“Brasil se coloca na política externa como ele quer ser colocado”, avaliam especialistas sobre governo Lula

O crescimento de 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023 colocou o Brasil de volta na lista das 10 maiores economias do mundo. O país começou a ocupar a 9° posição, mas apesar da melhora econômica e social, ainda apresenta baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Com a eleição de Lula, em 2022, o Brasil retomou seu papel na geopolítica internacional. O país começou a buscar protagonismo em questões ambientais, quis retomar uma liderança em temas regionais, procurou grandes acordos comerciais e até buscou conduzir uma votação pelo cessar-fogo na Faixa de Gaza.

Logo após a eleição, a Alemanha e a Noruega anunciaram a retomada do Fundo Amazônia. Diego T. D. Magalhães, professor de Relações Internacionais da UFG, explica que o Brasil retornou a uma política externa profissional. “A política externa do governo anterior foi orientada por teorias conspiratórias e maculada pelo amadorismo”, destaca o especialista. Questionado se Lula está conseguindo atingir seus objetivos geopolíticos, Diego disse que a análise requer cautela com dois problemas.

O primeiro é o de personalizar ou partidarizar a política externa brasileira. “Em comparação ao presidente anterior, Lula parece refletir mais interesses de Estado do que os de governo. Pensar no Estado é pensar em estratégias de longo prazo, envolvendo amplos setores da sociedade”, avalia Diego. Atualmente, a política externa do Brasil reflete as ideias da comunidade brasileira de política externa, composta por diplomatas, acadêmicos, grupos empresariais e sindicatos, entre outros.

Um dos desafios é avaliar se o país está atingindo seus objetivos geopolíticos. Em áreas como meio ambiente, integração regional, acordos comerciais e conflitos no Oriente Médio, o Brasil foca em defender o que considera correto. Isso inclui pressionar países desenvolvidos a cumprir acordos ambientais, alinhar interesses sul-americanos, conseguir acordos comerciais favoráveis e promover soluções pacíficas para conflitos.

Apoena França, advogado e internacionalista, avalia que o governo Lula buscou desde o início a estratégia de ampliar o diálogo internacional e promover a reinserção do Brasil nos Fóruns Globais e na Politica Internacional. “Obteve êxito ao trazer a Conferência sobre Mudanças Climáticas – COP 30, para o Brasil, em Belém (PA), dirimindo acerca da importância do meio ambiente e as mudanças climáticas, promovendo o novo posicionamento do governo em relação ao tema”, diz Apoena.

“Entretanto não participou do Fórum Econômico em Davos por dois anos consecutivos, o que gerou certa apatia do mercado financeiro internacional”, completa o especialista. O último Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos no início do ano, contou com a presença da Ministra do Meio Ambiente Marina Silva, mas a ausência do presidente Lula e do Ministro da Economia, Fernando Haddad, desagradou às autoridades.

Segundo afirmou Carlo Pereira, CEO do Pacto Global da ONU – Rede Brasil, o Brasil perdeu a oportunidade de ser protagonista. Para Pereira, o País é o único país pronto para negociar a governança climática para o Sul Global, visto que é “amigo de todas as nações”.

Foi o que disse Aline Martins, professora de Relações Internacionais da UFG, sobre a política externa multilateralista brasileira. “O Brasil se coloca como um ator para dialogar com outros países e ser um representante importante dos países em desenvolvimento, principalmente dos países emergentes. Então ele se coloca nessa posição defendendo a reforma das instituições multilaterais, que dê mais espaço para países menos desenvolvidos, buscando uma postura mais universalista”, destaca a docente.

É um país mediano?

Uma pesquisa apresentada na matéria da Folha de São Paulo revela que, apesar dos esforços para aumentar o prestígio internacional, o Brasil ainda é visto pelas potências globais como um país sem influência significativa em questões críticas, como segurança e paz. Esse reconhecimento limitado é amplamente atribuído a problemas internos que o país enfrenta. Portanto, a recomendação é que o Brasil resolva suas questões domésticas antes de buscar maior projeção internacional.

O autor apresenta conclusões de sua pesquisa de doutorado, em que realizou 94 entrevistas com membros da comunidade de política externa para mapear a imagem internacional do Brasil. Mesmo com todo o esforço para aumentar o prestígio brasileiro, a percepção das nações mais poderosas do planeta é que o país não é suficientemente relevante para influenciar as grandes questões internacionais.

