Entenda a quebra na safra de soja 2023/2024

Em fevereiro deste ano, a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Goiás (Aprosoja-GO) manifestou preocupação com uma iminente crise econômica no Estado de Goiás, provocada pela quebra na safra de grãos 2023/2024 e pela acentuada queda nos preços de comercialização.

Para a Aprosoja-GO, a produção de soja e milho é estrategicamente relevante para o abastecimento da agroindústria em Goiás, além de gerar muitos empregos tanto no campo quanto na cidade. Uma crise econômica como a prevista também afetaria o comércio, os serviços, o turismo, o setor público, enfim, toda a sociedade.

Em diversas regiões, chuvas irregulares atrasaram a semeadura e ocasionaram replantios. Em regiões como o Norte, o Nordeste e o Vale do Araguaia, as lavouras sofreram atrasos.

Colheita de soja l Foto: Reprodução

Já na parte Centro-Sul de Goiás, especialmente no Sudoeste, a colheita começou ainda no final de dezembro, o que é raro. A estiagem, combinada com as altas temperaturas, acelerou o ciclo das plantas, especialmente das cultivares precoces, que chegaram ao ponto de colheita mais cedo, mas com muitas perdas no seu potencial produtivo.

A estimativa inicial se concretizou, gerando uma perda na produtividade de soja de aproximadamente 15% em relação à safra 2022/2023, segundo a entidade. O relatório produzido pela “Expedição Safra Goiás”, realizado em janeiro de 2024 pela Federação de Agricultura e Pecuária do Estado de Goiás (FAEG) e seus parceiros, apontou perdas potenciais de 15% a 23% na produtividade das lavouras de soja goianas na safra 2023/2024.

Segundo a Aprosoja, além das perdas em produtividade, os baixos preços de soja e milho no mercado internacional e local também preocupam os produtores. Conforme levantamento do Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (IFAG), as cotações desses grãos estão em patamares inferiores em 30% na comparação com o mesmo período do ano passado – enquanto os custos de produção permanecem elevados.

De acordo com Joel Ragagnin, presidente da Aprosoja-GO, a queda significativa na produtividade das lavouras, associada aos baixos preços da soja no mercado, coloca os produtores numa condição de prejuízo em suas lavouras.

Joel Ragagnin, presidente da Aprosoja -GO l Foto: Laura de Paula/Aprosoja -GO

“Eventos climáticos como o El Niño já são bastante conhecidos, e sabemos que a agricultura enfrenta um risco climático considerável. O comportamento do clima pode afetar positivamente ou negativamente a produção. Este ciclo foi fortemente impactado pelo clima irregular, resultando na quebra de safra observada,” acrescenta Joel Ragagnin.

Houve uma quebra na safra de soja em torno de 6%, com a produtividade diminuindo 10% em relação ao ciclo anterior, segundo dados da Conab. Os preços da soja não cobrem os custos de produção, e os produtores aguardam melhores oportunidades para comercialização. A colheita de soja em Goiás está finalizada, com a Conab estimando uma produção de 16,6 milhões de toneladas em 4,88 milhões de hectares no ciclo 23/24.

Os produtores estão bastante apreensivos e cautelosos em relação à próxima safra de soja. Eles buscam adequar seus custos de produção aos preços, que estão abaixo dos níveis de rentabilidade satisfatórios. “O ritmo de comercialização é lento, aquém dos anos anteriores. Aqueles que não venderam aguardam melhores oportunidades para negociação,” ressalta o presidente.

Para o coordenador técnico da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (FAEG), Leonardo Machado, a quebra na safra ocorreu nas lavouras plantadas mais cedo, no início de outubro do ano passado. Como os meses de outubro e novembro foram bastante secos e quentes, isso impactou diretamente a qualidade das cultivares. “Para se ter uma ideia, o normal é colher em média 60 sacas por hectare. No entanto, alguns produtores colheram apenas metade disso e outros perderam tudo”, relembra.

Leonardo Machado, técnico da FAEG l Foto: Arquivo pessoal

Apesar disso, Leonardo avalia que a quebra foi menor do que o esperado. A expectativa era colher em torno de 65 sacas por hectare, mas, ao final da safra, a produtividade média ficou em 58 sacas, representando uma redução de 11%.

Situação de Emergência

Para tentar minimizar os impactos negativos da falta de chuva, o governo de Goiás decretou estado de emergência em 25 municípios. O decreto nº 10.407 foi publicado em um suplemento do Diário Oficial do Estado em fevereiro de 2024.

O documento abrange principalmente municípios das regiões Oeste e Norte do estado. São eles: Acreúna, Amorinópolis, Araguapaz, Arenópolis, Baliza, Bom Jardim de Goiás, Britânia, Caiapônia, Diorama, Guarani de Goiás, Iporá, Israelândia, Ivolândia, Jaupaci, Moiporá, Montes Claros de Goiás, Mozarlândia, Nova Crixás, Palestina de Goiás, Paraúna, Piranhas, Porangatu, Quirinópolis, Santa Helena de Goiás e Turvelândia.

