Entenda os pontos que colocam Bolsonaro como peça central da tentativa de golpe

Novos trechos dos depoimentos prestados à Polícia Federal (PF), retirados do sigilo pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, nesta sexta-feira, 15, trazem mais detalhes sobre a suposta tentativa de golpe de Estado que visou manter o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder após a derrota nas eleições de 2022. As oitivas revelaram que Bolsonaro realizou reuniões, apresentou documentos e tentou convencer os demais, colocando o ex-presidente como figura central da trama.

Os novos relatos têm impacto direto na estratégia de defesa adotada pelo ex-presidente. Inicialmente, Bolsonaro afirmara não ter conhecimento das minutas em questão. No entanto, posteriormente, passou a argumentar que a decretação do estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para suspender a eleição, conforme previsto nos documentos, seria permitida pela Constituição. Todavia, os novos depoimentos contradizem essa alegação, indicando que não havia fundamentação legal para tal medida, e que o único objetivo era efetivamente um golpe de Estado.

Quem falou

Foram ouvidos pela Polícia Federal: o ex-comandante do Exército, Freire Gomes, o ex-comandante da Aeronáutica, Carlos de Almeida Baptista Jr., o general da reserva Theophilo de Oliveira e o presidente do Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto.

Valdemar Costa Neto

Em seu depoimento à PF, Valdemar Costa Neto abordou as declarações feitas pelo ex-presidente Bolsonaro, as quais lançavam questionamentos sobre a integridade das urnas eletrônicas e o desfecho das eleições de 2022, que resultaram na vitória de Lula. Costa Neto deixou claro que não compartilha das suspeitas levantadas por Bolsonaro.

O PL formalizou junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um pedido de verificação, questionando o resultado do segundo turno das eleições. Sobre o pedido do PL, Costa Neto afirmou que se tratava de uma consultoria privada, contratado pela legenda com o propósito de “fiscalização”, não para atender a uma ordem de Bolsonaro para “questionar” o resultado eleitoral. Ele enfatizou que a contratação se deu por demanda direta de Bolsonaro e de parlamentares do PL.

Quanto às “minutas do golpe”, Costa Neto disse que sempre descartou os documentos recebidos por serem apócrifos, isto é, desprovidos de assinatura. Ele afirmou que que tais papeis eram destruídos na sede do partido, sendo triturados para evitar possíveis manipulações.

Freire Gomes

O ex-comandante do Exército, Freire Gomes, afirmou que resistiu à pressão para participar de uma suposta trama golpista, apesar das intensas tentativas de convencê-lo a aderir ao plano. Presente em duas reuniões que discutiram detalhes da suposta conspiração, Gomes confirmou sua presença em encontros realizados no Palácio da Alvorada. No entanto, ressaltou que se recusou a colaborar com qualquer tentativa de golpe.

Segundo ex-comandante, durante uma dessas reuniões, ocorrida em 7 de dezembro, uma versão expandida do documento que supostamente serviria de base para o golpe de Estado foi apresentada e discutida com a concordância de Bolsonaro.

Freire Gomes afirmou Bolsonaro tentou se embasar em interpretações de teses do jurista Ives Gandra Martins sobre a Constituição. Segundo ele, nos encontros eram expostas teses de Gandra sobre a “utilização das Forças Armadas como Poder Moderador, com base no artigo 142 da Constituição”.

Ex-comandante do Exército Marco Antônio Freire Gomes e Bolsonaro, da esquerda para a direta. | Foto: Cristiano Mariz

Freire Gomes disse à PF que expôs que “não havia possibilidade de utilização” do referido dispositivo constitucional conforme aventado nas reuniões. A tese de Ives Gandra é a de que um dos Poderes pode acionar as Forças Armadas quando estiver em conflito com outro Poder.

Mesmo assim, ele teria enfatizado que deixou claro que o Exército não aceitaria medidas que resultassem em uma ruptura institucional. Por ter se mantido firme em sua posição contra o golpe, Gomes afirmou ter sido alvo de ataques por parte de apoiadores do ex-presidente, incluindo o ex-ministro da Defesa, general Braga Netto.

Almeida Baptista Jr

Sobre as reuniões realizadas no Palácio do Planalto, o ex-comandante da Aeronáutica confirmou ter participado das discussões sobre maneiras de conferir legalidade a um suposto plano golpista. Assim como Gomes, Baptista Jr. afirmou ter deixado claro que não se envolveria em qualquer plano golpista e que não existiria possibilidade de Bolsonaro permanecer no cargo.

Ex-comandante da Aeronáutica brigadeiro Carlos Almeida Baptista Jr l Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Ele alegou que Freire Gomes ameaçou prender Bolsonaro caso este tentasse concretizar o golpe de Estado, enumerando os atos contra a democracia que justificariam tal medida. Além disso, ele mencionou ter ouvido sobre uma ordem para retardar a divulgação de um relatório elaborado pelo Ministério da Defesa, que confirmava a integridade das urnas eletrônicas nas eleições de 2022.

