‘Ódio, amizade, namoro, amor, casamento’: o olhar para o cotidiano

Nesta segunda-feira, 13, faleceu a contista Alice Munro. Me peguei pensando, como livreira, nesses livros e autores que adoro e quase nunca indico. Alice Munro está nessa categoria. Gosto demais de seus livros. Acho Alice uma contista fabulosa, elegante. Daquelas que consegue criar, nos encantar e finalizar o conto sem nos deixar com a sensação que poderia ter sido mais.

Considero esse um grande mérito de quem se arrisca a escrever esse gênero literário, que é um dos mais difíceis por sua própria razão de ser: uma narrativa curta, que gira em torno de uma única ação dramática. A concisão e precisão necessárias ao conto tornam interessante a dedicação da autora a narrar a amplitude da vida através de um gênero tão breve.

Nascida em 10 de julho de 1931, em Ontário, Canadá, Alice ganhou o Nobel de Literatura em 2013. Foi a primeira vez que a academia premiou um autor que escreve apenas contos, mostrando com isso, como Munro realmente poderia carregar o título de grande contista.

Alice e o marido também foram livreiros: juntos abriram uma livraria, Munro’s Books, que ainda hoje existe. Também era publicamente contra a desigualdade de gênero.

Seus livros são frequentemente ambientados em cidadezinhas do interior, seus relatos centram-se em relacionamentos humanos vistos pela perspectiva da vida cotidiana. Com narrativas impactantes, apesar de singelas, e em sua maioria serem sobre o cotidiano, nos transportam para uma fuga da rotina, mas sem perder a visão da realidade e da complexidade das relações humanas.

Como disse, considero esse gênero um dos mais difíceis, pois o autor tem que, em poucas páginas, conduzir o leitor a um universo novo, personagens inéditos e ainda prender a atenção e cativar esse leitor. E como uma grande mestra do conto, Munro fez isso muito bem. Narradora perspicaz, explorava temas como memória, identidade, família e os pequenos grandes dramas da vida cotidiana, corriqueira.

O meu preferido é “Ódio, amizade, namoro, amor, casamento. Nele, temos nove contos com protagonistas mulheres. Em comum, todas estão numa fase de mudança, descoberta, amadurecimento e/ou autoconhecimento.

De uma sensibilidade singular, o cotidiano, comum, o corriqueiro, são os protagonistas desse livro. Gosto como ela mostra a vida com tédio, rotinas e as nossas insatisfações, a complexidade das relações familiares. Ela usa tudo isso para fazer narrativas delicadas, mas contundentes, e que retratam bem a realidade.

Alice Munro é daquelas autoras que devem ser lidas com cuidado, atenção, porque a beleza, delicadeza está escondida naqueles pequenos detalhes. Ela é uma excelente contadora de histórias.

Seus livros são escritos com polidez, elegância, sutileza. Comparada diversas vezes à Antón Tchekov por seu primor, precisão nas narrativas, mas principalmente por seus contos serem centrados nas fraquezas da condição humana.

Gosto desse olhar que alguns escritores tem sobre o cotidiano. Isso mostra que o motor da nossa existência está nesse sentido poético de observar que na permanência do simples é que reside a inteireza das coisas e até mesmo o sentido da vida.

A “mágica” de Munro é mostrar que a vida acontece, sem sabermos como, apenas seguimos seu fluxo. O mérito de Munro é esse: o destino de seus personagens está em aberto, até mesmo para a própria autora.

“Lembre-se sempre de que, quando um homem sai da sala, ele deixa tudo para trás… Quando uma mulher sai, carrega tudo o que aconteceu na sala junto com ela.”

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