Luxo do lixo: Comurg é rentável e ineficiente ao mesmo tempo?

A Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg) foi criada pela Lei Municipal nº 4.915, de 21 de outubro de 1974, mas só começou a funcionar efetivamente no início de 1979. Inicialmente pensada para urbanizar a cidade, a Comurg é uma das instituições mais presentes no dia a dia da população, por executar ações que refletem diretamente na vida das pessoas. A companhia é responsável pela limpeza, jardinagem, coleta de lixo, construção e manutenção de praças e de logradouros públicos, entre outras tarefas.

Entretanto, a empresa, que é de economia mista e tem o capital majoritário sob responsabilidade da Prefeitura de Goiânia, ano após ano passa por dificuldades administrativas. A mais recente foi a crise na coleta de lixo, com localidades chegando a relatar quase um mês no atraso da coleta. Mas, se não falta verba, qual o porquê de tanta dificuldade?

A reportagem do Jornal Opção conversou com um experiente servidor da Comurg, que pediu anonimato para permitir a divulgação das informações. Segundo ele, o principal problema atualmente é o remanejamento de funcionários para outros locais de trabalho, a pedido de políticos influentes dentro da companhia. Ele afirma que cerca da metade dos efetivos da Comurg está em outros postos de trabalho, emprestados para realizar funções diferentes daquelas para quais foram contratados. Na gestão de Rogério Cruz (Republicanos), segundo a mesma pessoa, a situação se agravou.

“Sempre houve essa influência política dentro da Comurg, mas na gestão de Rogério Cruz isso foi ainda mais facilitado. Se alguém vai ao gabinete de um vereador e diz “não aguento mais varrer”, logo pedem que o prefeito faça o empréstimo desse servidor para outras áreas que não seria a varrição, por exemplo. O vereador pede um lugar na Educação, na Saúde, na Semas [Secretaria Municipal de Desenvolvimento Humano e Social], no Imas [Instituto de Assistência à Saúde e Social dos Servidores Municipais], no IPSM [Instituto de Previdência dos Servidores do Município de Goiânia], o prefeito atende e assim vai. Cada vereador que apoia o prefeito tem direito a seis, sete funcionários por conta da Prefeitura. Como a Comurg tem muita influência de políticos, é comum encontrar servidores na Câmara alocados em gabinetes de vereadores”, relata.

Segundo o servidor, atualmente a Comurg tem cerca de 7,8 mil funcionários, dos quais apenas cerca de 800 são comissionados. Cerca de 4 mil – mais de 50% dos efetivos – estão “emprestados” para outros locais, o que gera a falta de mão de obra e, principalmente, uma enxurrada de processos trabalhistas pedido equiparação salarial. “Muitos órgãos só funcionam com funcionários da Comurg. A Seinfra inteira só tem funcionários da Comurg, apenas oito são da Seinfra. No Imas, IPSM, até na SMM [Secretaria Municipal de Mobilidade], pintando ruas, sinalizando, mexendo nos semáforos, são servidores da Comurg”, revela.

Servidores da Comurg em Cmeis de Goiânia | Foto: Reprodução

“Para se contratar para a Prefeitura e o Estado, é necessário fazer concurso público. Na Comurg, por se tratar de uma empresa, não. Com isso, contrataram pessoas para diversas secretarias do município e do Estado via Comurg. Tem gente no Tribunal de Justiça, na Saneago, no Ipasgo e principalmente nas secretarias da Prefeitura. São pessoas que são contratadas pela Comurg para trabalhar nesse órgãos e que nunca nem pisaram dentro da Comurg. A companhia empresta aleatoriamente, empréstimos por indicação política, e ganhando mais para fazer funções em que outras pessoas ganham bem menos”, afirmou.

“As pessoas iam trabalhar recebendo mais nesses outros órgãos e os que observavam os colegas com salário maior, mas exercendo a mesma função, começaram a mover ações de equiparação salarial contra a Comurg. Começava ai um dos maiores gargalos da Comurg, as ações trabalhistas. O pessoal ia emprestado, descobriam que tinham direitos a um bônus por produtividade, por exemplo, e com isso vinham as ações. A Comurg então começou a pagar fortunas trabalhistas – e paga até hoje – valores de cerca de R$ 1 milhão por mês, apenas de ações trabalhistas, algo que nunca termina, pois todo mês se incluem novas ações. Se pela Comurg ele ganhava um salário de R$ 2 mil, o TJ [Tribunal de Justiça] pagava R$ 7 mil. Então, quando ele volta para a Comurg, ele continua recebendo os R$ 7 mil”, revela.

