Direita só tem chance de derrotar Lula da Silva se pensar para além do bolsonarismo

Às vezes o passado lança luz, alguma luz, sobre o presente e o futuro (que é construído no presente). Então, pode-se sugerir que o resultado da eleição de 2022 pode dizer muito à disputa de 2026 — daqui a dois anos e cinco meses. “Um pulinho” — como dizem em Glicério, Garanhuns e Anápolis.

Na disputa de 2022, Lula da Silva, do PT, obteve 60.345.999 votos (50,90%). O então presidente Jair Bolsonaro conquistou 58.206.354 votos (49,10%). A diferença — muito pequena — foi de 2.139.645 votos. Observe-se que Goiás tem 4.870.354 de eleitores, ou seja, o Estado do Centro-Oeste poderia ter decidido a peleja para qualquer um dos postulantes.

O resultado mostrou um forte acirramento eleitoral. Lula da Silva mostrou força porque ganhou e, sobretudo, porque estava fora do poder. Bolsonaro perdeu estando no poder, mas, apesar de todo o desgaste — seus contenciosos com setores da sociedade (Judiciário, imprensa, mulheres, cientistas etc.) eram imensos —, obteve uma votação extraordinária.

Ronaldo Caiado e Jair Bolsonaro: razão indica que estarão no mesmo palanque | Foto: Divulgação

No momento, e até 31 de dezembro de 2026, Lula da Silva tem de governar o país. Por isso, embora já esteja em campanha, não aparece tanto quanto Bolsonaro e os demais postulantes da direita, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, do União Brasil, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, do Republicanos, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, do Novo, o governador do Paraná, Ratinho Júnior, do PSD, e Michelle Bolsonaro, do PL, mulher do ex-presidente.

Lula da Silva enfrenta os desgastes naturais de quem está no governo, com problemas que não podem ser resolvidos por decreto, com uma tacada.

Note-se o contexto internacional: de repente, com a crise entre o Irã e Israel, o preço do petróleo tende a se tornar mais elevado. Se o preço da gasolina subir no posto de combustível, o brasileiro não culpará os países em conflito no Oriente Médio, e sim o governo federal, quer dizer, Lula da Silva.

Se o país crescer aquém do esperado, por erros do governo mas também devido às crises cíclicas do capitalismo, Lula da Silva também será avaliado negativamente. Se o presidente continuar com o discurso pró-Cuba, pró-Venezuela (a mudança da fala do presidente, até agora, é meramente cosmética) e pró-Nicarágua, será positivo para as três ditaduras, mas não para as ambições eleitorais do líder da esquerda patropi.

Lula da Silva: se atrair grande parte do centro terá chance de ser reeleito | Foto: divulgação/PT

Com Lula da Silva no governo, com os desgastes naturais de quem está no poder — não há como resolver os problemas de uma tacada —, há e haverá uma certa fragilidade que será explorada durante a campanha. A rigor, o petista-chefe não faz um governo ruim (o Brasil está prestes a se tornar a oitava maior economia do mundo), mas também não é extraordinário. A gestão parece lenta e burocrática, ainda que seja cedo para uma avaliação peremptória.

Ao perceber que o jogo estratégico e inteligente é manter uma espécie de campanha no ar, esmerando-se para deixar o governo sob pressão e os eleitores alertas, as direitas estão em campo, em caráter permanente, apresentando o contraditório com relativa mestria.

Menos pressionando o governo de Lula da Silva e muito mais se apresentando — sugerindo que há alternativas objetivas para 2026 —, as direitas estão fazendo a coisa certa.

Michelle Bolsonaro pode empolgar o eleitorado. Mas empolga Jair Bolsonaro? | Foto: reprodução

Na esquerda, Lula da Silva deve ser o candidato a presidente em 2026. Porque não há outro nome — nem mesmo o moderado ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT) — tão consistente eleitoralmente tanto no PT quanto nas demais esquerdas. O petista-chefe é maior do que o PT e, até, do que todas as esquerdas somadas.

Se há um político capaz de derrotar as direitas em 2026 este é Lula da Silva. Não outro. Ressalte-se que muitos petistas não entendem a moderação do presidente, sua tentativa de aproximação com as forças conservadoras de centro e com os evangélicos — a maioria de direita, mas parte é de centro — e sua paciência infinita com Arthur Lira e aliados.

De alguma maneira, com sua fabulosa habilidade para negociar, Lula da Silva sabe que só tem condições de derrotar as direitas se ampliar sua aliança com o centro (que é maior do que o Centrão de Arthur Lira e Ciro Nogueira, pois não é meramente político-partidário).

