Marcos Linhares
Especial para o Jornal Opção
Cidade do Entorno de Brasília, Valparaíso de Goiás anda diferente. Mais cheio de som e de silêncio bom. Daqueles silêncios que vêm depois do aplauso. E isso não saiu nos jornais nem nos discursos solenes: veio da arte. Da arte que voltou a pulsar ali, de dentro, com cara de povo e cheiro de palco. É o Conecta Cult que está fazendo isso. Sem muito alarde, mas com efeito de terremoto nos corações de quem assiste, participa, volta para casa transformado.
Em março, depois de meses de poeira, tijolo, cabo elétrico e tinta nova, o Ponto de Cultura Alquimia abriu as portas de novo. Reformado e repaginado com o apoio do Programa Nacional Aldir Blanc, o espaço recebeu o Sarau Ritmo e Poesia para celebrar a reinauguração. Foi ali que o projeto Conecta Cult ganhou forma e fôlego. Naquela noite, o musical Tropicália de Rita e Gal foi a faísca. E não veio sozinho: teve também filme, poesia falada, voz potente e presença viva.

E foi nessa noite que Carlos Alberto, 39 anos, profissional autônomo, sentou-se na cadeira de plástico sem saber que ia sair diferente.
“Eu fui achando que ia ver só mais uma apresentação e saí arrepiado. A qualidade é absurda. A história, as músicas, os figurinos… senti toda a energia de Rita e Gal Costa ali, com a gente. Foi lindo demais. E de graça. Isso é um presente que a gente não esquece”, disse, com os olhos ainda meio úmidos.
Depois veio maio. E com ele, a Mostra de Repertório Teatral: entre os dias 17 e 25, o palco virou lar de palhaços, personagens do sertão, dramas urbanos e histórias invisíveis. Tudo gratuito, tudo oferecido para quem quisesse entrar, sentar e sentir. E no dia 27, a Tropicália voltou. Dessa vez, ocupando o Colégio Estadual Novo Gama com duas sessões que deixaram o público em transe. Gal e Rita, homenageadas por um elenco afiado, botaram fogo no coração de quem viu.
O espetáculo, dirigido por Fernando Fernandes e com direção musical de Jorge Recife, recriou os bastidores e as canções do movimento tropicalista. No palco, Haila Ticiany, Leo Campos, Lucky at Yourself, Ricardo Evangelista, além de Fernando Fernandes e Jorge Recife, provaram que tudo aquilo que começou nos anos 60 ainda vive, grita e canta em nós.

Cultura não é luxo, é urgência e direito
Fernando Fernandes, professor, ator, diretor teatral e idealizador do projeto, falou olhando em volta, como quem vê além do que está pronto: “A ideia era simples, mas corajosa: abrir as portas, escancarar o palco e dizer que cultura não é luxo, é urgência e direito. A mostra provou que a comunidade quer mais do que consumir arte: ela quer fazer parte dela. E a Tropicália foi o nosso grito de beleza e resistência”, revelou satisfeito.
Mas o Conecta Cult não é só espetáculo bonito para bater palma. É um misto de tudo: estrutura, ferramenta e semente. O Ponto de Cultura Alquimia agora tem cine-teatro para 50 pessoas, estúdios de gravação, sala de coworking, espaços adaptados, loja de produtos culturais. É um centro de criação com cara de coletivo. E com um plano de gestão que promete manter isso tudo vivo depois que as luzes baixarem.

E por falar em Cine Teatro, ele foi batizado de Graça Veloso, em homenagem ao notável ator, diretor, dramaturgo e professor da UnB, nascido em Silvânia (GO) e que construiu uma carreira digna de nota a partir do DF com projeção nacional.
Mais cultura pelo caminho
E ainda nem acabou. Depois da reforma (primeira fase) e do sarau e do teatro (segunda), vem a terceira etapa, com oficinas e cursos de capacitação, começando nas próximas semanas e se estendendo até outubro.
Para se ter uma ideia da variedade, serão oferecidos cursos e oficinas de Produção Musical, Tecnologia para Idosos, Dança Moderna, Teatro Avançado, Capacitação em acessibilidade, Dança contemporânea, Dança do Ventre, Composição de Música Urbana, Interpretação Musical, Teatro para Crianças e Artesanato em Bambu.

E em outubro começa a fase infantil: teatro e cinema voltados para crianças da cidade. Tudo gratuito e com cheiro de sonho que começa pequeno, mas não cabe em moldura.
E depois será realizado mais um sarau, com o encerramento do projeto em novembro. Mas até lá, muita coisa ainda vai acontecer. Porque como diz o próprio Fernando: “A gente não quer só fazer um evento bonito para foto. Queremos criar um ecossistema de arte. Um lugar onde ideias saiam do papel e crianças vejam sua primeira peça. Isso é alquimia. Transformar vida em verso. E verso em ação”, reflete o diretor.
Em Valparaíso, a arte não voltou, porque ela nunca foi embora. Só estava esperando alguém acender o palco de novo.
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