Trump não é o apocalipse now

Demóstenes Torres

A polarização política brasileira se assemelha às brigas de rua com machões metidos a brabos, cada tribo de um lado da praça: “Quem for mais homem cospe aqui”. Alguém atira pra cima e não sobra ninguém no lugar.

O personagem da vez, com o dedo no gatilho, é o recém-empossado presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Uns se protegem com medo do disparo, outros acham que o alvo é a testa dos inimigos e a direção parece ser a do entusiasmo com a inocência, inexistente no Exército do coronel das Forças Especiais Walter E. Kurtz, do filme que eternizou o apocalipse agora.

O Trump que volta ao poder não é marionete sequer de seus próximos, muito menos de eventuais alienígenas problemáticos. Seu antecessor, o chayote popsicle Joe Biden, tratou de indultar do filho a aliados que incriminaram trumpistas na invasão ao Capitólio – e o novo presidente já tirou os seus da reta. É provável que se dedique a macroquestões, não a detalhes comezinhos.

Por isso, é aconselhável esperar sentado que Trump leve ao pé da letra os destaques de seus discursos. Se sua meta é melhorar a economia, começou estimulando as fábricas de cortinas de fumaça. Enquanto democratas e republicanos, ou lulistas e bolsonaristas, ou esquerda e direita, o analisam, o homem-topete se concentra no principal, Tio Sam retomar o posto de dono do mundo. Bem explicado, a nação, não seu líder.

Muro e militares na fronteira com o México levam fãs e haters ao delírio, cada qual com suas razões, debatendo até o radicalismo de mudar o nome do golfo. Bobagens. O que seduz Trump no vizinho do andar de baixo é eliminar os cartéis de drogas, maior desafio dos 50 Estados. Trombeteou que vai chegar aos 52, com Canadá e Groenlândia. Mais fumaça na cortina.

Planeja jogar duríssimo com os traficantes de entorpecentes para limpar vitrines internacionais como Nova York e Califórnia, dominadas por zumbis que fazem a Cracolândia paulistana parecer o teto da Capela Sistina, de tão linda. O exagero na referência a imigrantes ilegais atende a determinada faixa do eleitorado, todavia, as classes média e rica precisam da mão de obra barata para os serviços rudes.

O vizinho ao Norte, que se livrou do primeiro-ministro banana antes de o agente laranja se reinstalar na Casa Branca, não será anexado. Óbvio. Fuligem na persiana de quem está interessado em tarifas.

A maior ilha da Terra também não será da maior potência. O que Trump deseja da Groenlândia tem link com outro tema que assusta, o degelo dos polos. Enquanto uns choram a crise climática, ele almeja rotas oceânicas entre as geleiras para baratear os fretes das mercadorias. É o caso igualmente do Canal do Panamá –nada de “tomar”, apenas privilégio a quem o construiu e o administrou por 85 anos.

Era esperado o chega-pra-lá verbal na América Latina. Abriu a temporada de decepções a quem aguarda Washington desafiar Brasília ou que brigue com o nosso Supremo Tribunal Federal ao vedar a entrada de ministros ou se arvorar a magistrado universal com indulto a seu considerado Jair Bolsonaro, por exemplo. Não vai rolar a festa. O blogueiro Allan dos Santos pode não ser deportado, mas as fronteiras continuarão lacradas aos condenados do 8 de Janeiro.

Lula errou ao apoiar Kamala Harris, ainda que isso não tenha resultado em votos, mas Trump está se lixando. Seu negócio é dólar e o Brasil mais compra que vende aos Estados Unidos. É falastrão, não maluco. Zero estímulo a encrenca direta com um parceiro comercial desse tamanho. É o Brasil, não o inquilino da vez no Palácio do Planalto.

“Ah, vai nos prejudicar porque o PT etc”. Vai nada. Assim como não nos ajudou no mandato de Bolsonaro. “Ah, vai eliminar a companheirada do Hamas e do Hezbollah, atazanar o Nicolas Maduro na Venezuela, o Daniel Ortega na Nicarágua, Miguel Diáz-Canel em Cuba, ai, ai, ai, ui, ui…”. Vai, sim. Pode gemer alto, porque a frescura acabou.

Seus comentários quanto à cultura woke demarcam a diferença com Biden, Brasil e Europa. Não há costume que aguente. O de trabalhar, então… O símbolo maior desse pessoal pode ser visto de Los Angeles a Paris, de Londres a São Paulo, milhões de dependentes químicos na trilha da morte. É o resumo de woke.

A oposição de ONGs e articulistas de jornais sinaliza que Trump está no caminho certo. Inclusive, nas guerras. Inglaterra, França e Alemanha que se virem para sustentar a Otan, pois a supremacia norte-americana estará além de pagar a conta dos conflitos.

A possibilidade maior é de Trump conversar com Vladimir Putin, para evitar a aproximação da Rússia com a China, único adversário que restou, dos esportes à economia, da geopolítica às obras faraônicas. A Ucrânia que estabeleça um cessar-fogo como o de Israel com a Palestina, enfim, se vire com seus limites porque o agricultor do Texas e o comerciante da Pensilvânia não vão sustentar intriga do outro lado do planeta.

Eleito contra o politicamente correto inteiro, o novo presidente está leve e solto ao decidir o que é melhor para seu país, sem o desprazer de agradar aos tais formadores de opinião, um bando de desocupados que não finca um prego numa barra de sabão. Esses inúteis bagunçaram assuntos sérios, como meio ambiente e recursos humanos, fazendo a população refém de minorias encasteladas na preguiça.

Trump é o anti tudo isso. E isso é bom. Tem o defeito de se arvorar dono do mundo? Sim, como Putin, o chinês Xi Jinping, o norte-coreano Kim Jong-un e outros menos cotados. Melhor seria para o Brasil manter o “independência ou morte” do grito, o “ordem e progresso” da bandeira, porém a globalização clama por quem manda. Nesse caso, é preferível Trump a qualquer um deles.

Ah, chayote popsicle é picolé de chuchu em inglês.

Demóstenes Torres, 63 anos, é ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, procurador de Justiça aposentado e advogado. Escreve para o Poder360 semanalmente às quartas-feiras.

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