Na quinta-feira, 1º de maio de 2025, o Brasil perdeu uma de suas intérpretes mais intensas e singulares: Nana Caymmi, aos 84 anos, após nove meses de internação para tratar uma arritmia cardíaca. O corpo foi velado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em uma despedida carregada de emoção, com familiares, artistas e admiradores rendendo homenagens à cantora que, mesmo nos silêncios, impunha presença.
Nascida Dinahir Tostes Caymmi em 1941, filha de Dorival Caymmi e Stella Maris, Nana carregava a música no sangue, mas o talento que herdou da família nunca a impediu de construir um caminho próprio. Ao contrário: fez questão disso. Recusou-se a ser moldada pelo mercado, recusou modismos, recusou até o sucesso fácil. Preferiu o rigor. Gravou apenas o que queria da forma como queria. Foi temperamental, foi polêmica, foi intensa. Mas também foi dona de uma voz inconfundível: grave, emotiva, de afinação precisa. Atravessou décadas e fez da canção um território de verdade.

Nana era muitas: a jovem que estreou no disco do pai cantando “Acalanto”, a mulher que encarou vaias no Maracanãzinho ao vencer um festival com “Saveiros”, a artista que encantou a Argentina nos anos 70 e reescreveu o bolero nos anos 90. Gravou Tom, Vinicius, Tito Madi. Transformou “Resposta ao Tempo” em hino nacional do lirismo, eternizando a canção de Cristóvão Bastos e Aldir Blanc. Foi parceira de palco e de vida de figuras como João Donato, Claudio Nucci e Gilberto Gil, este último, ex-marido e amigo até o fim, que lhe prestou as últimas homenagens com um beijo de despedida no velório.

Sua trajetória artística composta de 25 álbuns e interpretações históricas como “Sentinela”, “Só Louco” e “Cais” é marcada por coragem e coerência. Nana nunca se aposentou: apenas resistiu até onde pôde. Mesmo ao declarar, já nos últimos anos, que se sentia “defasada”, sua música seguia reverberando em quem sabia ouvir.
Teve três filhos, duas netas, quatro casamentos e muitos amores. Viveu cercada por afetos e contradições. E fez disso tudo uma arte. Sua filha Stella Teresa, ao se despedir, lembrou-se da canção que Dorival compôs para embalar o berço da primogênita:
“Mamãezinha precisava descansar”
Nana não quis ser ícone. Preferiu ser fiel. À própria história, à sua forma de cantar, às dores e delícias que a vida impôs. O Brasil perde uma artista que jamais fez concessões, mas ganha um legado impossível de apagar. Como escreveu o irmão Danilo:
“ela era muito emotiva e carregava isso para dentro da música”.
Descanse, Nana. O tempo, este que você desafiou tantas vezes com sua voz, agora é quem se cala para te ouvir.
Como epílogo desta despedida, sugerimos a audição de Resposta ao Tempo (Cristóvão Bastos e Aldir Blanc), gravada ao vivo por Nana Caymmi em 2012 no Palácio das Artes, em Belo Horizonte, acompanhada por Wagner Tiso e pela Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, sob a regência de Roberto Tibiriçá.
Disponível no Youtube, essa interpretação é marcada pela delicadeza do arranjo orquestral e pela voz madura, grave e serena de Nana. Fique atento à interpretação de Nana nessa gravação que condensa a essência de sua arte: o domínio absoluto da emoção, o fraseado preciso, o respeito ao silêncio e à palavra cantada. Nana não interpreta a música: ela a respira, a entrega e a transcende.
Se a morte a silenciou, essa canção, comovente como um adeus sussurrado ao ouvido do tempo, assegura que sua voz permanecerá entre nós.
O post Nana Caymmi: uma voz inconfundível, um legado irredutível apareceu primeiro em Jornal Opção.