Isso vale especialmente para quando essas questões envolvem discussões sobre segurança, guerra e paz. A falta de reconhecimento para o prestígio é um reflexo, em ampla medida, de problemas internos do país, que precisam ser o foco antes de qualquer tentativa de projeção internacional.

A reportagem questionou os especialistas por que as nações mais poderosas do planeta avaliam que o Brasil não é suficientemente relevante para influenciar as grandes questões internacionais. “As grandes potências reconhecem explícita e implicitamente a relevância do Brasil como uma potência média, por isso, os posicionamentos do país não são tratados com indiferença. A influência do Brasil nas grandes questões internacionais reflete o seu poder militar e econômico”, reflete Diego Magalhães.

Diego T. D. Magalhães. Professor de Relações Internacionais da UFG. Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS | Foto: Arquivo

Para Aline Martins, o Brasil é um ator regional muito importante. “Nós não somos uma grande potência militar, nós somos uma grande potência econômica, mas temos uma grande desigualdade social e uma baixa produtividade”, explica a especialista em Relações Internacionais. Isso traz limitações para um posicionamento mais ativo, principalmente em questões geopolíticas e militares.

Já Apoena França analisa que, no que tange aos Acordos de Comércio, sejam eles Bilaterais e Multilaterais, não se vê grandes conquistas. “Alguns acordos bilaterais, como por exemplo com a União Europeia, continuam a se arrastar sem definição prática”, critica.

Para ele, Lula tentou se colocar como mediador dos conflitos internacionais, com discursos ora pela resolução pacífica dos conflitos, e em outros momentos proferindo opiniões não tão bem aceitas na comunidade internacional. “Um caminho por vezes confuso. Todavia independentemente dos objetivos do Governo frente à sua Politica Externa, o que se observa é que no Concerto das Nações a Política Internacional Brasileira adotada pelo Governo Lula tem sido de altos e baixos”, avalia Apoena França.

Problemas internos, históricos e estruturais

Apesar das limitações, o Brasil possui capacidade para influenciar grandes temas, como o meio ambiente e o combate à desigualdade social. Compreender a dinâmica das relações internacionais permite ao governo identificar oportunidades de cooperação, negociação de acordos comerciais, resolução de conflitos e busca de interesses nacionais. O Brasil é uma das principais economias da América Latina, membro do Mercosul e do Brics, além de um eterno aspirante por um assento no Conselho de Segurança da ONU. 

Ao mesmo tempo, o País apresenta altos índices de mortalidade, desnutrição, doenças, analfabetismo e criminalidade. Apesar do PIB do País ter aumentado, a renda das famílias encolheu, enquanto a inflação disparou. Em 2022, mais de 33,1 milhões de pessoas no Brasil enfrentavam a insegurança alimentar e nutricional grave.

Na educação, a pandemia causou um aumento de 171% nas taxas de evasão escolar. Na saúde, a cobertura vacinal foi alvo de preocupação durante a pandemia, sendo um dos países no mundo que mais registraram mortes por Covid-19. Na área de meio ambiente, o maior destaque foi o aumento do desmatamento na Amazônia, que chegou a 11.568 km2, cerca de 3 mil campos de futebol por dia. Os dados foram revelados pelo último Relatório Anual da ONU.

“O ano foi marcado por desastres que vitimaram e desabrigaram centenas de pessoas, como enchentes e deslizamentos de terra, e pela violência. Casos de violência policial, violência política, feminicídios, racismo e LGBTQIA-fobia ganharam destaque. Mais de 1,3 mil mulheres foram vítimas de feminicídio e 179 pessoas LGBTQIA+ foram assassinadas. No total, foram registrados no país mais de 47 mil assassinatos”, diz trecho do Relatório sobre o ano de 2022.

Para Magalhães, os problemas internos do Brasil são decisivos para o seu papel no mundo. “A ação diplomática brasileira é reconhecida internacionalmente pelo seu histórico de profissionalismo, autonomia, pragmatismo e universalismo. Nesse sentido, o grande desafio da política externa brasileira tem sido contribuir para o desenvolvimento nacional. Isso implica construir um ambiente externo pacífico e cooperativo com todos os países”, pontua o professor de RI, que também é Doutor em Estudos Estratégicos Internacionais pela UFRGS.