O decreto leva em consideração os baixos índices de chuva registrados, além das condições climáticas extremas devido ao período prolongado de pouca ou nenhuma precipitação, durante o qual a perda de umidade do solo é superior à sua reposição, conforme a Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade).

Leonardo Machado explica que os decretos de emergência são importantes para que os produtores busquem a renegociação das dívidas em instituições bancárias nas operações de crédito rural oficial. “Aqueles produtores que estão nos municípios onde há o decreto podem usar esse documento para conseguir uma renegociação dos débitos de forma mais simples com o agente bancário, visto que têm como comprovar o motivo das perdas”, justifica.

Leonardo ratifica que a produção de soja deste ano em Goiás deve fechar em cerca de 16,6 milhões de toneladas, contra 17,7 milhões do ano anterior, ou seja, uma perda de um milhão de toneladas. No entanto, considerando o aumento da área plantada em 5,3% e a queda de 6% na produção, o quadro demonstra uma quebra de 11%.

Lavoura de soja l Foto: Reprodução

Quanto ao preço, Leonardo Machado lembra que a soja é uma commodity com precificação no mercado internacional. Nesse sentido, é necessário considerar a produção de outros países, como Argentina e Estados Unidos, que tiveram altas produções, levando a um aumento na oferta e uma queda nos valores. “Na safra passada, o produtor comercializava a um preço superior a R$ 120, porém, este ano, houve produtores que venderam a saca por menos de R$ 100.”

Leonardo Machado esclarece que as condições climáticas têm um impacto direto sobre os produtores. “A falta de chuva e as altas temperaturas foram razões importantes para essa redução.”

Quanto ao crédito disponibilizado aos produtores, Machado enfatiza que, embora tenha sido anunciada uma disponibilização maior do que no ano passado, o montante efetivamente repassado às agências para os produtores foi menor do que nos anos anteriores. “O governo federal suspendeu alguns procedimentos para os bancos concederem esses empréstimos. Na verdade, quase nada chegou às mãos dos produtores, e isso foi sentido nesta safra”, destaca. Sobre o próximo ciclo agrícola, Machado observa que ainda não há um direcionamento, uma vez que o plano safra ainda não foi anunciado.

Machado conclui reconhecendo que a safra 2023/2024 foi menos rentável para os produtores em comparação com a anterior. “Independentemente de os produtores terem tido custos menores, o preço foi o principal problema, pegando os produtores de surpresa. Certamente, eles vão contabilizar prejuízos”, lamenta.

Produtores

José Roberto Brucceli, produtor rural e sojicultor da região sudoeste de Goiás, descreve a safra de 2023/2024 como desafiadora para todos os agricultores. Ele relata que, em uma área de 1700 hectares destinada à soja, a colheita resultou em 40 sacas por hectare, mas a maioria das áreas não produziu mais do que 26 sacas, o que ele considera uma quantidade muito baixa. “No meu caso, houve uma queda de 33% em comparação com a safra 2022/2023”, afirma.

José Roberto Brucceli é produtor de soja l Foto: Arquivo pessoal

Brucceli destaca que os custos de produção aumentaram consideravelmente, enquanto o preço da soja caiu quase 50%. “Nas safras anteriores, vendíamos a R$ 160 a saca, mas este ano chegamos a vender a R$ 100”, relata. Ele revela que os custos para produzir soja estão em torno de R$ 6 mil por hectare, resultando em uma colheita de apenas 55 sacas, o que significa prejuízos em vez de lucro.

José Brucceli observa que muitos produtores estão buscando recuperação judicial e prevê que esse número aumentará ainda mais. “A situação é a seguinte: produtores endividados, sem acesso a crédito e sem perspectivas de melhora nos preços nos próximos dois anos”, lamenta.

Ele ressalta que a situação do milho é semelhante: “O custo de produção é de aproximadamente R$ 50 a saca, mas estamos vendendo no máximo por R$ 43, resultando em uma perda de R$ 7 por saca. Quem precisar vender agora terá prejuízos incalculáveis”, estima. Ele atribui as dificuldades enfrentadas pelos agricultores à falta e ao excesso de chuva, destacando o impacto das mudanças climáticas na produção agrícola.

Para José Brucceli, a situação atual dos produtores rurais brasileiros não é favorável. Ele observa que os produtores estão sem acesso a crédito, e muitos arrendatários estão sendo obrigados a devolver suas terras. Brucceli defende que o governo estenda os prazos de pagamento das dívidas para evitar que os produtores abandonem suas atividades agrícolas. “Para a próxima safra, é crucial que os produtores sejam cautelosos ao decidir sobre a quantidade de hectares a serem plantados. Sugiro moderação neste momento difícil”, conclui.

O produtor de soja Roildes Ribeiro Benevides também possui propriedades no sudoeste goiano. Para ele, o início desta safra foi conturbado, já que as chuvas chegaram muito cedo, mas logo cessaram, resultando em um calor intenso que levou os produtores a realizarem replantios, porém sem sucesso. Como consequência, houve uma redução na produtividade.

