O chupim é um pássaro malandro: não choca seus próprios ovos

A eleição a prefeito de São Paulo segue entre cadeirada e lacrações. Minha crônica não será sobre isso. Até porque já falei das baixarias que vêm acontecendo por lá, num texto publicado recentemente neste mesmo espaço. Até o capiroto (justamente ele, que é senhor das trevas e de todos os males) anda embasbacado com a balbúrdia eleitoral na marioandradina Pauliceia Desvairada. Nesta segunda-feira, a cadeirada do José Luiz Datena em Pablo Marçal durante de(bate) na TV Cultura no domingo foi assunto que rolou entre meus colegas de trabalho. Aliás cadeirada rendeu memes e mais memes. Se tivesse saído sangue, Marçal sairia muito no lucro como ocorreu no episódio da famosa facada em 2018.

Os dois senhores estão numa busca desesperada pela posse do Palácio do Anhangabaú. As opiniões dos meus colegas iam de “Datena estava descontrolado” a “Marçal exagerou nas provocações e mereceu a cadeirada”. Cada um com sua opinião conforme sua predileção entre os dois gladiadores. Gostei do escárnio trocadilhista do meu amigo humorista Antero Ganimedes: “Datena mostrou que a cadeira, além de objeto para descanso, serve também para ‘sentar’ no adversário”. Estou pensando em andar com uma cadeira… Para Antero, Marçal é um Macunaíma moderno, seu heroísmo é sustentado por vento. Ele não tem lastro histórico de um homem de sucesso em cujo currículo consta muita labuta, muita ralação. Há páginas coladas em sua história.

“Datena em cena da cadeirada em Marçal no debate da TV Cultura | Foto: Reprodução

Vamos ao chupim, o pássaro malandro, que é assunto melhor. Por que malandro? Pelo fato de ele, em vez de chocar os próprios ovos, transfere a responsabilidade para outras espécies de aves e some no mundo. Isso é um comportamento característico espécie. O que também ocorre com outras aves brasileiras. Ao todo são sete espécies. Quando os ovos são depositados em ninhos de aves do mesmo tamanho do chupim, os pais adotivos não têm dificuldades em tratar dos filhos alheios (que eles não sabem que não são seus). Eu já vi sabiá-poca e sabiá-do-campo tratando de um filhote de chupim numa boa, sem muito sacrifício, no entanto já presenciei também um pequenino canário-da-mata penando na tarefa de alimentação, visto que não tem altura suficiente para regurgitar a comida no bico do filhotão.

Essa cena do canário-da-mata aconteceu dentro do Bosque dos Buritis, parque que visito constantemente. Porém, em minha última visita, fiquei triste: um bituca de cigarro destruiu o bambuzal cujo farfalhar eu gosto muito de ouvir. O jeito agora que a chuva (sêmen bendito que escorre do céu) para novos brotos surjam e o bambuzal volte a existir como era e de novo. Depois disso, nunca mais ouvi o canto do canário-da-mata por lá. Fotografá-lo é coisa difícil, pois é inquieto. Em trinta anos de observação de pássaros, só consegui dois registros da espécie. A outra foi em São Manoel de Baixo, distrito de Correntina, Bahia. De Correntina, eu trouxe muitos pássaros em meu embornal virtual. Foi lá que registrei o meu primeiro sofrê, ave também conhecida como corrupião. Além da linda plumagem, seu canto empata com a beleza da plumagem. Um foi dado de presente ao poeta chileno Pablo Neruda quando ele esteve em Goiânia em 1954 participando do 1º Encontro de Intelectuais de Goiás. A ave acabou morrendo, e o poeta fez então o poema “Ode ao Pássaro Sofrê”.

Voltando ao chupim, na manhã do domingo, pude registrar uma cena rara, que me deixou muito contente. Eu estava numa pousada nos arredores da cidade de Goiás. Vi uma sabiá-poca em seu ninho dentro de uma área da pousada, perto de uma câmera de segurança. O sabiá saiu do ninho, veio, então, um intruso: um chupim fêmea. Ela ficou observando o ninho um pouco distante até que resolveu ir até ele. Não cheguei a constatar se realmente ela botou seus ovos, mas a cena não desmente que o propósito era este.

Conheço um homem que morre de amores por sabiás. Em sua chácara, há muitos laranjeiras (ave símbolo do Brasil). Quando chega agosto, os machos começam a cantar para seduzir as fêmeas, e, em setembro, dão início ao processo reprodutivo. Esse homem fica atento aos chupins para evitar que os sabiás, em vez de criarem sabiás, criem e chupins. Ele me disse que marca cerrado, pois não suportaria viver em sua chácara sem o canto dos sabiás.

Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza

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