Farmacêutica repete no Brasil estratégias de marketing que causou mais de 500 mil mortes por opioides nos EUA

A gigante farmacêutica Mundipharma comemorou com uma grande festa os resultados nas vendas de medicamentos à base de opioides, substâncias que, nos Estados Unidos, foram responsáveis pela morte de mais de 500 mil pessoas. Na festa, as salas tinham em suas paredes cartazes exibindo o slogan “Construindo um futuro com precisão”. A frase é considerada uma autocrítica da empresa por não ter explicitado os riscos do uso da oxicodona, seu principal produto, que causou uma crise de saúde pública nos EUA.

O caso da Mundipharma foi revelado na investigação jornalística Mundo da Dor, feita pelo portal Metrópoles e mais 10 veículos, incluindo The Examination e a revista alemã Der Spiegel. A investigação afirma que o slogan esteja mais para uma peça de marketing do que para uma mudança da conduta da empresa.

A apuração aponta que a Mundipharma repete no Brasil táticas utilizadas nos Estados Unidos na década de 1990 e início dos anos 2000. O laboratório afirma que a oxicodona de liberação prolongada não causa dependência, o que é desmentido pela ciência. Além disso, a farmacêutica minimiza a possibilidade de uma crise como a que ocorre nos Estados Unidos possa acontecer no Brasil, o que também é contestado.

A empresa faz eventos sobre o uso dos medicamentos a base de opioides sob a justificativa de buscar a formação e educação para o uso dos fármacos. A promoção desses medicamentos é feita por médicos. Porém, a empresa teria total controle sobre o que esses profissionais falam das substâncias.

A empresa é conhecida no mundo todo por fazer a distribuição de remédios da Purdue Pharma, empresa que assumiu a culpa pela morte de mais de 500 mil pessoas nos Estados Unidos. Essas foram provocadas por overdose causadas justamente por opioides. A Oxicodona é o principal produto da empresa e tem um efeito 150% maior que a morfina, além do alto risco de dependência.

Nos 10 primeiros anos após o lançamento do OxyContin, medicamento que contem o opioide, cerca de 90 mil pessoas morreram nos Estados Unidos por overdose. Os dados são do Centro de Controle e Prevenção de Doenças americano.

A Mundipharma chegou ao Brasil em 2013. Um ano depois, a Purdue foi alvo de diversos processos nos EUA por conta do OxyContin. O objetivo principal da farmacêutica no Brasil era a entrada do medicamento no país. Já em 2013, a Mundipharma entrou com pedido de regulamentação do reme´dio na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a aprovação só aconteceu três anos depois, em julho de 2016. Já em 2016, o OxyContin fez com que o número de medicamentos a base da oxicodona crescesse 13,5% no Brasil.

Recentemente, o laboratório conseguiu regulamentar o Targin, o que fez com que houvesse um retorno à promoção da oxicodona. O novo medicamento possui, também, naloxona em sua composição. A naloxona funciona como um antídoto para reações adversas da oxicodona, como a constipação.

Outro efeito colateral citado na bula é a dependência. A Mundipharma disse que a ssociação da naloxona faz com que o Targin seja seguro. Porém, segundo o pesquisador sênior da FioCruz Francisco Inácio Bastos, a afirmação é falsa. Ele afirma que a associação das substâncias não faz com que o remédio seja seguro contra a dependência.

O Targin é um medicamento de liberação lenta na corrente sanguínea. O desbloqueio controlado da substância não causa pico no sistema nervoso central, o que está ligado com a dependência. O gerente de Acesso da Mundipharma, Walter Almeida, afirmou, ao Metrópoles, que o mesmo OxyContin comercializado no início da década de 1990 nos Estados Unidos nunca chegou a ser vendido no Brasil. “O Oxycontin de liberação rápida, que causou o problema nos Estados Unidos, nunca chegou ao Brasil. O que a gente trouxe para cá já era de liberação controlada”, disse.

Porém, um estudo do Departamento de Prestação de Contas do governo dos Estados Unidos afirma que o OxyContin de liberação controlada, aprovado em 1995, foi apontado como o causador da crise dos opioides. A farmacêutica utilizava o argumento de que a dispersão lenta no sangue mitigaria a dependência da substância. No Brasil, com a aprovação da licença do Targin, o OxyContin passou a ser vendido apenas para uso hospitalar.

“Essa característica [liberação controlada] pode ter tornado o OxyContin um alvo atraente para abuso e desvio, segundo o DEA [Departamento Antidrogas dos EUA]. Funcionários da FDA [Food and Drug Administration, agência sanitária dos EUA] pensaram que o recurso de liberação controlada tornaria a droga menos atraente para os usuários. No entanto, a FDA não percebeu que o medicamento poderia ser dissolvido em água e injetado, o que reverte as características de liberação controlada e cria uma sensação imediata de euforia, aumentando, assim, o potencial de abuso”, diz o estudo do Departamento de Prestação de Contas do governo dos Estados Unidos.

De acordo com a psiquiatra Mariana Campello, do ambulatório de dependência em opioides do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), mesmo com a liberação controlada, ambos medicamentos causam abstunência no paciente. Segundo a médica, a oxicodona é a terceira substância mais presente entre os dependentes químicos do ambulatório. A primeira é a morfina, e a segunda é a fentanila.

Em resposta ao Metrópoles, a Mundipharma disse que os produtos da empresa “não devem desempenhar um papel importante em qualquer abuso de opioides prescritos no Brasil”. De acordo com a farmacêutica, o OxyContin presente no Brasil é do tipo “ADF [Abuse-Deterrent Formulations]”. Isso significa que o uso abusivo é mais difícil devido a uma resina que dificulta o medicamento de ser esfarelado. O Targin, entretanto, não tem a mesma formulação e pode ser macerado.

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