Lula veta projeto que reconhece diabetes tipo 1 como deficiência; Flávia Morais quer derrubada do veto

No último dezembro, os corredores do Congresso Nacional ecoavam conversas enquanto o Projeto de Lei 2.687/2022 se aproximava de sua última etapa legislativa. Criado pela deputada federal Flávia Morais (PDT-GO) e aprovado na Câmara e no Senado, o texto prometia equiparar o diabetes mellitus tipo 1 às deficiências para efeitos legais, concedendo a seus portadores direitos previstos no Estatuto da Pessoa com Deficiência. Contudo, no último ato legislativo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) barrou sua sanção.

A justificativa veio em tom de formalidade: a medida contraria normas constitucionais e cria despesas obrigatórias sem previsão orçamentária. O veto, agora remetido ao Congresso, abre um novo capítulo de debates.

O argumento presidencial fundamentou-se na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que possui status de emenda constitucional. A convenção estabelece que deficiência resulta da interação entre uma condição física e as barreiras impostas pelo ambiente social – não de um diagnóstico médico. Ademais, o texto foi considerado inconstitucional por não apresentar estimativas do impacto orçamentário nem prever fontes de custeio. Segundo a presidência, os Ministérios da Fazenda, do Planejamento e Orçamento, da Gestão, dos Direitos Humanos e da Saúde foram unânimes em apoiar o veto.

“A proposição resultaria em aumento de despesa obrigatória de caráter continuado, sem que tenha sido apresentada estimativa de impacto orçamentário e indicada fonte de custeio”, argumentou Lula em mensagem oficial ao Congresso Nacional. O presidente também apontou que a criação ou ampliação de benefícios da seguridade social deve respeitar princípios fiscais.

Repercussão e defesa do projeto

A deputada federal Flávia Morais, criadora do projeto, expressou desapontamento e determinou uma nova estratégia. Ela destacou ao Jornal Opção que “não existe essa possibilidade” de desistência, argumentando que a proposta passou pelos trâmites legislativos com aprovação em todas as instâncias, incluindo o Senado e a Câmara dos Deputados. “Acreditamos na importância desse projeto para melhorar a qualidade de vida de milhares de brasileiros que enfrentam diariamente dificuldades para acessar insumos e tecnologias essenciais ao controle da doença”, afirmou.

A deputada também esclareceu que o veto do presidente, justificado por possíveis inconstitucionalidades, será discutido com os parlamentares. Segundo Flávia, a proposta recebeu votação quase unânime, evidenciando o forte apelo social da matéria. “Esse apoio nos dá a confiança de que teremos sucesso na derrubada do veto. É um tema que transcende interesses partidários porque impacta diretamente a saúde e a dignidade dos pacientes com diabetes tipo 1”, pontuou. Ela acrescentou ainda que o trabalho será direcionado para conscientizar a sociedade sobre a gravidade da condição e a necessidade de reconhecimento do diabetes como uma deficiência que exige suporte estruturado em todas as esferas públicas.

A parlamentar salientou a relevância de incluir o diabetes tipo 1 na legislação que prevê assistência diferenciada para pessoas com deficiências crônicas. Essa mudança proporcionaria benefícios como acompanhamento nas escolas e locais de trabalho. “É crucial que crianças e adultos com diabetes tenham acesso a cuidados personalizados, como alguém na escola treinado para lidar com picos glicêmicos e orientação nutricional adequada. Isso parece um detalhe, mas para esses pacientes, é a diferença entre qualidade de vida e uma rotina limitada por complicações constantes”. Segundo Flávia, a inclusão desses pontos no sistema educacional e trabalhista é não apenas viável como indispensável para a construção de uma sociedade mais inclusiva.

Outro ponto destacado pela deputada foi o impacto financeiro da aprovação do projeto. Embora tenha havido questionamentos sobre os custos envolvidos, Flávia argumentou que o reconhecimento do diabetes tipo 1 como uma condição que demanda suporte abrangente não representa um ônus insustentável ao Estado. “Os programas sociais que atenderão essas pessoas, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), já possuem critérios rigorosos de recorte socioeconômico. Não estamos falando de um universo de 600 mil beneficiários, mas daqueles que se encontram em extrema vulnerabilidade.” Para ela, a integração desse público ao sistema de proteção social trará, a médio prazo, economia aos cofres públicos, reduzindo as despesas com emergências médicas e tratamentos tardios que muitas vezes decorrem da falta de cuidados básicos.

A aplicação prática do projeto em estados como Goiás também foi tema da entrevista. Flávia ressaltou que, apesar de políticas locais como o CEAD já oferecerem suporte avançado, ainda há desafios no acesso às tecnologias mais modernas e medicamentos de última geração. Ela exemplificou a importância da assistência no ambiente escolar, onde muitas crianças enfrentam dificuldades pela falta de preparo dos profissionais para lidar com as demandas específicas de saúde, como monitoramento da glicemia. “Esse projeto se aplica ao Brasil como um todo, mas em Goiás temos experiências que podem servir como modelo para implementar essas mudanças de maneira eficaz”, completou.

