É a China, estúpido! Guerra de Trump não tem a ver com Rússia, Brasil, México, Canadá, Panamá e Groenlândia

O que é a China senão um imenso Portugal do século 21? Durante anos, de 1500 ao século 19, o país luso era uma pequena China, por assim dizer.

A China não é mais, desde algum tempo, o país das bugigangas. Pelo contrário, se tornou uma nação altamente tecnológica e, como tal, imprescindível para o mundo. O Vale do Silício perdeu uma para os chineses, que hoje têm “o supercomputador mais veloz do mundo”.

Universidade Tsinghua: a melhor da China e uma das melhores do mundo | Foto: Divulgação

De acordo com Graham Allison (citado extensamente adiante), “em 2015, a Universidade Tsinghua passou o MIT no ranking do U.S. News & World Report e virou a universidade número um do mundo em engenharia. Das dez principais faculdades de engenharia, quatro estão na China e quatro estão no Estados Unidos”.

No livro “War by Other Means: Geoeconomics and Statecraft” (“A Guerra Por Outros Meios — A Geoconomia e a Governabilidade”), Robert Blackwill e Jennifer Harris postulam que a China “é a praticante mundial da geoeconomia, mas talvez seja também a principal responsável por devolver a projeção regional ou global de poder ao exercício preponderantemente econômico (e não político-militar)”.

Professor de Harvard, Graham Allison, no livro “A Caminho da Guerra — Os Estados Unidos e a China Conseguirão Escapar da Armadilha de Tucídides?” (Intrínseca, 411 páginas, tradução de Cássio de Arantes Leite), afirma que “a China conduz sua política externa principalmente por meio da economia porque pode. Atualmente ela é o maior parceiro comercial de mais de 130 países”.

Livro crucial para entender as disputas entre Estados Unidos e China | Foto: Jornal Opção

Na Ásia, a China responde por 15% do comércio com os demais países. Os Estados Unidos ficam bem atrás, com 9%.

Graham Allison cita Sun Tzu: “A excelência suprema não reside em vencer todas as batalhas, mas em derrotar o inimigo sem nunca lutar”.

A China, ao buscar vencer pela supremacia econômica, adota o “poder brando” — sem gritos e trovoadas, tão ao gosto de Donald Trump, um soldado invernal dos tempos do pós-Guerra Fria, sempre a exigir alinhamento incondicional.

O pesquisador de história aplicada de Harvard registra que, “tanto no FMI como no Banco Mundial, um — e apenas um — país tem poder de veto sobre quaisquer mudanças na forma de controle das instituições: os Estados Unidos”.

A China operou para ter mais poder no Banco Mundial. Por não conseguir, “Pequim afrontou Washington”, em 2013, “ao estabelecer sua própria instituição rival, o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB)”, anota Graham Allison.

China controla o Canal do Panamá? Não. Mas os Estados Unidos querem controlar | Foto: Reprodução

Os Estados Unidos bradaram e ameaçaram, mas nada adiantou. Em 2015, há dez anos, 57 países aderiram ao Banco Asiático. Entre eles alguns dos principais aliados dos americanos, como o Reino Unido. “Eles disseram não aos EUA e sim à China na esperança de obter empréstimos a taxas abaixo do mercado e financiamentos em contratos para grandes projetos de construção”, pontua Graham Allison.

Os “incentivos eram claros: antes mesmo da criação” da instituição financeira, “o Banco de Desenvolvimento da China havia ultrapassado o Banco Mundial como maior financiador de projetos de desenvolvimento internacional”. Graham Allison frisa que, “em 2016, os ativos financeiros chineses em desenvolvimento internacional combinados superaram em 130 bilhões de dólares os dos maiores bancos de desenvolvimento ocidentais combinados”.

O bloco político-econômico Brics — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, com o acréscimo de outras nações — foi criado, em larga medida, por iniciativa da China. Além de criar ambiente para negócios entre países, cada vez mais fortes no concerto internacional, o Brics é um indicativo de que há alternativas para além dos Estados Unidos.

Groenlândia: os Estados Unidos querem impressionar ou não vai invadi-la? Talvez queira causar e ameaçar… para mostrar que tem poder em escala internacional | Foto: Reprodução

A Nova Rota da Seda, de vital interesse à China, conecta 65 países da Ásia, Europa e Norte da África. A China está investindo pesadamente tanto na Ásia quanto na África. A China construiu e está construindo “rodovias, ferrovias de trem-bala, aeroportos, portos, oleodutos, linhas de transmissão de energia e cabos de fibra óptica por toda a Eurásia”.

Lee Kuan Yew (1923-2015), o estadista de Singapura que influenciou Deng Xiao-ping, constatou, há alguns anos: a “China está absorvendo os países do Sudeste Asiático em seu sistema econômico graças ao seu vasto mercado e crescente poder de compra. Japão e Coreia do Sul inevitavelmente também serão sugados. Ela simplesmente absorve os países sem ter de recorrer à força”. Graham Allison acrescenta: “Na versão chinesa da regra de ouro — quem tem o ouro dita as regras”.

