Espécies invasoras ameaçam Fernando de Noronha

Rodrigo de Oliveira Andrade/SciDev.Net

Ratos, gatos domésticos e lagartos tornaram-se as principais ameaças para a fauna endêmica do arquipélago de Fernando de Noronha, situado no oceano Atlântico, a 350 quilômetros da costa brasileira – uma área de proteção ambiental com numerosas plantas e animais que existem unicamente ali.

Todas essas espécies são invasoras e estão afetando a diversidade genética local e até a polinização das flores. Uma equipe de pesquisadores brasileiros que revisou a literatura especializada e entrevistou especialistas para avaliar os principais impactos desses animais sobre os serviços ecossistêmicos do arquipélago. As conclusões foram publicadas na revista científica Ecosystem Services.

Espécies exóticas invasoras são plantas e animais introduzidos de forma intencional ou acidental em um local fora de sua área de distribuição natural. Elas se reproduzem com facilidade, a ponto de colocar em risco a sobrevivência das espécies locais.

A proliferação dessas espécies é uma das principais causas da perda de biodiversidade no mundo, mas costuma ser menos mencionada do que outros fatores, como as mudanças climáticas e a perda de habitats, afirmou ao SciDev.Net Ricardo Araújo, analista ambiental e chefe de pesquisa do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) em Fernando de Noronha.

Ele não fez parte da equipe de pesquisa, mas destaca que “estudos como o publicado na Ecosystem Services são importantes para lançar luz sobre esse problema”.

O biólogo Guilherme Tavares Nunes, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e um dos autores do estudo, explica que o turismo é uma atividade socioeconômica importante em Fernando de Noronha, impulsionada principalmente pelo turismo de sol e praia e pela observação da vida silvestre, “que está em risco considerável no cenário atual”.

As autoridades brasileiras fixaram um limite máximo de 132 mil visitantes anuais em Fernando de Noronha – 11 mil por mês. Desde 2022, também está proibido que turistas levem qualquer tipo de animal doméstico ou exótico ao arquipélago.

Trazidos ao arquipélago pelos habitantes locais para controlar as populações de ratos, esses animais começaram a se reproduzir sem controle | Foto: ICMBio Noronha

Ratos e gatos em Fernando de Noronha

Os desafios enfrentados em Noronha são os mesmos que afetam outros ambientes insulares. Como a distribuição global de espécies exóticas invasoras reflete processos históricos de colonização e desenvolvimento econômico, as pequenas ilhas tropicais estão entre os principais receptores de espécies invasoras, destacam os autores.

Os problemas com ratos e gatos são os mais comuns. É o caso da ilha de Pequena Cayman, localizada nas Ilhas Cayman, um território ultramarino do Reino Unido no Caribe, onde os cientistas consideram a situação “urgente”. A ilha está invadida por uma grande quantidade de gatos ferais, que estão dizimando a fauna nativa, incluindo o atobá-de-patas-vermelhas (Sula sula) e o atobá-pardo (Sula leucogaster).

Em Fernando de Noronha, uma espécie invasora que causou grandes danos foi o rato-preto (Rattus rattus). Acredita-se que tenha chegado a bordo das embarcações dos primeiros exploradores europeus. Em pouco tempo, espalhou-se pelas ilhas do arquipélago, inclusive pelas mais isoladas e sem atividade humana. Estima-se que sua população atualmente atinja dezenas de milhares.

Esses animais se alimentam de verduras, frutas e cereais, mas também de ovos e filhotes de aves marinhas que utilizam a ilha para descansar, se alimentar e se reproduzir. “Algumas estão em risco de extinção, como o atobá-de-patas-vermelhas, o rabo-de-palha (Phaethon aethereus) e a cocoruta (Elaenia ridleyana)”, diz Nunes.

Para remediar esse problema, em 2018 o ICMBio Noronha realizou um projeto piloto em parceria com a ONG ambiental WWF-Brasil, em uma ilha desabitada do arquipélago – a Ilha do Meio –, utilizando um anticoagulante específico para ratos.