Tarcisio Gomes de Freitas, governador do Estado mais rico do país, não quer trocar o quase-certo (São Paulo) pelo duvidoso (o Brasil) | Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Neste momento, Lula da Silva opera uma aproximação com o centro político e social tanto para conseguir governar quanto para a reeleição de 2026. Suas táticas e estratégias estão corretas. Tende a ser eleito aquele candidato que, mantendo a força de sua base, conquiste o pedaço maior de uma base que, a rigor, não tem “dono”. Os brasileiros estão observando o presidente e, certamente, ainda não têm uma opinião inteiramente formada a seu respeito e sobre seu governo. Mas, daqui a dois e cinco meses, a terá.

Há um paradoxo que os eleitores vão aos poucos destrinçar: Lula da Silva é democrata, mas apoia ditadores como Miguel Díaz-Canel, Nicolás Maduro e Daniel Ortega. Quer dizer, o relacionamento amistoso do presidente com os três ditocratas não afeta em nada a vida dos brasileiros. Porque, repetindo, o petista-chefe não planeja — nem conseguiria — transformar o Brasil em novas Cuba, Nicarágua e Venezuela. O pragmatismo do político red está acima das identidades ideológicas.

Lula da Silva é de esquerda? É. Mas, acima de tudo, é democrata. Há alas mais radicais no PT? Por certo, há. Mas estão enquadradas pelo grupo democrático do petista-chefe.

Romeu Zema, governador de Minas Gerais: mais mineiro do que brasileiro? | Foto: Reprodução

Como até as urnas e meninos de 5 anos sabem, Bolsonaro não será candidato a presidente da República. O ex-presidente é inelegível. Ele continua se apresentando como possível candidato porque quer permanecer no jogo.

As direitas sabem que, como apoiador, Bolsonaro será, em 2026, “general” eleitoral, e não “capitão” eleitoral. Quer dizer, será uma peça decisiva.

Porém, o candidato — ou candidatos — da direita certamente sabe que, para se eleger um presidente, é preciso ter algo mais. Não basta contar com o apoio de Bolsonaro e, daí, do bolsonarismo. É preciso atrair o centro — como Lula da Silva já está fazendo (ainda sem muitos resultados). Ninguém, nas direitas, ganha sem Bolsonaro (e o bolsonarismo), mas também não ganha só com ele. O bolsonarismo sozinho não elege mais um presidente da República. A derrota de 2022 prova isto.

Ratinho Júnior: imagine o país governado por um presidente com este nome | Foto: Marcelo Andrade

Por isso, os contatos entre os políticos das direitas — Ronaldo Caiado, Tarcísio de Freitas, Romeu Zema, Ratinho Júnior —, pensando numa estrutura e ideário para além do bolsonarismo, é importante tanto para elas quanto para o país.

As direitas, organizadas e militantes — como só o PT conseguia ser —, são uma realidade incontornável da cena política atual do Brasil. Portanto, é crucial que sejam democráticas e civilizadas.

Para a disputa de 2026, ao contrário do que pensam luas-amarelas do bolsonarismo, não bastará pôr a ideologia de direita no centro do palco.

Para tentar ganhar de Lula da Silva, que terá a força da máquina a seu favor, em todo o país, a direita terá de se reinventar. Terá de ser democrata (enfatizando a não-identificação com o golpismo do bolsonarismo), entender de gestão (por isso o candidato mais forte tende a ser um governador de Estado, como Ronaldo Caiado, Tarcísio de Freitas e Romeu Zema), articular uma frente política que inclua o centro, ter preocupações sociais efetivas e um projeto de reestruturação da segurança pública em todo o país (o que o governo do petista-chefe ainda não tem).

Insista-se que a força política de Bolsonaro permanece, mas a direita, se quiser conquistar a sociedade (os multifacetados eleitores), terá de apresentar um candidato que, ainda que não renegue o bolsonarismo — porque precisa imensamente dele —, vá além do ex-presidente. Precisa ser visto como uma figura autônoma — o que é o caso de Ronaldo Caiado e Romeu Zema. Tarcísio de Freitas, que quer disputar a reeleição em São Paulo, e Michelle Bolsonaro, se eleitos, seriam tutelados por Bolsonaro. Parte substancial dos eleitores — que não são necessariamente de direita — certamente quer um candidato mais à direita, mas que não seja um clone de Bolsonaro (o anti-vacina, por exemplo). Querem um presidente autônomo, sensível aos clamores da sociedade.

Mas a parada das direitas será muito difícil. Porque enfrentarão Lula da Silva, a maior estrela política viva do país. As chances de o petista ser reeleito são grandes. Então, frisando, as direitas só têm alguma chance de vencê-lo se acrescentar algo para além do bolsonarismo. E precisam se unir, porque, se divididas, se tornarão “generais” de Lula da Silva, a raposa política mais felpuda do país.

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