Reitor da Escola Fletcher de Direito e Diplomacia da Universidade Tufts, Stephen Bosworth, ao visitar a Ásia em 2009, diz ter ficado impressionado com a influência da China em toda a região. Antes, quando havia uma crise, os líderes asiáticos perguntavam: “O que Washington acha”. Agora, é diferente: “O que Pequim acha?”

No imperialismo e Terceira Guerra à vista?

De acordo com o jornalista Bob Woodward, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, não tem uma visão muito precisa da economia global. Mas, no geral, é mais bem assessorado do que se costuma pensar. No primeiro governo, muito de sua intempestividade foi contida, não pela Justiça — como agora certamente será —, e sim por homens de Estado que o auxiliavam e, para o bem do país, o “seguravam”.

Lula da Silva, do Brasil, e Vladimir Putin, da Rússia: não são peças descartáveis | Fotos: Reproduções

Donald Trump não tem a cultura de Bill Clinton e de Barack Obama e é provável que confunda Kafka com kafta, como um político goiano em tempos idos. Mas nada tem de bailundo. Trata-se de um homem inteligente e perspicaz.

No fundo, apesar de brandir ameaças contra a Rússia, cobrando a paz com a Ucrânia — no que está certo —, Donald Trump sabe, mudando um pouco o que disse o marqueteiro James Carville, que trabalhou para Bill Clinton, que “é a China, estúpido” (é o motivo do que vem falando sobre o Canal do Panamá).

O grande adversário — o único, a rigor — dos Estados Unidos são a China. Trata-se do único país cuja economia tem o porte da americana. Os demais — nem mesmo o Japão e a Alemanha — não são concorrentes à altura do país de Toni Morrison e William Faulkner.

Quando insinua que a América Latina “não” tem importância, o que Donald Trump quer, realmente, dizer é outra coisa. E, aliás, está dizendo: todo o mundo depende da potência tecnológica que são os Estados Unidos.

Então, Donald Trump está dizendo uma coisa, mas os “sinais” indicam uma fala subterrânea, mas non troppo: “Afastem-se da China!” (o presidente da Argentina, Javier Milei, aceitou o recado). O império, ainda com dentes fortes — não há nenhuma outra potência criadora de tecnologia como os Estados Unidos (a China está se aproximando) —, está rugindo para se manter na hegemonia da economia mundial.

Supercomputador da China supera os dos Estados Unidos | Foto: Divulgação

O rugido alto, de um leão de pele (e cabelos) acenourada, dará certo? Num mundo com alta integração, em termos comercial e de comunicação, será possível adotar uma forte política isolacionista, do tipo “a América para os americanos no Norte”? Não parece.

A pressão excessiva de Donald Trump, se não for contornada pelos homens de Estado que o acompanham — certamente há intelectuais de direita moderados e, sobretudo, racionais, como havia no primeiro governo (os livros “Medo — Trump na Casa Branca”, sobretudo, e “Raiva”, de Bob Woodward, mostram operadores sensatos ao lado do presidente, ao menos na gestão anterior) —, poderá afastar vários países, até o México (como disse um político mexicano: “Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”), da órbita dos americanos.

Aqueles países que se afastarem dos Estados Unidos — e isto não será fácil (o país de Donald Trump precisa inclusive de matérias primas da China) — fatalmente cairão na órbita da China. O Brasil, que mantém laços comerciais sólidos com o país de Joyce Carol Oates e Philip Roth, está se aproximando, cada vez mais, da China e, agora, do México de Octavio Paz e Carlos Fuentes.

Então, no lugar de “salvar” os Estados Unidos, mantendo-o como potência dominante, Donald Trump pode acabar sendo o seu coveiro. Se a China superar a economia americana, e isto é possível, talvez em menos de 30 anos, outro país vai caminhar para seguir o mesmo caminho — a Índia. Os impérios caem, um dia, e o tombo dos gigantes é assustador. Porque caem rugindo, como anda fazendo Donald Trump.

O Império está rugindo, bravio e ainda muito poderoso (Donald Trump está propondo a ressurreição do imperialismo, o que ocupa territórios, como o Canal do Panamá), mas “morderá” até quando?

Graham Allison sugere que potências dominantes e potências emergentes costumam ir à guerra (de 16 casos estudados, 14 batalharam — é o que o scholar de Harvard chama de “armadilha de Tucídides”) —, portanto Estados Unidos e China poderão guerrear. Um para manter o poder econômico global e a outra para conquistá-lo.

Por enquanto, a China prefere ir comendo pelas beiradas. Porém, se o leão avançar, não lhe restará outro caminho: terá de se tornar leão também — avançando e mordendo… com gosto. O mundo? Irá junto — de embrulho.

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