A iniciativa foi bem-sucedida e serviu de modelo para aplicar a mesma estratégia no arquipélago de Abrolhos, composto por cinco ilhas no sul da Bahia. “Acreditamos que esse modelo possa ser usado em outras ilhas ou arquipélagos no mundo”, afirma Nunes.

Outro predador abundante na ilha é o lagarto teiú (Salvator merianae). Ele se alimenta de várias espécies nativas, incluindo ovos e filhotes de tartarugas marinhas. Os relatos sobre sua chegada ao arquipélago são contraditórios, mas sabe-se que ele está ali há pelo menos 100 anos. Estima-se que sua população na ilha principal varie entre 7 mil e 12 mil indivíduos.

O lagarto teiú se alimenta de espécies nativas, incluindo ovos e filhotes de tartarugas marinhas | Foto: ICMBio Noronha

Mas são os gatos (Felis catus) que causaram os maiores impactos. Trazidos ao arquipélago pelos habitantes locais para controlar as populações de ratos, esses animais começaram a se reproduzir sem controle. “Estima-se que existam 1.287 gatos na ilha principal, dos quais cerca de 439 são selvagens”, aponta Nunes.

Após analisar a dieta desses animais, os pesquisadores constataram que os gatos estão se alimentando de aves marinhas e de um pequeno lagarto conhecido como mabuya (Trachylepis atlantica), endêmico do arquipélago.

“A mabuya se alimenta de larvas de insetos, formigas e restos de alimentos humanos, além de néctar e flores, atuando como um importante polinizador e dispersor de sementes, contribuindo para a reprodução das plantas e para o equilíbrio dos ecossistemas locais”, diz Nunes. “Hoje, quase não se vê esse lagarto na ilha”.

A análise de fezes e de isótopos estáveis (formas variantes de átomos cuja composição não muda com o tempo) dos gatos do arquipélago também revelou que muitos carregam uma cepa de Toxoplasma quase inexistente no restante do Brasil. “Por isso esses animais também representam um grave problema de saúde pública”, acrescenta o pesquisador.

Para controlá-los, a saída tem sido a castração e a introdução de um microchip de identificação nos gatos domésticos e naqueles sem dono capturados nas ruas. Estes últimos são levados para um abrigo para adoção ou para serem sacrificados, caso não sejam adotados.

Os gatos domésticos encontrados novamente nas ruas também são levados para abrigos, e seus tutores são multados em um valor entre 20% e 30% de um salário mínimo (R$ 1.509). Paralelamente, são realizadas palestras de conscientização para a população local, incluindo escolas, e também para os turistas.

O problema continua sendo os felinos selvagens. “A solução seria a eutanásia, mas a ideia enfrenta resistência dos moradores locais, além de ser muito difícil capturá-los na mata”, aponta Araújo.

Segundo ele, a solução mais eficaz seria enviar o Exército para caçá-los e eliminá-los, algo que já foi feito antes. Na ilha da Trindade, a 1.167 km da costa do Espírito Santo, cerca de 800 cabras foram abatidas por militares da Marinha, que administra a ilha, em uma operação iniciada em 1994.

Esses animais haviam sido introduzidos na região há mais de 300 anos. Sem predadores naturais, reproduziram-se descontroladamente, consumindo toda a vegetação, afetando os cursos d’água e a fauna local, como as tartarugas marinhas, cujos ovos também eram consumidos. A última cabra foi eliminada em 2005.

Estima-se que existam no Brasil 476 espécies exóticas invasoras, segundo um relatório temático publicado no início de 2024 pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos.

“Nosso estudo oferece suporte à gestão ambiental do arquipélago e destaca que as estratégias de controle dessas espécies devem ser implementadas de forma integrada, considerando tanto a conservação da biodiversidade quanto as percepções da comunidade local”, acrescenta Nunes.

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