A Hierarquia das Necessidades rumo à Autorealização

Neste semestre, estando a revisitar Maquiavel em textos da Faculdade de História, recordei de um diálogo com Erika Vieira, que me falou da Hierarquia das Necessidades proposta por Abraham Maslow (1908-1970), que consistia numa das teorias mais influentes da psicologia motivacional.

A teoria de Maslow sugere que os seres humanos buscam satisfazer suas necessidades em uma ordem crescente, partindo das mais básicas (como alimentação e segurança) até alcançar a autorealização, estágio em que o indivíduo busca desenvolvimento pessoal, criatividade e um propósito de vida.

No entanto, essa necessidade pode ser explorada por líderes e instituições, um fenômeno que já havia sido observado por Nicolau Maquiavel (1469-1527) em O Príncipe. O pensador renascentista destaca que governantes concedem títulos, honrarias e prêmios a seus súditos para incentivá-los a servir ao Estado com dedicação e lealdade. Assim, estimulam a vaidade e o desejo de reconhecimento, mantendo o povo sob controle sem o uso da força.

A teoria de Maslow divide as necessidades humanas em cinco níveis: necessidades fisiológicas, como alimentação, sono e abrigo; necessidades de segurança, como estabilidade, saúde e proteção financeira; necessidades sociais, como pertencimento, amizade e amor; necessidades de estima, relacionadas ao reconhecimento, status e autoestima; e, por fim, a necessidade de autorealização, onde o indivíduo busca crescimento pessoal, criatividade e um propósito de vida.

Enquanto as necessidades inferiores garantem a sobrevivência, as superiores envolvem o desenvolvimento individual. A autorealização, o topo da pirâmide, seria o objetivo final do ser humano, onde ele busca concretizar seu potencial e dar sentido à vida.

Maquiavel, no entanto, observa que os governantes sabem explorar esse desejo humano. Ele afirma que príncipes e comandantes oferecem títulos e honrarias para incentivar o trabalho e a lealdade, fazendo com que as pessoas se sintam realizadas e importantes. No entanto, esse reconhecimento funciona como um mecanismo de controle, pois o súdito acredita que está se elevando socialmente, quando, na realidade, continua servindo aos interesses do poder, que em honrosos casos é bastante positivo quando conduzido com a finalidade de prestar um bom serviço à sociedade e valorizar o trabalhador, o funcionário, através de mecanismos justos de compensação que serviriam em grande parte como estímulo para a eficiência.

No século XXI, essa estratégia segue presente em diversas formas. Governos e líderes políticos criam prêmios, cargos e programas de incentivo que prometem reconhecimento àqueles que se destacam. Movimentos patrióticos, premiações para militares e trabalhadores exemplares, além de narrativas que exaltam o esforço individual como caminho para o sucesso, são formas modernas dessa tática.

Além disso, no mundo corporativo e digital, as redes sociais e as empresas utilizam mecanismos similares, oferecendo status de influenciadores e gamificação para motivar indivíduos a produzirem conteúdo ou trabalharem mais, sem necessariamente receberem benefícios concretos.

Curiosamente, o próprio Maslow revisou sua teoria mais tarde, percebendo que a autorealização não era o fim da jornada humana. Ele acrescentou um nível superior à pirâmide: a autotranscendência, que representa a busca por um propósito maior, muitas vezes espiritual ou altruísta.

Na autotranscendência, o indivíduo supera sua própria identidade e interesses pessoais para se conectar a algo além de si mesmo – seja pela arte, ciência, espiritualidade ou serviço à humanidade. Esse conceito desafia a ideia maquiavélica de que a vaidade e o reconhecimento social são as únicas forças motivadoras do ser humano.

Se a política frequentemente explora a necessidade de autorealização para manter o controle, a autotranscendência sugere um caminho de verdadeira liberdade. Quando um indivíduo atinge esse estágio, ele já não se deixa seduzir por prêmios, títulos ou status, pois sua motivação vem de algo mais profundo e genuíno. Dessa forma, a autotranscendência pode ser a chave para escapar das amarras do poder e construir uma sociedade baseada em valores mais elevados e coletivos.

Sigmund Freud (1856-1939), ao estudar o comportamento humano, enxergava as motivações como impulsos inconscientes, enraizados em desejos reprimidos e na luta entre o id, o ego e o superego. Para ele, a necessidade de reconhecimento e autorealização poderia ser uma sublimação dos instintos primitivos, utilizados tanto para o crescimento individual quanto para a manipulação social.

Carl Gustav Jung (1875-1961), por sua vez, ampliou essa visão ao introduzir o conceito de individuação, um processo no qual o ser humano busca integrar suas diversas facetas psíquicas para atingir a totalidade. Para Jung, a verdadeira autorealização não estava apenas na satisfação pessoal ou no status social, mas na conexão com o inconsciente coletivo e no encontro com significados mais profundos da existência.

Joana de Ângeles, na sua obra psicológica, destaca a importância do autoconhecimento e da libertação das ilusões do ego. Ela ensina que a vida tem um sentido profundo e imortal, enquanto o homem permanecer limitado ao ego e às conquistas materiais, a sua busca será vazia e sem significado.

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