“Quem tem Síndrome de Down pode ser o que quiser”: exposição “Plural” destaca talento de Mari Chater

Mari Chater desliza o pincel sobre a tela como se traçasse um caminho invisível entre o real e o imaginário. Suas mãos firmam cores intensas, sobrepõem camadas e criam formas que contam histórias sem palavras. O mundo, para ela, é uma paleta de possibilidades, um espaço onde expressão e identidade são indissociáveis. Aos 18 anos e com síndrome de Down, Mari possui a sensibilidade de quem enxerga o belo em nuances imperceptíveis e se prepara para apresentar sua primeira grande exposição.

No Dia Internacional da Síndrome de Down, em 21 de março, a Época Galeria de Arte se transforma para abrigar “Plural, um manifesto pela inclusão e pelo reconhecimento da arte sem fronteiras. A exposição terá uma vernissage exclusiva para convidados no dia 18 de março e será aberta ao público de 21 a 31 de março, sempre a partir das 11h da manhã.

A iniciativa partiu de sua mãe, Juliana Salgado, que, ao perceber a conexão profunda da filha com a pintura, incentivou-a a aperfeiçoar sua técnica sob a orientação da artista Lilian Goulart. Hoje, sob a curadoria de Fernanda Catalan e com a participação especial de Eloisa Lobo, renomada artista plástica, Mari encontra na tela um espaço onde sua voz ecoa sem limitações.

“Quando a Juliana me mostrou a arte que a Mariana fazia. Aí eu tive a certeza, eu falei: ‘Gente, eu estou em frente a um trabalho extremamente único, um talento muito grande.’” Para ela, os traços da jovem artista possuem características singulares, e foi isso que impulsionou a parceria. “Ai de mim se eu perdesse essa oportunidade”, afirma Eloisa Lobo em entrevista ao Jornal Opção

Eloisa optou por seguir a estética de Mariana e adaptar seus próprios trabalhos. “A característica do meu trabalho continua a mesma, mas eu fiz fundos diferentes acompanhando o trabalho dela.” Além disso, ajustou os formatos das telas, já que Mariana trabalha com dimensões menores. “Resolvi acompanhá-la. Então os meus formatos também vão ser pequenos, 30 por 40, são mais ou menos 12 telas.”

A arte como expressão de um olhar único

Mari utiliza um método próprio. Com pinceis, canetas e uma técnica mista de pintura, cria composições vibrantes, onde cores como laranja, preto, amarelo, rosa e dourado se entrelaçam em narrativas visuais autênticas. “Na pintura das três bailarinas, eu fiz por elas serem bonitas, e o dourado no pé é para homenagear a minha artista favorita, a Eloisa Lobo”, conta Mari em entrevista ao Jornal Opção. A influência de Eloisa é perceptível, mas o traço da jovem artista é inconfundível.

Três bailarinas ganham vida nas telas de Mari, com homenagens à artista Eloisa Lobo | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

Sua arte é um testemunho de sua própria jornada. “A exposição vai ser ótima, eu espero que todo mundo goste. Eu quero vender minhas pinturas e, com o dinheiro, quero comprar mais telas. Quero ser artista e viajar pelo mundo para expor e vender minhas telas. Quero ir para o Japão, Londres e Amsterdã”, diz Mari com convicção. Seu desejo de ultrapassar fronteiras e levar sua arte a diferentes culturas reflete um espírito que não se curva a limitações.

Juliana reforça que a exposição também tem o intuito de profissionalizar a filha. “Ela está terminando o ensino médio e, provavelmente, vai querer seguir alguma faculdade na área de artes. Tenho batalhado pela independência e autonomia dela, inclusive financeira. A exposição abre portas para ela enxergar a arte como uma profissão.”

Um manifesto contra o capacitismo

Juliana destaca a importância de enxergar além dos rótulos quando se trata da síndrome de Down. Para ela, o significado de “plural” traduz perfeitamente a condição da filha: “O nome plural significa mais. Então, é isso: ela tem um cromossomo a mais, mas um mundo de possibilidades também”. Ela enfatiza que a sociedade precisa deixar de lado os estereótipos e mudar a forma como encara a diversidade. “A sociedade tem essa mania de rotular. Eu não falo do preconceito na fala da palavra, mas de desenvolver um novo conceito. É a desconstrução do antigo e a construção de um novo olhar, sem capacitismo”, reflete.