Para atingir as suas potencialidades, o Brasil precisa melhorar a educação, não apenas com vistas ao desenvolvimento econômico, mas também para o florescimento cultural, artístico e científico. Segundo Diego T. D. Magalhães, essa é a base para criar um ambiente seguro, com oportunidades, qualidade de vida e respeito à natureza.

O advogado internacionalista Apoena França avalia que custa caro ao Brasil a falta de preservação e uma política correta no meio ambiente, principalmente em relação a Amazônia. “Outro tema por vezes questionado é o problema de segurança pública, bem como o problema com o tráfico de drogas e organizações criminosas. Além disso refletem muito mal as práticas de corrupção e desigualdade social. Ou seja, um conjunto de problemas internos, fazendo com que o país seja por vezes questionado frente a organismos internacionais e até mesmo pelos chefes de variadas nações”, explica.

Como o protagonismo internacional se dá aos países membros efetivos do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil acaba restrito.

Guerras em Gaza e na Ucrânia

Uma pesquisa Genial/Quaest, divulgada em março, mostra que 60% dos brasileiros acham que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) “exagerou” ao comparar a atuação de Israel na Faixa de Gaza ao extermínio de judeus promovido por Adolf Hitler na Alemanha nazista. Com a repercussão da fala, Lula veio a público novamente e reafirmou o que havia dito.

“O que está acontecendo em Israel é um genocídio. São milhares de crianças mortas, milhares desaparecidas. E não está morrendo soldado, estão morrendo mulheres e crianças dentro de hospital. Se isso não é genocídio, eu não sei o que é genocídio”, disse o presidente.

“Os discursos e posicionamentos firmes podem gerar um efeito mais positivo ou mais negativo para a imagem do país”, questionou o Jornal Opção aos especialistas ouvidos na reportagem.

Diego T. D. Magalhães: A postura brasileira em relação ao conflito em Gaza difere da postura em relação à guerra entre Rússia e Ucrânia devido às enormes diferenças entre ambas as questões. As posturas brasileiras têm sido mais razoáveis do que as dos EUA e de muitos países europeus, basicamente porque o Brasil não defendeu, financiou, treinou ou armou beligerantes, preferindo insistir em soluções pacíficas.

Discursos e posicionamentos firmes geram efeitos à imagem do país tanto no curto quanto no médio prazo. O caminho mais fácil é calar-se, mas o Brasil é grande demais para permanecer inerte. No caso de Gaza, o discurso de Lula gerou muita polêmica com o foco na impossível tarefa de “calibrar” a fala. O ponto essencial é refletir sobre o lado certo da História. A violência em larga escala que o Estado de Israel tem aplicado indistintamente contra o grupo terrorista Hamas e a população palestina foi o que levou à discussão sobre se isso configura genocídio. Diante tisso, a preocupação brasileira com a ocorrência de um grave crime contra a Humanidade é coerente com a tradição diplomática do país e com a imagem positiva que o Brasil deseja manter.

Apoena França: Lula acerta quando faz a defesa pela Paz, mas certos comentários fora do script do Itamaraty, geraram questionamentos e reações na comunidade internacional nem sempre favoráveis à nossa política externa.

Vale ressaltar que os discursos e posicionamentos do Brasil têm pouca relevância, visto que não somos considerados um ator de peso no cenário internacional.

Aline Martins: A fala de Lula foi em contexto muito específico. Ele estava na África, na Etiópia, então ele estava falando para o Sul Global. Essa posição crítica a Israel é uma crítica que vem de grande parte do Sul Global, não é a crítica inicial da Europa e dos Estados Unidos. Muito embora a gente já tenha visto uma mudança nesse sentido com prolongamento desse conflito. Foi um um um discurso que trouxe um grande boom ali, uma grande crítica aos países centrais, mas que trouxe à tona questões muito relevantes desse conflito, de ser um conflito desigual, que de fato ocorre muitas mortes.

O Brasil se coloca na política externa e nas relações internacionais como ele quer ser colocado, como esse ator que traz à tona questões ou pontos de vistas que não são inicialmente bem vistos pelas elites globais, especialmente a Europa, União Europeia e os Estados Unidos. Isso tem a ver com o Brasil se colocar como um ator independente, neutro nas relações internacionais, mas que se coloca firmemente em temas tão sensíveis e que podem trazer grandes desconfortos entre as potências globais. Foi um ato de coragem do Lula. Agora com o conflito ainda continuando a gente vê a catástrofe humanitária que está acontecendo ali na região de Gaza.

