A morte de Nelito Fagundes, um homem bom, gentil e solidário… era servidor do Fisco

O casal Joca (João) e Margarida Fagundes teve sete filhos: Anastácio (Zinho), Antônio (Zico), Frutuosa (Zinha), Josefa (Zefinha), Nair (Sinhá), Nelito e Tomás. Os dois criaram Jaime e Benedito, portanto, “filhos de criação” como se dizia, também meus tios.

A caçula da família, a professora Zinha (minha mãe), morreu no dia 4 de dezembro de 2023, aos 87 anos — vencida pelo Alzheimer, pelo Parkinson e pelo diabetes. Era de uma resistência impressionante e viveu anos sobre os cuidados de minha irmã Eliane — uma pessoa de paciência e bondade infinitas. Das mulheres, era a última das moicanas.

Tomás foi o primeiro a morrer, depois seguiram Sinhá (com quem convivi muito na infância — e posso dizer que a amava, como se fosse minha mãe. Assim como amava meu avô-substituto, Pedro Martins), Anastácio, Zefinha e Zico.

Dos irmãos, restaram, por um bom tempo, Zico (fez hemodiálise por vários anos), Zinha e Nelito. Três resistentes, digamos assim.

Último dos moicanos de todos os irmãos, Nelito Fagundes Furtado morreu na quarta-feira, 28, em Porangatu, aos 94 anos. Será enterrado na quinta-feira, 29, na mesma cidade.

No velório de Zinha, fiquei observando, por alguns minutos, meu tio Nelito, de quem eu gostava muito, mas não sei se, alguma vez, disse isto a ele.

Numa cadeira de rodas, praticamente cego, ficou o tempo inteiro ao lado do corpo de minha mãe. Chorou, estava triste. Sobretudo, estava lá, solidário, companheiro. Ele e Zinha tinham uma identidade profunda. De alguma maneira, à sua maneira, Nelito a protegia. Era, por assim dizer, um segundo pai. Minha mãe chegou a morar em sua casa, sob a proteção dele e de sua mulher, Clotilde.

Depois do enterro, voltei ao Hotel Wembley, do amigo Carlos Rosemberg, tomei um banho e, buscado pelo primo José Nelcides, fui jantar na casa dos tios Nelito Clotilde. Ele falou um pouco sobre os pais, Joca e Margarida, e Zinha. Falou da irmã com carinho, como se ela estivesse viva, com os verbos no presente.

Nelito e Clotilde, mestres na arte de receber com o máximo de cordialidade, trataram os filhos de Zinha e Raul (que morreu no dia 4 de dezembro de 2011 — a data 4 de dezembro une o casal pela morte… e estão enterrados no mesmo túmulo, acompanhados das cinzas de Eliana, que morreu nos Estados Unidos) — Eliane, Euler, Raul e Érika — muito bem. E contaram histórias da família. Clotilde, a enciclopédia viva da família, nos mostrou uma fotografia na qual aparecem juntos Joca e Margarida, meus avós maternos. Os dois parecem posar, circunspectos, para a história.

Lúcido, com seu bom humor habitual, Nelito estava triste — havia perdido a irmã, que, por ser a caçula e sete anos mais nova, era quase uma filha. Zilmar, filho de Tomás, é um piadista nato, mas estava relativamente contido. Mas, vez ou outra, contava uma história interessante — e meu tio às vezes levantava a cabeça e ria um pouco. A tristeza precisa de um riso, aqui e ali, para ser menos dolorosa. É a possibilidade de rir, inclusive do trágico, que leva o indivíduo a persistir pelo sendeiro da vida.

Nelito Fagundes Furtado e Zinha Fagundes Belém: irmãos e os últimos dos moicanos dos filhos do casal João e Margarida Fagundes | Foto: Euler de França Belém/Jornal Opção

Pois agora não teremos mais a presença alegre — uma força da natureza — do tio Nelito, um homem, acima de tudo, bom, gentil, com certa doçura no porte. Nunca me pareceu um idoso. Havia um quê de menino eterno na sua fala sempre temperada pelo bom humor, pela graça. O corpo era velho, mas a alma, digamos, permaneceu jovem.

