Níveis altos de microplásticos são encontrados no cérebro humano; Brasil ainda não possui políticas de identificação e parametrização

Nos últimos anos, estudos científicos vêm revelando um dado que pode mudar como lidamos com alguns problemas de saúde: partículas plásticas minúsculas, conhecidas como microplásticos, estão se acumulando no cérebro humano em níveis mais altos do que em outros órgãos, como fígado e rins. Um estudo publicado na revista “Nature Medicine” indicou que amostras de cérebro coletadas em 2024 apresentaram concentrações de micro e nanopartículas plásticas entre 7 e 30 vezes superiores às encontradas em outros tecidos. No entanto, os efeitos dessa contaminação na saúde ainda são incertos, o que gera um alerta para a necessidade de novas pesquisas.

O Jornal Opção conversou com o médico neurologista do Hospital Israelita Albert Einstein de Goiânia, Marco Túlio Pedatella, que analisou os achados recentes e explicou o que pode ou não ser concluído a partir desses estudos. Apesar dos achados, ele destaca que “ainda é cedo para afirmar uma relação direta entre a presença dessas partículas e o desenvolvimento de doenças neurológicas”.

Estudos iniciais indicam presença de microplásticos no cérebro

Segundo Pedatella, os estudos analisados apresentam limitações que precisam ser levadas em conta. “O que eu vi é um estudo com número de pacientes muito pequeno, todos os dois, tanto o que foi publicado na Nature quanto o da USP. Se não me engano, o da USP foram 15 pacientes, destes 15 encontrou em 8”, explicou. Essa amostragem reduzida caracteriza os estudos como “série de casos”, o que, de acordo com o neurologista, “não é um formato tão robusto para se tirar conclusões definitivas”.

Os estudos identificaram a presença de microplásticos no cérebro por meio da inalação. A hipótese é que as partículas atravessam a barreira hematoencefálica pelo sistema olfativo, já que as células olfatórias estão localizadas na base do crânio e podem permitir a entrada dessas substâncias. “Existe uma estrutura no nosso cérebro que a gente chama de barreira hematoencefálica. Ela tenta bloquear tudo aquilo que seria prejudicial para o cérebro. Não que ela consiga bloquear tudo, mas tenta com essa função bloquear”, explica Pedatella. Embora algumas substâncias tóxicas não consigam atravessar essa barreira, outras conseguem, o que levanta preocupações sobre os efeitos de longo prazo dos microplásticos no sistema nervoso.

Os estudos mencionados encontraram concentrações de microplásticos entre 7 e 30 vezes maiores no cérebro do que em órgãos como o fígado e os rins. No entanto, Pedatella enfatiza que “atribuir que isso possa contribuir para doenças neurológicas ainda carece de estudo, não dá para afirmar”. Ele destaca que os mecanismos conhecidos do Alzheimer, por exemplo, envolvem proteínas beta-amiloide e tau, bem como disfunção das células da glia, e que “a ligação com microplásticos é algo que foge muito do que a gente conhece da doença”.

Possível relação com doenças neurológicas

Quando questionado sobre a possibilidade de os microplásticos serem um gatilho para doenças mentais ou neurológicas, o neurologista foi cauteloso. “Pode ser, porque a gente não sabe realmente porque algumas pessoas desenvolvem, outras não. Nós sabemos que há uma questão genética, mas é difícil afirmar que os microplásticos tenham um papel direto nisso”, afirmou. 

Além disso, ele alerta que fatores ambientais, como estresse, obesidade e sedentarismo, são determinantes mais bem estabelecidos para o desenvolvimento de doenças neurológicas. “O aumento de doenças mentais nos últimos anos pode ter relação com diversos fatores, mas não dá para afirmar que está diretamente ligado à presença de microplásticos. As mudanças nos hábitos de vida e o envelhecimento populacional também são fatores muito mais bem estudados”, avalia o especialista.

