Lula versus Lira: o duelo do ano promete

Em fevereiro de 2005, o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva chegava a sua metade ainda sem nenhuma grande mácula ou escândalo – o mensalão estouraria só em junho daquele ano. Transcorria a eleição para a mesa diretora da Câmara dos Deputados e o PT cometeu a imprudência de deixar dois nomes do partido se candidatarem à Presidência: Luiz Eduardo Greenhalgh e Virgílio Guimarães.

O primeiro era o nome oficial do Planalto, mas seu correligionário, da esquerda do PT, bancou a aposta, achando-se em condições de ganhar. O saldo da disputa: Greenhalgh 207 x 117 Guimarães. Entre os dois, o desconhecido Severino Cavalcanti (pP), com 124 votos. Não houvesse a divisão, a somada dos votos dos petistas garantiria ao nome da disputa uma maioria mais do que tranquila. As consequências foram desastrosas.

No segundo turno, sob a perplexidade do mundo político, o parlamentar do chamado baixo clero bateu um enfraquecido Greenhalgh por 300 a 195. A divisão governista favorecera a tomada do estratégico poder da Casa por um aventureiro que sete meses depois cairia.

A chegada ao poder de Severino Cavalcanti pode ser considerada um ponto de inflexão para o Legislativo brasileiro. A partir de então, a decadência na qualidade já contestada havia décadas se acentuou também na forma de lidar com a institucionalidade. Com Eduardo Cunha, a partir de 2015, em outra derrapada petista do governo, o processo se intensifica: ele opera a Câmara para derrubar a presidente Dilma Rousseff e mostra claramente como, já ali, o Executivo havia ficado refém do Parlamento.

Arthur Lira (pP-AL) é o retrato mais acabado do que se tornou a Câmara dos Deputados. Sua reeleição no ano passado, com votação esmagadora de esquerda à extrema direita, de PT a PL, mostra o alcance de suas garras. E seu discurso na segunda-feira, 5, no retorno aos trabalhos legislativos, deixa bem claro o que se tornou a Casa de leis: um poder que achaca sem pudor o presidente de ocasião.

Mais do que refazer as políticas públicas destruídas, foi exatamente o sequestro do cofre do Executivo a mais maldita herança recebida pela gestão Lula 3

Foi entregando o orçamento de mão beijada a Lira que Jair Bolsonaro (PL) livrou seu desgoverno de um impeachment. A despeito das dezenas de crimes de responsabilidade que cometera e cometia, o então presidente não poupou investimento financeiro nos deputados que poderiam derrubá-lo, com as chamadas emendas do relator.

Mais do que refazer as políticas públicas que foram destruídas, abandonadas ou viradas do avesso, foi exatamente o sequestro do cofre do Executivo a mais maldita herança recebida pela gestão Lula 3. Lira sabe que o atual não é o ex e que quer de fato estar na Presidência para governar de fato. E, por isso, acirrou os ânimos com o Planalto já na reabertura dos trabalhos, atacando os vetos do petista a parte das emendas parlamentares.

Ambos os lados sabem que o embate será duro e ninguém quer demonstrar fraqueza. Principalmente o deputado-chefe, que precisa manter a pose de soberano e a fama de mau diante dos colegas da Casa. Por quê? Porque ano que vem tem eleição novamente na Câmara e ele será o “rei morto”. Para sucedê-lo, precisa que o “rei posto” lhe seja fiel. Do outro lado, Lula sabe que tem de quebrar esse ciclo vicioso para ter alguma maior margem de ação para conduzir em vez de ser conduzido. Por ironia do destino, cabe ao mesmo presidente em cujo primeiro mandato foi aberta a caixa de Pandora na Câmara dos Deputados a tarefa de fazer voltá-la a operar com alguma institucionalidade.

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