por ele. Quer ouvir um episódio? Tem tempo?

A coragem do tenente Ithamar Vianna

Com a curiosidade aguçada, aquiesci. Estava surpreso, pois Ithamar, super discreto, mesmo provocado, nunca falava sobre a campanha na Itália. Narrativa do general Hugo Abreu:

— Foi logo depois de Monte Castello, em fevereiro ou março de 1945. Estávamos acampados próximo aos Apeninos, e Ithamar, que voltava de uma patrulha noturna junto às linhas alemãs, ao chegar, já no amanhecer, ao acampamento de seu pelotão, recebeu a notícia de que um seu soldado, aliás paraibano como ele, havia matado uma galinha que perambulava ali por perto, para fazer uma sopa, e tinha sido preso pelos soldados dos EUA. A galinha pertencia a um italiano que tinha se queixado no quartel americano. Ithamar se abespinhou. O regulamento conjunto de combate rezava que cada exército era encarregado das infrações e punia seus próprios soldados. Os americanos não poderiam ter prendido o Chico Paraíba (essa a alcunha do soldado), e deveriam apenas fazer uma comunicação escrita aos brasileiros, narrando o fato, para efeito de julgamento e punição marcial brasileira.

Hugo Abreu: general que participou da Segunda Guerra Mundial | Foto: Reprodução

O general continuou: “Ithamar chamou mais dois companheiros — um deles fluente em inglês — e foi ao quartel americano, mesmo sem trocar a farda. Recebido por um aprumado major, o oficial de dia americano, pediu que seu subordinado traduzisse fielmente o que ia dizer. Desculpou-se pelo fardamento sujo, pois vinha de missão de patrulha e disse que vinha buscar o soldado, preso indevidamente, e a parte-denúncia correspondente, de acordo com o regulamento conjunto. O americano retrucou que não iria entregá-lo, pois já havia processo em andamento e iriam julgar o Chico por lá mesmo. Ithamar reforçou ao seu subordinado que fosse fiel na tradução, e anunciou:

— A prisão de meu soldado não cumpriu o ritual previsto no regulamento. Não pode prevalecer. Sou responsável perante meus superiores por todos os meus comandados e não abandono nenhum deles, mesmo sendo os EUA um aliado. Peço novamente que me entregue o soldado e a parte, e anuncio que não sairei daqui sem ele. Se preciso for combateremos para levá-lo, mesmo que, dado sermos só três, venhamos a morrer aqui.

O americano, estupefato, olhava o tenente brasileiro nos olhos e via neles a verdade que havia acabado de ouvir. Não demorou a decidir, diante dos três brasileiros armados à sua frente, certamente pensando que estavam todos ali para combater os nazistas, e não uns aos outros.

— Entregue aquele caipira a eles — disse a um subordinado.

E lá se foram de volta para o acampamento os três resgatadores e um Chico Paraíba aliviado — terminou o general Hugo de Abreu.

Em 1999, fui visitar um debilitado Ithamar no Hospital Santa Genoveva, em Goiânia, onde havia se submetido a delicada cirurgia cardíaca. Conversamos apenas alguns minutos, pois senti que se cansava. Três dias depois falecia, deixando na família e nos amigos enorme respeito, grande admiração e muitas saudades.

A história, ou melhor, os fatos narrados pelo general Hugo de Abreu, vem mesmo a calhar, neste momento. Para os comandantes de hoje e de sempre, o tenente Ithamar deixa uma inestimável lição de dignidade e coragem, ministrada pelo exemplo, há oitenta anos, em plena guerra: não se abandona um companheiro no campo, quer atingido por uma bala, quer vítima de uma ilegalidade, mesmo que para isso se arrisque a vida.

Goiano lutou bravamente em Montese e perdeu uma perna

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