Forças políticas

Questionado sobre quem seriam as principais influências políticas, responsáveis pelas indicações dentro da Comurg, o servidor apontou o deputado estadual Clécio Alves (Republicanos) e o vereador Izídio Alves (MDB).

“Atualmente os políticos que mais têm influência dentro da Comurg são o deputado Clécio Alves e o vereador Izídio Alves. Existem outros que exercem uma pequena força, mas basicamente são Clécio e Izídio. Eles sempre foram as maiores forças, os donos das maiores diretorias. O Clécio foi para a Assembleia e cresceu mais ainda. Nesta gestão, o Clécio já havia combinado com o prefeito que ele ficaria com a maior parte da Comurg: presidência, diretoria de infraestrutura e parte da diretoria de limpeza urbana”, afirmou.

Questionado se o pessoal estivesse nas suas próprias funções a operacionalidade da Comurg seria melhor, o servidor acredita que apenas alguns serviços poderia ser otimizados, mas não seria a solução do problema. “Não resolveria, mas poderia ajudar a parte das podas, por exemplo, principalmente as que estão sendo feitas sem a rede de proteção, que o presidente alegou falta de pessoal. Nessa questão, acredito que teríamos o problema resolvido se o pessoal estivesse em seus devidos postos de trabalho e não emprestados”.

Altos salários

Tradicionalmente, a Comurg tem o histórico de pagar muito bem seus funcionários. Entretanto, muitos servidores reclamam da precariedade das condições de trabalho. Segundo o servidor, os altos salários pagos pela companhia também são reflexo de força política.

“A Comurg sempre teve bons salários, o que não dá para voltar atrás, devido a irretroatibilidade de salários que é prevista na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho]. Eles melhoram muito a questão financeira dos servidores, acho que até exageradamente, mas por uma questão política. Um varredor, auxiliar de serviços gerais, por exemplo, que no Brasil ganha em média um salário mínimo, na Comurg ganha R$ 3 mil. Tem coletores que chegam a ganhar quase R$ 8 mil, incluindo taxas, adicionais e horas extras. Sem contar servidores que já têm gratificação incorporada e outros benefícios já conquistaram”, afirmou.

Crise do lixo

O prefeito Rogério Cruz anunciou que a Secretaria de Infraestrutura (Seinfra) faria uma licitação emergencial visando contratar empresa para fazer a coleta, o transporte, a operação e o transbordo de resíduos sólidos e a supressão desses serviços e de seus respectivos valores do contrato da Prefeitura com a Comurg. Segundo o servidor, é possível perceber uma “sucatização proposital” dos serviços e uma tendência de apresentar a terceirização como solução do problema.

Caminhão de coleta de lixo da Comurg transita por avenida da cidade | Foto: Reprodução

“Nunca houve na história da Comurg uma crise na coleta deste tamanho. Todos os indícios levam a crer que esse sucateamento foi proposital. Eles alegavam falta de combustível para os caminhões, mas nunca faltou para os carros usados pelos diretores. O que se observa é que, internamente, muitos trabalharam para terceirizar a coleta. Não posso afirmar com certeza, pois não há provas, mas muitos indícios apontam para isso. A crise do lixo foi criada para forçar a terceirização, que está sendo vendida como a solução para a coleta, o que não é verdade”, relata.

Segundo ele, a terceirização da coleta foi uma oportunidade que foi observada pelos grandes diretores, e com isso houve o sucateamento. Ele afirma ainda que há um pânico crescente entre alguns servidores que estão com receio de perder vencimentos e até mesmo, o emprego.

“Essa terceirização causou um pânico geral entre servidores que estão lotados nas coletas e na varrição central. Por quê? Porque eles já tinham um padrão de vida, conquistaram o padrão de vida no trabalho e eles já sabem que eles vão perder parte desse dinheiro, sem contar o risco de serem mandados embora. Até o procurador-geral do município falou que vai ter de cortar pessoal, que vai ter de fazer algumas dispensas. Quem realizou a terceirização foi a Seinfra, não a Comurg, então tem muita gente preocupada com essa situação. A terceirização vai chegar e não há a garantia de que eles vão receber, o que não vai resolver o problema”, relata o servidor.

