Adotada por Balneário Camboriú, Cruzeiro do Sul teve bairro com 350 casas destruídas

CRUZEIRO DO SUL, RS – Durante os dias 30 de abril e 1º de maio, o fisioterapeuta Glaucio Coutinho, 53, sua mulher, a veterinária Luciani Maria da Silva, 43, e os três filhos, de 16, 14 e 13 anos, que estavam em Goiás, ligaram incansavelmente para os pais dela, o comerciante Orlando Silva, 76, e Gladis Elisabethe, 65, tentando convencê-los a abandonar sua casa, ameaçada pelas águas do rio Taquari, que subiam rapidamente. Localizada no bairro Passo de Estrela, em Cruzeiro do Sul (RS), a 124 km de Porto Alegre, no dia 2 ela foi levada pela força da enchente, com o casal e dois filhos dentro.

Eles fazem parte do grupo de 12 moradores da cidade que perderam a vida na maior enchente da história da região. Segundo a prefeitura do município, outras 16 pessoas estão desaparecidas. Ainda de acordo com o governo municipal, 70% dos habitantes foram afetados pela cheia, que deixou 5.722 desalojados. Foram cerca de 2.000 casas atingidas, das quais 1.262 foram completamente destruídas.

Alguns bairros foram varridos do mapa, como é o caso de Passo de Estrela, onde morava a família Silva. Das mais de 350 casas que havia ali, sobraram apenas os alicerces e os escombros.

Coutinho conta que o imóvel em que a família do sogro morava tinha dois pisos -no primeiro funcionava a clínica veterinária da esposa, e no segundo ficava a residência.

“Ligamos uma 200 vezes para a casa do meu sogro, a ponto de nossas baterias acabarem e terem de ser recarregadas, pedindo para eles saírem para um lugar seguro”, conta. “Mas eles decidiram ficar, tentando salvar cada vez mais coisas. Conseguiram retirar muitos móveis e os carros, colocando em lugar seguro. Menos a vida deles, que não tem preço.”

Há outro fator ao qual Coutinho atribui a decisão do sogro de não deixar a casa.

“Ele costumava dizer que morava ali havia 240 anos, pois somava os 80 anos de vida de seu avô, os 80 de seu pai e os 76 dele”, conta. “É difícil entender por que meu sogro não quis abandonar a casa. Talvez, psicologicamente, ele não pudesse suportar a devastação que viria. E ele sabia que haveria devastação se a água chegasse ao nível previsto. Essa casa foi construída em 1940. Foi a segunda erguida naquela região. Entre 9h30 e 10h do dia 2, ela se foi, junto aos meus sogros e meus cunhados.”

Chefe de produção de uma empresa de material de limpeza, Carlos Alexandre Muller, outro morador do bairro Passo de Estrela, também perdeu a casa e muito do que havia nela, mas conseguiu se salvar com a mulher e os dois filhos, um menino de 1 ano e 10 meses e uma menina recém-nascida, de 15 dias. Isso foi possível, ele diz, porque acompanha os avisos e alertas da Defesa Civil.

Quando Muller ouviu o alerta de que a enchente seria maior do que a anterior, arranjou um caminhão-baú com uns parentes e retirou tudo o que podia de sua residência. “Fomos para a casa de uma tia da minha mulher, que fica na parte mais alta aqui do Passo de Estrela”, lembra. “Mas aí veio outro alerta de que a água também chegaria lá. Então pegamos o caminhão e fomos para a casa de parentes, em Mato Leitão, um município vizinho, onde a cheia não chega.”

Dono de uma empresa de produtos de limpeza, José Macedo mora no centro de Cruzeiro do Sul e afirma que também costuma seguir os alertas da Defesa Civil. “Aqui sempre vem enchente, tanto que o imóvel onde fica nossa casa e a empresa é adaptado para essas situações”, conta. “Quando os avisos disseram que a cheia seria maior que a anterior, começamos a levar o que era possível para o piso superior.”

De nada adiantou. A água chegou até o telhado, e Macedo e a esposa tiveram que ser resgatados de barco. Isso salvou suas vidas. O que não deu para salvar foi o imóvel, que ficou com as estruturas comprometidas. “Isso foi agravado pelas embalagens vazias, no caso tambores para materiais de limpeza. Eles flutuaram e a água os forçou contra o teto, partindo-o em dois. Ainda não consegui contabilizar os prejuízos materiais.”

Isso Coutinho já conseguiu fazer. “Tínhamos uma clínica com cerca de R$ 1 milhão em equipamentos. Não posso refazê-la com menos que esse valor”, diz. “Na frente da clínica meu sogro tinha um mercado e um açougue. Algum tempo atrás, ofereceram R$ 1,2 milhão por eles, mas ele não queria vendê-los. Hoje tudo está perdido, o mercado caiu e a casa e a clínica foram destruídas com tudo que havia dentro.”

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