Por fim, a deputada apelou à conscientização popular e ao autocuidado como pilares fundamentais para enfrentar o crescimento dos índices de diabetes no país. “O Brasil já ocupa o quinto lugar no mundo em número de diabéticos, o que mostra que precisamos redobrar nossos esforços. A aprovação desse projeto vai além de proporcionar insulina ou aparelhos. É sobre oferecer dignidade e permitir que essas pessoas vivam sem restrições desnecessárias.” 

Para viabilizar a derrubada do veto, é necessário o apoio de pelo menos 257 deputados e 41 senadores em uma sessão conjunta. Morais confia no apelo popular e no histórico de apoio parlamentar ao tema: “Este é um assunto que transcende partidos e tem um forte clamor social. Continuaremos mobilizando todas as forças para garantir essa vitória”.

O Projeto de Lei

A proposta do Projeto de Lei (PL) 2687/2022 não apenas ampliaria o acesso a tratamentos, tecnologias e medicamentos para pacientes de baixa renda, mas também incluiria essas pessoas em programas de assistência social e educação inclusiva. Entre os benefícios previstos estavam o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o passe livre em transportes públicos e a reserva de vagas em universidades e empresas conforme a Lei de Cotas.

O Brasil possui aproximadamente 600 mil pessoas vivendo com diabetes tipo 1, conforme estimativa da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Essa condição autoimune exige cuidados diários como aplicação de insulina, monitoramento contínuo da glicose e um planejamento alimentar rigoroso. Segundo o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), relator do projeto na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), o diabetes tipo 1 impõe desafios às famílias brasileiras.

Ele destacou um estudo da revista The Lancet apontando que um em cada nove brasileiros com a doença morre por falta de diagnóstico ou tratamento adequado. “O projeto faz justiça a famílias pelo Brasil todo. Nossa expectativa é que essas pessoas tenham finalmente a atenção do estado”, afirmou.

Em outros países, como Estados Unidos, Espanha e Alemanha, o diabetes tipo 1 já é classificado como deficiência, garantindo direitos similares aos previstos no projeto brasileiro. 

Desafios da implementação

O veto do Projeto de Lei trouxe à tona a complexidade de harmonizar demandas sociais com restrições orçamentárias. Ao Jornal Opção, o doutor Nelson Rassi, especialista em endocrinologia, e médico do Centro Estadual de Atenção ao Diabético (CEAD), ponderou: “Embora muitos pacientes com diabetes tipo 1 necessitem de suporte adicional, nem todos requerem os mesmos benefícios. É preciso identificar aqueles em condições socioeconômicas mais vulneráveis para priorizar recursos”, afirmou.

Ele destacou a diversidade de perfis dentro do universo de portadores de diabetes tipo 1. Enquanto alguns convivem com a condição de forma equilibrada, outros enfrentam limitações severas que comprometem sua capacidade de participar integralmente da sociedade. Para Rassi, uma implementação personalizada poderia mitigar o impacto financeiro sem prejudicar aqueles que mais precisam.

Outro ponto destacado pelo médico foi o ambiente da saúde em Goiás, que embora tenha tido políticas públicas impulsionadas para facilitar o acesso a medicamentos e insumos essenciais, como insulina e aparelhos de monitoramento, a questão do suporte aos pacientes com diabetes tipo 1 segue sendo um desafio complexo e multifacetado.

“O estado de Goiás está relativamente privilegiado pelas políticas locais”, pontua o especialista, ressaltando que instituições como o CEAD desempenham um base ao proporcionar assistência especializada. Entretanto, apesar desse progresso, Dr. Nelson Rassi é enfático ao destacar que existe um caminho muito longo a ser trilhado.

O endocrinologista sugere ainda uma colaboração mais estreita entre as administrações estadual e municipal para alcançar um modelo integrado de cuidado, sobretudo diante das novas demandas de saúde e dos crescentes desafios econômicos enfrentados por pacientes mais vulneráveis. Essa convergência, segundo ele, poderia oferecer soluções sem comprometer os recursos públicos de maneira desproporcional.

O que vem a seguir

Com o retorno das atividades legislativas, o destino do projeto dependerá da articulação política entre parlamentares. Para a deputada Flávia Morais, ajustar o texto para atender às exigências constitucionais pode ser uma alternativa viável. Entre as possibilidades está a introdução de critérios socioeconômicos mais rigorosos ou a previsão de avaliações psicossociais detalhadas para determinar os benefícios.

Enquanto isso, o debate ressoa no Congresso, nas organizações de saúde e na sociedade civil. Para as centenas de milhares de brasileiros com diabetes tipo 1, a decisão final representa mais do que uma questão legislativa: simboliza o reconhecimento das dificuldades diárias enfrentadas por aqueles que convivem com uma condição crônica.

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