Microplásticos no ambiente e os desafios da ciência

Embora os estudos tenham detectado níveis elevados de microplásticos no cérebro, a pesquisa ainda precisa avançar para compreender os impactos disso na saúde humana. Segundo Pedatella, “seria necessário pesquisas em pacientes com a doença específica e comparar com indivíduos sadios para avaliar a proporção. Tem que ser um estudo bem conduzido, de caso-controle, para verificar se realmente há correlação”. Ele acredita que futuras pesquisas, especialmente aquelas publicadas em revistas de alto impacto, poderão atrair mais investigações e fornecer dados mais concretos

Pesquisadores da USP, liderados pela professora Thaís Mauad, já identificaram fragmentos de microplásticos no bulbo olfatório, região responsável por processar odores no cérebro. Entre as substâncias encontradas, destaca-se o polipropileno, um plástico amplamente utilizado em roupas, embalagens de alimentos e garrafas plásticas. O risco pode ser ainda maior para crianças, já que o cérebro ainda está em desenvolvimento.

Além do impacto na saúde humana, os microplásticos também geram preocupações ambientais. Segundo Pedatella, “precisamos de alternativas mais sustentáveis, como materiais biodegradáveis, para reduzir a poluição por plásticos”. Ele compara a situação com a luta contra o tabagismo, que levou décadas para ser reconhecida como uma questão de saúde pública. “No futuro, se tivermos dados concretos sobre os efeitos dos microplásticos, poderemos adotar medidas mais eficazes para combatê-los”, conclui.

Água tratada e a presença de microplásticos em Goiás

Diante dessas preocupações, o Jornal Opção questionou a Companhia de Saneamento de Goiás (Saneago) sobre a presença de microplásticos na água tratada. Em nota, a empresa esclareceu que “a água tratada pela Saneago obedece rigorosamente todos os padrões de potabilidade estabelecidos pela Portaria GM/MS nº 888/2021, do Ministério da Saúde”. A companhia realiza análises constantes para garantir a segurança da água distribuída à população.

No entanto, a empresa destacou que os microplásticos são considerados “poluentes emergentes” e ainda não possuem padrões legais de referência para monitoramento obrigatório. “Atualmente, este parâmetro não faz parte das exigências do Ministério da Saúde”, informa a nota. A Saneago reforça que a qualidade da água é garantida até o hidrômetro do cliente e recomenda que os consumidores realizem a limpeza de suas caixas d’água a cada seis meses.

A reportagem entrou em contato com o Ministério da Saúde, mas até o fechamento desta reportagem não tivemos retorno. O espaço fica aberto para esclarecimentos.

Leia nota completa da Saneago:

“A água tratada pela Saneago obedece, rigorosamente, todos os padrões de potabilidade estabelecidos pela Portaria GM/MS nº 888/2021, do Ministério da Saúde. Para garantir a segurança microbiológica da água distribuída à população, a Saneago efetua regularmente análises da água bruta captada dos mananciais, da água que está em processo de tratamento, e também da água tratada. 

É importante pontuar que a Supervisão de Laboratório de Água da Saneago (Laboratório Central) recebeu, da Coordenação Geral de Acreditação do Inmetro, o Certificado de Acreditação para Ensaios, conforme a NBR ISO/IEC 17025:2017, da ABNT, sob número 1557. Com isso, a Companhia se destaca entre as principais do setor de saneamento do País, sendo o seu um dos poucos laboratórios a obter esse reconhecimento. 

Isso atesta a qualificação dos serviços realizados, garante a confiabilidade das análises e demonstra, de forma objetiva e documentada, a competência da Saneago em produzir resultados válidos e confiáveis.

Sobre os microplásticos, a Companhia explica que tais poluentes são emergentes e ainda não possuem padrões legais de referência. Sendo assim, não é um requisito legal de monitoramento das companhias de saneamento no Brasil. Atualmente, este parâmetro não faz parte das exigências do Ministério da Saúde.

Lembrando que a Saneago garante a qualidade da água tratada distribuída até o hidrômetro do cliente. Salientamos a necessidade dos consumidores realizarem a limpeza de suas reservas domiciliares (caixas d’água) a cada 6 meses.”

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