Roildes Benevides produz soja no sudoeste goiano l foto: Arquivo pessoal

Roildes relata que apenas na região sudoeste, a maior produtora de soja do estado, a produção foi reduzida em cerca de 20% na última safra. Ele menciona que o alto custo de produção é reflexo do aumento nos preços dos insumos durante a pandemia e devido à guerra entre Rússia e Ucrânia, somado às mudanças climáticas.

“Neste ano, literalmente todos os produtores rurais, sem exceção, tiveram prejuízos. Aqueles que não zeraram completamente ficaram no negativo. Está sendo um ano complicado, com muitas renegociações”, declara. Roildes destaca que os acordos com o Banco do Brasil representam apenas uma pequena porcentagem dos custos de uma lavoura. “Para se ter uma ideia, na nossa região, houve um recorde de pedidos de recuperação judicial de produtores que não conseguiram suportar a pressão”, pondera.

Roildes ressalta que existe um receio entre os produtores em relação à próxima safra. “Estamos observando uma falta de investimento em tecnologia, e os preços não estão respondendo de forma satisfatória. Na verdade, estamos começando uma nova safra com incertezas, pois ninguém tem certeza de que será um ano bom”, diz. O produtor destaca que, devido ao alto número de pedidos de recuperação judicial, o crédito está se tornando cada vez mais restrito. “Os financiadores estão mais cautelosos. O sentimento geral é de medo”, enfatiza.

Entretanto, Roildes destaca que, até o momento, não houve demissões no campo, pois há escassez de profissionais. Por esse motivo, os produtores não querem perder sua equipe. No entanto, ele acredita que nas empresas agrícolas podem estar ocorrendo demissões, pois se os produtores não estão comprando máquinas, insumos e veículos, a receita tende a cair, resultando em demissões.

Revista VEJA

Em relação à reportagem publicada na revista VEJA no início de maio, que retrata a vida luxuosa dos produtores do agronegócio em Goiás, tanto Roildes Ribeiro quanto José Brucceli concordam em parte e veem exageros na reportagem. Para Roildes, há um sensacionalismo na matéria. “Esta não é a realidade atual dos produtores. Concordo que o segmento ganhou muito dinheiro no passado e se estabilizou. Mas, contudo, a maré não está para peixe. As vendas de camionetes reduziram em cerca de 60%, máquinas agrícolas também reduziram. Os casos mencionados na reportagem, percebo que são pontuais e alguns nem estão diretamente ligados ao agro, mas a influenciadores e artistas”, destaca.

Para Brucceli, Goiânia está colhendo os frutos de uma organização que o povo goiano teve. Ele menciona que a reportagem mostra que, mesmo alguns goianos bem-sucedidos, optaram por permanecer morando em Goiânia. Ele ainda ressalta que muitos fazendeiros e produtores que residem em outros estados como Tocantins, Pará e Mato Grosso, por exemplo, preferem ter residência em Goiânia e compram seus automóveis no estado.

“Goiânia hoje não é apenas a capital de Goiás, ela é a capital de todo o Centro-Oeste e Norte do país. O produtor que está em Belém, o que está em Palmas, o que está no baixo Araguaia, no Mato Grosso, o que está no Xingu, quer morar onde há uma boa qualidade de vida e Goiânia se encaixa neste contexto.”

Camionete RAM é a mais cobiçada pelos produtores l Foto: Divulgação

Brucceli enfatiza ainda que muitos desses empresários escolhem Goiânia e Goiás pela segurança que o Estado oferece. “Hoje Goiânia é a capital mais segura do país, além de oferecer tudo o que o empresário deseja para sua família viver bem. Percebo que a VEJA exagerou na matéria porque ela gosta de ridicularizar o produtor rural, pois na realidade, a maioria dos citados nem são produtores rurais”, afirma.

Período de plantio em 2024

Respeitando o período de vazio sanitário, os produtores rurais goianos poderão realizar a semeadura da soja entre 25 de setembro deste ano e 2 de janeiro de 2025. É possível cadastrar as lavouras no Sistema de Defesa Agropecuária (Sidago) até 15 dias após o término do calendário de semeadura.

O que é o vazio sanitário

O vazio sanitário da soja em Goiás será mantido no período de 27 de junho a 24 de setembro. A informação foi publicada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), por meio da Portaria nº 1.111, de 13 de maio de 2024, que estabeleceu o período de vazio sanitário e o calendário de semeadura para a safra 2024/2025 em todo o território nacional.

Preparo do solo para o plantio da soja l Foto: Divulgação

Durante os 90 dias de vigência do vazio sanitário da soja, o produtor precisa manter as áreas livres da presença da tiguera da soja, bem como cumprir a determinação legislativa que proíbe o cultivo da soja nesse período.

Um dos objetivos é prevenir a ocorrência e evitar a proliferação da ferrugem asiática, já que plantas voluntárias que nascem nas áreas cultivadas após a colheita da safra podem se tornar hospedeiras do fungo causador da doença, acarretando severos danos econômicos à produção da próxima safra.

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