Theophilo de Oliveira

Segundo as investigações, em 9 de dezembro de 2022, o general do Exército Theophilo de Oliveira teria se reunido com Bolsonaro no Palácio da Alvorada e, supostamente, teria concordado com a adesão ao golpe de Estado, desde que o presidente da República assinasse a medida. Essa informação foi obtida a partir de conversas encontradas no celular do ajudante de ordens Mauro Cid.

Entretanto, em seu depoimento à Polícia Federal (PF), o general afirmou não possuir “qualquer relação pessoal” com o ex-presidente e nem “contemporaneidade militar”. Theophilo de Oliveira declarou que, no dia 9 de dezembro daquele ano, compareceu sozinho ao Palácio da Alvorada para ouvir Bolsonaro lamentar-se sobre o resultado das eleições. Ele ressaltou que, nessa ocasião, não discutiram sobre a suposta trama golpista, limitando-se ele a ouvir o ex-presidente.

Quem não falou

Bolsonaro e outros 14 investigados, dentre eles o candidato à vice-presidência pelo PL, Braga Netto, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, recorreram ao direito constitucional de permanecer em silêncio. Para não responder a questionamentos, depoentes alegaram que não tinham tido acesso à íntegra dos processos.

Alívio

O ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, comemorou a divulgação dos novos trechos dos depoimentos, que trouxeram alívio após a pressão decorrente da investigação sobre a suposta tentativa de golpe liderada pelo ex-presidente após as eleições de 2022. Segundo aliados, Mauro Cid avaliou que os depoimentos diminuíram a pressão sobre ele na investigação.

Mauro Cid presta novo depoimento à PF l Foto: Reprodução

Ele celebrou dois aspectos dos depoimentos que considerou favoráveis para sua situação. Primeiramente, destacou que os depoimentos sugerem que seu papel na suposta trama golpista investigada foi menor do que se especulava anteriormente. Dentre os 27 depoimentos liberados pelo STF nesta sexta-feira, apenas um dos cinco filhos de Jair Bolsonaro foi mencionado: o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ).

Entenda a tentativa de golpe

No dia 8 de fevereiro, a Polícia Federal (PF) deflagrou uma operação visando o ex-presidente Jair Bolsonaro e membros de seu governo, sob a suspeita de formação de uma organização criminosa com o propósito de realizar um golpe de Estado. Batizada de Tempus Veritatis ou Hora da Verdade, a operação foi desencadeada após Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, firmar um acordo de colaboração premiada com os investigadores da PF.

Segundo as investigações, o grupo liderado por Bolsonaro elaborou um documento com medidas para confrontar o Poder Judiciário, incluindo a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Além disso, promoveram a disseminação de notícias falsas contra o sistema eleitoral brasileiro e monitoraram o ministro Alexandre de Moraes, responsável por autorizar a operação.

A PF cumpriu 33 mandados de busca e apreensão e quatro mandados de prisão preventiva, com os investigados proibidos de manter contato entre si e de deixar o país, além da entrega de passaportes em 24 horas e suspensão das funções públicas, conforme determinado por Moraes. Todas as medidas foram respaldadas pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet.

Os alvos incluíram o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, o ex-ministro da Casa Civil Walter Souza Braga Netto, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres.

Foto: Reprodução

Entre os presos estão Felipe Martins, coronel do Exército Marcelo Costa Câmara e o major Rafael Martins de Oliveira, ambos ex-assessores especiais de Bolsonaro. O presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, também foi preso por porte ilegal de arma durante a operação.

As investigações indicam que a organização se dividiu em seis núcleos para promover o golpe de Estado e atacar o Estado Democrático de Direito, abrangendo desinformação e ataques ao sistema eleitoral, incitação ao golpe entre militares, atuação jurídica, coordenação de apoio operacional, inteligência paralela e oficiais de alta patente que legitimavam as ações.

Veja quem foi alvo da operação:

  • Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
  • Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa;
  • General Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa;
  • Ângelo Martins Denicoli, major da reserva;
  • Aílton Gonçalves Moraes Barros, coronel reformado do Exército;
  • Coronel Guilherme Marques Almeida;
  • Tenente-coronel Hélio Ferreira Lima;
  • Tenente-coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros;
  • Almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante-geral da Marinha;
  • General Mário Fernandes;
  • General Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército;
  • Laércio Vergílio, general de Brigada reformado;
  • Paulo Renato de Oliveira Figueiredo Filho;
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
  • Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL;
  • Felipe Martins, ex-assessor especial de Jair Bolsonaro;
  • Coronel Bernardo Romão Correa Neto;
  • Marcelo Costa Câmara, coronel da reserva;
  • Major Rafael Martins de Oliveira.

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