Por que é tão rentável?

Ainda segundo o servidor, a característica de ser uma empresa público-privada, faz com que a Comurg seja o lugar ideal para se alocar penduricalhos políticos. A falta de fiscalização e controle dos gastos cria oportunidades para indicações políticas, sem respeitar os critérios técnicos necessários para os cargos.

“A Comurg é um lugar, devido a sua condição de empresa público-privada, onde os gastos não são tão fiscalizados. Por exemplo, você nomeia alguém e não precisa publicar no Diário Oficial, por se tratar de um empresa. As diretorias são basicamente todas ocupadas por indicações políticas. Desde que o departamento de transportes virou diretoria, as pessoas que ocupam os cargos são indicações políticas, sendo que muitas vezes não são observados critérios técnicos de administração” disse.

Ele explica que departamentos na Comurg são equivalentes a superintendências na Prefeitura. Uma diretoria é equivalente a uma secretaria, seus responsáveis recebem como secretários e têm funções e obrigações a cumprir. Então, quando um diretor assume apenas por questão de indicação política, toda uma cadeia operacional fica prejudicada por incompetência do gestor, que não conhece a estrutura da Comurg.

Funcionários se reúnem no pátio da sede da Comurg durante expediente | Foto: Jornal Opção

“Isso é muito utilizado pelos políticos para recompensar quem os ajuda durante as campanhas. Indicar apadrinhados na Comurg é mais fácil, você é prestigiado como secretário, recebe como secretário e tem menos trabalho e responsabilidades do que um secretário. Há falta de transparência com os pagamentos e nomeações, salários muito acima do mercado de trabalho, atuações políticas, empréstimos, realocações, desvios de funções. Essa bola de neve faz com que os serviços da Comurg fiquem muito prejudicados”, relatou.

Como melhorar?

Por fim, o servidor afirmou que não acredita que a terceirização de serviços seja a solução, que o caminho para o bom funcionamento da Comurg passa pela valorização dos servidores, pelo plano de carreira para se chegar a uma diretoria e principalmente, que as indicações políticas sigam critérios técnicos, e não apenas políticos.

“As indicações para diretorias deveriam ser feitas a pessoas que já estão na Comurg, que têm experiência administrativa e operacional, e não a esmo, por indicações políticas. O critério técnico só é observado em algumas diretorias; em muitos casos, as pessoas não estão preparadas para os cargos. Muitos não sabem quanto tempo leva um caminhão para realizar a coleta de um trecho, quantos servidores são necessários, quantos quilos um caminhão de coleta suporta. São coisas de que quem está no cargo precisa ter conhecimento”, afirmou.

“Acredito na reestruturação da Comurg, principalmente do servidor, e não na terceirização. A terceirização vai ser importante nesse primeiro momento, onde o prefeito precisa apresentar uma “solução” para a crise da coleta do lixo, mas não é o caminho. Funcionários de carreira se sentem desmotivados ao verem políticos em cargos de maior relevância, com salários muito maiores e que trabalham bem menos. Quem enxerga a Comurg como oportunidade de dinheiro fácil são as indicações de políticos, sobretudo nas diretorias, e não os servidores. São negócios e os interesses político-eleitorais que movem a Comurg. Isso, definitivamente, precisa acabar”.

A Comurg foi instituída com a finalidade legal de executar os serviços de limpeza urbana em forma de concessão e de realizar investimentos dos programas de equipamento urbano e de infraestrutura, estudos e projetos vinculados aos referidos programas e, assim, aplicar seus próprios recursos nas mesmas finalidades, ou em atividades relacionadas com o desenvolvimento urbano da cidade de Goiânia. É uma empresa essencial para a cidade de Goiânia que não merece ser extinta, pelo contrário, precisa ser mais bem gerida para atingir seus objetivos primários.

Posicionamentos

A reportagem do Jornal Opção entrou em contato com os parlamentares citados para entender melhor a questão. O deputado estadual Clécio Alves e o vereador Izídio Alves não atenderam / não responderam os contatos. A assessoria de imprensa da Comurg informou por nota que “atualmente 1.300 servidores estão disponíveis com ônus para outras secretarias”, mas não comentou acerca das influências políticas. A assessoria da Prefeitura de Goiânia não atendeu / não respondeu os contatos. O espaço segue aberto para os devidos posicionamentos.

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