Envelhecer no Brasil é sobreviver ao desprezo, violência e a indiferença diária

Neste domingo, 15, marca-se o Dia de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa. A data, criada pela ONU e reforçada desde 2006 com campanhas globais, deveria ser um marco de reflexão sobre a forma como tratamos os mais velhos. Mas no nossa país, o que se vê com frequência é negligência, violência e, sobretudo, uma estrutura social que ainda enxerga o envelhecimento mais como um fardo do que como uma etapa natural e digna da vida.

Embora o Ministério dos Direitos Humanos reforce que “a violência contra a pessoa idosa é uma grave violação aos Direitos Humanos”, os fatos escancarados diariamente mostram que a teoria pouco tem sido convertida em prática. O país falha sistematicamente em proteger os idosos não só da violência explícita, mas também da violência institucional, aquela que retira direitos, invisibiliza, desumaniza e, em muitos casos, explora financeiramente.

Recentemente, o escândalo nacional envolvendo o INSS mostrou como essa exploração pode se esconder nos detalhes mais burocráticos. Entre 2019 e 2024, milhões de aposentados e pensionistas foram alvo de descontos indevidos em seus benefícios mensais. O dinheiro era retirado diretamente da folha de pagamento com justificativas de mensalidades associativas, sem que os próprios beneficiários tivessem autorizado ou sequer soubessem da cobrança. O golpe, identificado pela Polícia Federal e pela Controladoria-Geral da União, é uma das maiores fraudes já registradas no sistema previdenciário brasileiro.

A falha foi sistêmica: os descontos passavam despercebidos por idosos que, muitas vezes, sequer sabem acessar o aplicativo Meu INSS. A devolução do dinheiro, segundo o governo, já começou, com R$ 292 milhões ressarcidos na primeira etapa. Mas a estimativa é de que mais de quatro milhões de pessoas tenham sido prejudicadas. A devolução, embora necessária, não apaga o retrato de uma estrutura que não prioriza os direitos básicos de quem mais precisa.

A violência, no entanto, não é apenas institucional. Nas ruas, em casa, entre vizinhos, os idosos são frequentemente alvos de agressões físicas, casos que demonstram claramente a banalização da violência contra corpos que já viveram tanto. No início de maio deste ano, João Muniz, de 75 anos, foi brutalmente espancado em Gurupi (TO) após tentar ajudar um casal que havia caído de bicicleta. Ele foi internado em estado grave, intubado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), depois de receber socos e chutes. Uma câmera flagrou tudo. No áudio, João tenta conversar antes de ser atacado: “Eu só tô perguntando se machucou”, disse. O agressor, um jovem de 20 anos, responde com mais violência.

Apenas onze dias depois, outro caso aconteceu: um idoso de 85 anos foi agredido na Zona Oeste do Rio de Janeiro. O motivo? Cobrou R$ 10 de um vizinho. Testemunhas contaram que, em segundos, a cobrança virou discussão e depois agressão. Um exemplo de uma violência motivada por migalhas, praticada contra alguém que, em qualquer sociedade minimamente justa, deveria ser tratado com o respeito que seus anos de vida impõem.

Esses episódios não são isolados, são sintomas. Eles revelam como o envelhecimento tem sido encarado com incômodo, como se a presença do idoso nas famílias, nas filas, nos espaços públicos fosse um atraso, um ruído. Muitas vezes, o discurso se disfarça de lógica: “já têm benefícios o suficiente”, “ocupam espaço demais”, “dão trabalho”. Mas o que está por trás é a negação de que essas pessoas são, antes de tudo, humanas. Com vontades, com medos, com histórias. Não são só avôs e avós; são ex-professores, donas de casa, pedreiros, costureiras, trabalhadores que sustentaram este país por décadas.

É comum ouvir que “conviver com idosos é difícil”, como se essa dificuldade fosse justificativa para a exclusão. Sim, é uma convivência que exige paciência e empatia, mas que também pode ser rica em afetos, aprendizado e conexão. O problema é que a sociedade atual valoriza a produtividade frenética, o imediatismo, a juventude. Quem já passou por essas fases, muitas vezes, é descartado como se tivesse cumprido seu papel e agora apenas atrapalhasse o fluxo.

Há também uma tendência cruel de infantilizar os idosos, de tratá-los como seres frágeis e sem autonomia. Mas ser idoso não significa ser incapaz. Não significa ser invisível. E, definitivamente, não significa ter seus direitos reduzidos ao acesso prioritário no transporte público ou a uma aposentadoria que mal cobre o custo de vida. Isso não é privilégio, é o mínimo do mínimo.

A violência contra idosos, segundo definição do Ministério da Saúde, é “um ato único, repetido ou a falta de ação apropriada, ocorrendo em qualquer relacionamento em que exista uma expectativa de confiança que cause dano ou sofrimento a uma pessoa idosa”. Esse tipo de agressão pode vir em forma de abandono, de insultos, de golpes financeiros, ou mesmo da recusa em escutar, e acolher, suas dores. Em todos os casos, é um ataque à dignidade.

Talvez o ponto mais urgente seja esse: parar de tratar o envelhecimento como um fim. Envelhecer não é virar peso, é continuar sendo. É manter a humanidade, com todas as suas nuances. É preciso garantir espaço para essas vidas que ainda têm muito o que dizer, fazer, ensinar. Que carregam em seus corpos e memórias pedaços de história que ainda não aprendemos a valorizar.

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