Docente em Relações Internacionais da Universidade Federal de Goiás e Doutora em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) | Foto: Arquivo

Papel do Brasil em uma guerra nuclear

Em ofensiva da Ucrânia, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ordenou que seus comandantes militares colocassem suas “forças de dissuasão” – que incluem armas nucleares – em um “modo especial de dever de combate”. Posteriormente, o líder russo disse outros países interferissem nos planos da Rússia, eles enfrentariam consequências do “tipo que eles nunca viram”.

Em um cenário de possível guerra nuclear, qual deve ser o posicionamento do Brasil? Deve se aliar às grandes potências ou permanecer neutro?

O professor de Relações Internacionais Diego T. D. Magalhães afirma que a diplomacia brasileira não considera a neutralidade como um objetivo em si, lembrando que o país entrou na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Desde então, a postura neutra geralmente esteve relacionada à busca proativa por soluções pacíficas via Organização das Nações Unidas (ONU). “Uma solução para uma paz duradoura de outro modo é irrealista”, explica Magalhães.

Uma guerra nuclear pode ter vários cenários. No pior deles, uma guerra nuclear entre grandes potências implicaria a eclosão de centenas de armas nucleares e a morte bilhões de pessoas, desde pessoas nos países beligerantes até aquelas que sofrerão as consequências de um inverno nuclear e das aceleradas mudanças climáticas.

“Conviria ao Brasil, nesta ordem, fortalecer o papel da ONU como mediadora do conflito, liderar a região em prol da neutralidade, desenvolver as suas capacidades militares (incluindo o poder nuclear), revisar o Tratado de Não-Proliferação Nuclear e criar condições para a sobrevivência humana”, sugere Diego sobre a participação do Brasil no conflito.

Em relação a Guerra na Ucrânia, que já ultrapassa dois anos de duração, os governos ocidentais têm sido cuidadosos para não aumentar a tensão, seja na retórica ou em suas ações. O Tribunal Penal Internacional (TPI) confirmou nesta segunda-feira, 20, que está buscando mandados de prisão contra líderes israelenses e do Hamas – incluindo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu – por supostos crimes de guerra cometidos em 7 de outubro e durante a guerra em Gaza.

Isso acirra ainda mais os ânimos internacionais. Enquanto a imprensa e o mundo aguardam uma guerra em grande escala entre Irã e Israel, e se preocupam até com uma escalada nuclear, uma das grandes realidades da guerra moderna está sendo ignorada: o genocídio na Faixa de Gaza. No Oriente Médio, os EUA, a Turquia, o Iraque e até o Irã têm pontos de apoio na Síria, enquanto sua guerra civil interna continua.

O que sabemos é que dez países estiverem envolvidos em ataques aéreos contra alvos hutis no Iêmen, incluindo EUA, Reino Unido, Austrália, Bahrein, Canadá, Dinamarca, Alemanha, Países Baixos, Nova Zelândia, e Coreia do Sul.

Aline Martins analisa que, apesar dos posicionamentos firmes perante a guerra, o Brasil não tem histórico de alianças ofensivas. O Brasil é signatário do tratado de não proliferação de armas nucleares, além de ter assinado o tratado sobre a proibição de armas nucleares.

Em caso de conflito nuclear, ela acredita que posição do Brasil seria neutra ou teria capacidade para desenvolver a sua própria arma nuclear. “O Brasil tem capacidade tecnológica para construir um armamento nuclear e militar”, afirma Aline Martins.

O Brasil promulgou em sua Constituição Federal, os princípios que regem a suas relações internacionais, princípios estes como:

  • independência nacional;
  • prevalência dos direitos humanos;
  • autodeterminação dos povos;
  • não-intervenção;
  • igualdade entre os Estados;
  • defesa da paz;
  • solução pacífica dos conflitos;
  • repúdio ao terrorismo e ao racismo;
  • cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
  • concessão de asilo político.

Em todos estes princípios fica evidente a posição do Brasil de promover as relações internacionais atuando em defesa e promoção da paz. “Acredito que o posicionamento do Brasil será pela defesa da paz, associada a um discurso anti  proliferação de armas nucleares, buscando a solução pacífica de conflitos”, avalia Apoena França.

Apoena França, Advogado, Internacionalista e Coordenador do Curso de Diplomacia Corporativa e Compliance da PUC Goiás | Foto: Arquivo

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