No azul do céu de Goiânia, há pedaços de canindés

Minha paixão pelos passarinhos já até me rendeu um documentário, cuja direção ficou a cargo do amigo jornalista e cineasta Ranulfo Borges. Fui o personagem no documentário “Eu Passarinho”, título sugado no “Poeminha do Contra”, de Mário Quintana, e isso por sugestão deste cronista de meia-pataca. Eu os vejo como intérpretes dos poemas de Deus.

Foram os passarinhos que me fizeram comprar a minha primeira máquina fotográfica, que, para mim, é também algo como o primeiro sutiã. Era uma Yashika. Só que ela não alcançava os passarinhos mais distantes. Disso resultou a necessidade de mais um gasto maior e mais profissional: adquirir uma boa máquina e uma lente teleobjetiva que me permitisse trazer as aves para bem perto de mim. Comprei uma Cannon e uma lente Sigma 50-500. Com a fotografia, além de ver os passarinhos, passei a levá-los comigo para minha casa. Alguns inclusive estão em quadros tanto na minha casa como no meu trabalho.

Comecei no mundo analógico. Eram filmes e mais filmes. Era uma canseira só. Na época, não havia o prazer que ocorre agora com as máquinas digitais: de se poder ver as imagens de imediato. Em seu livro “Sebastião Salgado: da Minha Terra à Terra”, o icônico fotógrafo relata vários fatos de sua vida. Entre estes os problemas advindos da época das máquinas analógicas. Quando viaja para outros países, sua bagagem passava por revista nos aeroportos, aí os filmes eram tirados dos copinhos plásticos e isso, segundo ele, faziam os filmes perderam a qualidade. As máquinas digitais, segundo ele, resolveram seu problema. Contou também sobre a cirurgia que ele e sua mulher quiseram fazer no rosto do filho mais novo para esconder sua síndrome de Down, mas que desistiram.

Corvo registrado na Califórnia | Foto: Sinésio Dioliveira

Minha amizade com o Ranulfo teve início no jornal Diário da Manhã. Ele escrevia na área de cultura, e eu era revisor. Autodenominei-me de “desentortador de palavras”. Certa vez, dei uma vacilada feia na revisão da capa do jornal: deixei passar SMT (Superintendência Municipal de Trânsito) no lugar de MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra). O superintendente da SMT (isso na gestão de Nion Albernaz) ligou no jornal para reclamar. Falou cobras e lagartos. Além de um esporro, ganhei também uma suspensão de três dias. Um colega de revisão também vacilou feio na revisão de fotos de uma coluna social: a legenda da primeira-dama de Goiânia – uma senhora já sem o frescor da beleza da juventude – saiu debaixo da foto de uma modelo, que à época era, digamos, um Airbus A380. A colunista ficou tiririca com o revisor.

Eu queria ver inúmeras aves bem de perto. Uma delas era arara-canindé. E isso aconteceu em Mairipotaba, uma cidade próxima a Goiânia. O que foi possível com a teleobjetiva. Vi um casal fazendo a ceia num pequizeiro. Mirei-as e as trouxe para mim. Ficaram um bom tempo por lá. Depois disso, já fotografei e filmei inúmeras canindés em Goiânia e outras cidades. No Pantanal, em Mato Grosso, filmei uma vermelha. Perto do meu trabalho, há uma amendoeira cujos frutos são muito apreciados por elas. Já cheguei a ver seis araras nele. É uma algazarra gostosa de se ver. O tronco dessa árvore, também conhecida como sete-copas, constantemente tem sido alvo de marketing bocó: nele são pregados engenhos publicitários. Centenas de árvores sofrem com esse tipo de propaganda arcaica e agressiva às árvores, ao visual da cidade.

Mas a melhor a imagem das canindés mesmo foi um acasalamento que filmei. E coito de psitacídeos, que envolve araras, tuins, papagaios, periquitos, maracanãs, jandaias, não é como o do galo. É demorado, tem beijos e interjeições. Esse flagrante aconteceu no Bosque dos Buritis. Após a colheita da cena, me encontrei com o amigo escritor Bariani Ortêncio. Contei-lhe da pegada longa das araras, e ele me respondeu com um certo humor: “As araras são monogâmicas, assim podem se demorar no acasalamento, já o galo, que tem muitas galinhas para cuidar, não suportaria essa rotina”.

Pica-pau-branco
| Foto: Sinésio Dioliveira

Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza

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