Elis Regina, 80 anos depois

Se estivesse entre nós, Elis Regina teria completado 80 anos neste mês de março. Mas, ao falar de Elis, é inevitável a sensação de presença. Porque há cantores que passam; e há aqueles que ficam. Elis ficou.

A voz firme, intensa e emocionada da gaúcha que começou a cantar ainda menina atravessou décadas sem perder frescor. Era pequena de estatura, mas enorme de expressão. Cantava com o corpo inteiro, os olhos faiscando como quem sente na pele cada verso. Talvez por isso tenha sido chamada de “pimentinha”.

Em 1965, uma jovem de vinte anos subiu ao palco do Festival de Música Popular Brasileira da TV Excelsior para cantar Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. Era uma música complexa, teatral, cheia de curvas melódicas. Ela transformou aquilo numa tempestade. E saiu de lá como um furacão. Nunca mais foi possível falar de música brasileira sem falar de Elis Regina.

Elis Regina canta ‘Arrastão’ em festival de 1965 | Foto: Reprodução

Elis não era apenas uma intérprete. Era um instrumento. Tanto que foi a primeira artista a registrar a própria voz como tal na Ordem dos Músicos do Brasil. Sua técnica era impecável, sim,  mas,  o que encantava era a emoção. Ela tinha um radar para boas canções, muitas vezes foi a primeira a gravar compositores ainda pouco conhecidos, como Milton Nascimento, Belchior e João Bosco. Quando Elis cantava uma música, ela se tornava dela. E era difícil, depois, dissociar uma coisa da outra.

Certa vez, Gilberto Gil contou que, depois de ouvir Elis cantando Se eu quiser falar com Deus, ficou sem saber como ele próprio conseguiria interpretar a canção. Elis tinha esse poder: imprimia sua alma em tudo o que cantava.

Ela também teve coragem. No palco, nos posicionamentos políticos, na escolha do repertório. Sua parceria com Jair Rodrigues no programa O Fino da Bossa revelou uma artista que sabia equilibrar alegria e contundência. E o disco Elis & Tom, gravado com Tom Jobim em 1974, é hoje um clássico absoluto da música brasileira. Aliás, um documentário recente,  Elis & Tom – Só Tinha de Ser com Você,  revela os bastidores dessas gravações, cheias de tensão, beleza e genialidade.

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Jair Rodrigues e Elis Regina | Foto: Reprodução

Elis era intensa demais para durar muito tempo. Sua vida foi meteórica. Morreu jovem, aos 36 anos, deixando uma dor profunda e um legado imenso. Mas mesmo isso, a dor  parece ter sido cantada por ela antes de ir. Está lá em Atrás da Porta, em Como Nossos Pais, em O Bêbado e a Equilibrista. Está lá, inteira, até hoje.

E talvez esse seja o verdadeiro sentido de celebrar seus 80 anos. Não se trata apenas de lembrar uma data. Mas de perceber que ela continua nos comovendo, nos representando, nos despertando.

Para quem nunca ouviu Elis Regina, recomendo começar com calma. Escolha um disco, ouça com fones de ouvido. Pode ser Falso Brilhante, Transversal do Tempo ou o próprio Elis & Tom. Não tenha pressa. Deixe que ela entre devagar. Depois, será impossível esquecê-la.

Porque Elis Regina ficou. E continuará ficando, por muitas décadas ainda.

No vídeo abaixo, ouça Elis interpretando Aguas de Março,  um marco na música brasileira.

Observe a letra de Águas de Março – uma sequência de imagens cotidianas que, juntas, traçam um retrato poético da existência humana. A repetição da estrutura em cada verso reforça a ideia de um fluxo contínuo, semelhante ao das águas que marcam o fim do verão no Brasil. Essa construção lírica, aliada à melodia cativante, contribui para a atemporalidade da canção.

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