A inclusão ainda é um desafio diário, e Juliana sente isso em diversos momentos. Para ela, o desconhecimento da sociedade sobre deficiências é um dos maiores obstáculos. “A sociedade é ignorante no sentido real da palavra, falta conhecimento sobre deficiências. Esse é nosso maior desafio”, pontua. Em casa, ela busca ensinar à filha Mariana a não se prender aos problemas e a enxergar sua diferença como um diferencial. Mas os desafios aparecem em várias situações: “Nos olhares, na educação, nas escolas, nas rodinhas de amigos, na falta de convite para as festinhas. Isso é preconceito, mas não posso educar o mundo sozinha”, admite. Ainda assim, Juliana acredita que pequenas mudanças individuais podem transformar a sociedade: “É mudando nossas próprias atitudes que construiremos uma sociedade melhor”.

A jornada de Mari: A transformação pela arte

A trajetória artística de Mari se consolidou com o tempo. Desde pequena, o interesse por cores e formas se manifestava nas aulas de arte e nos trabalhos manuais da escola. O refinamento veio com a prática e, pouco a pouco, suas telas passaram a ter um traço distintivo. “Ela sempre gostou muito de colorir na escola, de trabalhos manuais, das aulas de arte. Então, propus algumas aulas de pintura no Mvsika. E desde então estamos lá. Quando comecei a receber as telas dela, percebi a evolução e que Mariana já tem um traço próprio. Se eu ver um quadro dela no meio de vários outros, eu saberei qual é o dela. Ela já consegue ter uma identidade. Isso é o olhar do artista”, afirma Juliana.

Mari utiliza técnica mista com pincéis e canetas para criar composições vibrantes | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

A professora de artes de Mariana, Lilian Goulart, destaca o crescimento da aluna ao longo dos três anos de estudo no Mvsika! Centro de Estudos. “Tem pessoas com deficiência que se integram muito com a arte. A arte começa a fazer parte do sentimento delas. Às vezes, o que elas não conseguem expressar com palavras, elas expressam com a arte. Descobri que a Mariana é muito doce. Se pudesse, ela mergulharia em uma piscina de tinta. Ela adora experimentar a tinta nela mesma. Eu sempre falo que vou fazer uma body art com ela um dia.”

Mari Chater estuda artes há cerca de 3 anos no Mvsika! Centro de Estudos | Foto: Guilherme Alves/ Jornal Opção

A professora ressalta que a arte vai além da técnica; é uma ferramenta de expressão e autonomia. “A Mari não só desenvolveu habilidades artísticas, mas também ganhou confiança e autoestima. Ela está descobrindo que a arte pode ser uma profissão, um caminho para a independência”, explica Lilian.

O impacto da arte de Mariana, segundo Eloisa, vai muito além da estética. “Ela tem uma obra interessantíssima. Pintou a Rita Lee, por exemplo. É uma menina extremamente educada. Ela é plural.” 

A escolha da data para o lançamento da exposição não foi casual. O Dia Internacional da Síndrome de Down representa um momento de conscientização e valorização das potencialidades das pessoas com a condição. “Por que não ressignificar esse dia mostrando ao mundo a capacidade que a Mari tem?”, questiona a mãe.

“Serão cerca de 20 quadros, cada um com sua singularidade. Alguns têm a mesma linguagem, mas são bem diferentes. A Mariana está felicíssima, convidou colegas de escola, professores e a psicóloga dela. Ela ainda não tem noção da grandiosidade do evento, mas está animada e produzindo a todo vapor.”

O evento contará com um vernissage exclusivo no dia 18 de março, reunindo colecionadores, arquitetos, jornalistas e apreciadores da arte em uma experiência imersiva. A exposição “Plural” ficará aberta ao público de 21 a 31 de março, com entrada gratuita.

Mari também deixa um convite especial: “Quero convidar a todos para minha exposição na Época Galeria de Arte. Eu gostaria muito que vocês viessem me prestigiar. E para quem tem Síndrome de Down, quero dizer que vocês podem ser pintores e grandes artistas, podem ser o que quiser”.

A exposição “Plural” é um chamado para refletir sobre o papel da arte como agente de transformação social. Ao dar visibilidade à trajetória de Mari, o evento destaca a importância de quebrar paradigmas e valorizar talentos independentemente de rótulos. A arte de Mari não pede permissão para existir; ela ocupa espaços, provoca e emociona. Seu cromossomo a mais não é um limite, mas um elemento a mais em sua paleta de possibilidades. E, no fim, é isso que define a verdadeira arte: a capacidade de atravessar barreiras e falar diretamente ao coração de quem a observa.

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