Católico, tio Nelito não um cristão de araque. Era um cristão verdadeiro. Era solidário, ou seja, um cristão praticamente como sugere o extraordinário papa Francisco — o religioso que quer mais atualizar do que mudar o Império de 2 mil anos que dirige com sabedoria e paciência. A história da Igreja Católica em Porangatu, a capital do Norte goiano, se confunde com a história de Nelito e Clotilde. As duas histórias são altamente conectadas; na prática, uma só. Pode se resumir o casal assim: pessoas do bem e de bem.

Com problemas de saúde, alguns graves, Nelito nunca esmoreceu (nos últimos tempos, dada a cegueira, não gostava de ficar sozinho no quarto). Porque, assim como amava os santos da Igreja Católica e homens e mulheres de boa vontade, apreciava viver. Adorava a vida, estar vivo, alimentar-se bem, conversar com os amigos.

Vivi 18 dos meus 62 anos em Porangatu. E guardei, desde sempre, uma imagem positiva dos tios Nelito e Clotilde (com quem aprecio conversar, notadamente por causa de sua memória estupenda e sua capacidade de avaliar pessoas e fatos de maneira objetiva, nuançada e lógica. Sinto que tem vocação para historiadora).

Quando criança, frequentei a fazenda de Nelito e Clotilde (Eliane sempre ficava lá e eu, nas férias ficava com tinha Sinhá e tio Tiago, pessoas que me fizeram felizes na infância. Lembro-me, até em sonhos, de como era alegre na Fazenda Galheiros, na companhia dos primos queridos Tereza, Marlene, Adão, Marli, Maria das Graças, Antônio, Ana e Arlindo. Eu e Arlindo entregávamos leite em várias casas de Porangatu. Usávamos uma carroça para nos deslocar da fazenda para a cidade, entre as décadas de 1960 e 1970). Tomava banho no açude, andava a cavalo e brincava. Por vezes, acompanhei o tio, com alguns de seus filhos, além do tio Joviano (que se encarregava da comida e, como ninguém é de ferro, das bebidas), em pescarias em rios, como o Santa Tereza. Nelito sempre me parecia satisfeito com a vida, apreciava ouvir as histórias de Joviano (um fabulista nato) e, depois, recontá-las.

Funcionário do Fisco estadual, Nelito estava aposentado havia vários anos. Mas, enquanto pôde, não se aquietava. Vendeu uma fazenda, adquiriu outra. Apreciava ter um pedacinho de terra, para descansar da vida atribulada das cidades. Nunca quis ser latifundiário ou um grande criador de gado. Queria, isto sim, um pedacinho de terra para se refugiar no campo, conviver um pouco mais com a natureza e, quem sabe, pôr o pé no chão.

O homem que morreu nesta quarta deixa-nos, e não apenas aos filhos, o legado de uma história positiva. Era um cavalheiro. Foi pai, amigo e conselheiro de Jacira, José Nelcides, Juslene, Giovanni, Paulo (um dos meus melhores amigos na infância e adolescência) e Nelitinho.

Há poucos dias, faleceu Luzia Augusta, minha prima e filha dos tios Zico e Maria Pereira, e irmã de Tânia, Teves (jogamos futebol juntos; éramos bons jogadores) e Antônio Euzébio. Havia nascido no mesmo ano em que nasceu minha irmã Eliana, que se se suicidou, em 2013, aos 49 anos. A morte de Luzia me deixou triste… É uma parte de minha infância que foi levada junto.

A morte de Tio Nelito encerra a história física de sete irmãos. Mas a história deles sobrevive nas viúvas (três vivas) e nos filhos. A história dos Fagundes (que, inclusive, tem ligação com a dos Caiados) merece ser contada. Assim como a dos Belém — aqueles que, quando chegaram do Líbano, no século 19, eram Bethlém. Na verdade, os Belém chegantes eram sírio-libaneses.

O texto acima foi escrito apenas para dizer que estou triste, muito triste, por causa da morte de meu tio Nelito — um homem que passou pela vida sendo bom, fazendo o bem.

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