O sequestro do orçamento e o resultado do centrão nas eleições de 2024

O resultado das eleições municipais em todo o país ajudou a explicar o poder das emendas parlamentares e o motivo do Legislativo tentar constantemente, ter, cada dia mais, o controle sobre o orçamento público. O centrão, bloco político pragmático e que comanda a Câmara do Deputados é formado pelo Prograssistas, Republicanos, Solidariedade e PRD, mas parlamentares do MDB, União Brasil, Podemos e Avante também integram o grupo. Não existe um número certo de parlamentares já que essa massa é instável, mas essas legendas vão governar 63% das prefeituras de todo o país.

Desde 2020 o parlamento tomou para si a pauta do orçamento público e cada vez mais o que se viu foi o parlamento trabalhar em causa própria. O Congresso Nacional, ainda no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, pegou de bandeja o orçamento do país para si e criou uma série de mecanismos para permitir mais controle sobre o orçamento, ou seja, como o dinheiro dos impostos deve ser gasto.

Levantamento do jornal Folha de S. Paulo mostrou que 98% dos prefeitos que mais receberam emendas parlamentares nos seus municípios conseguiram se reeleger. A média de votação desses candidatos alcançou os 72% e 12 candidatos conseguiram esvaziar as oposições e foram candidatos único obtendo 100% dos votos validos.

Outro levantamento, desta vez feito pelo Jornal Opção, mostrou que 61 cidades goianas com menos de 10 mil habitante receberam R$ 62,3 milhões em emendas parlamentares de transferência direta, as chamadas emendas PIX. A modalidade permite a transferência direta de recursos para estados e municípios e tem pouca transparência por não revelar o parlamentar que destinou a emenda.

Entre as cidades com menos de 10 mil habitantes, Panamá de Goiás foi a que recebeu o maior montante. Foram destinados R$ 2,1 milhões para o município de 2.4 mil habitantes, o que representa uma emenda Pix per Capita de 558.4. Em Petrolina, com 9.5 mil habitantes, foi enviado R$ 1.9 milhão, o que representa um Pix per Capita de 207.88. O número é mais que o dobro quando comparado com a cidade de Planaltina, com mais de 1 milhão de habitantes. A cidade recebeu R$ 11.7 milhões em 2024, o que representa um Pix per Capita de 111.6.

Outro caso que chamou a atenção foi o da cidade de Gameleira de Goiás, que fica localizada no sul do estado a 95 km da capital. A cidade tem 3.456 habitantes e recebeu R$ 20.881.630,00 em repasses entre 2020 e 2023.

Os dados foram revelados a partir de um levantamento feito pela Controladoria Geral da União (CGU) a pedido do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino e revela a falta de transparência e dificuldade na rastreabilidade desses recursos. A investigação foi feita a partir de uma ação movida pelo PSOL. Os dados ainda mostraram que, das 98 obras financiadas por emendas e vistoriadas, 43% ainda não haviam sido iniciadas, 9% estavam paralisadas e apenas 11% haviam sido concluídas.

Até aqui é possível notar o quanto o assunto é denso e como é claro que as emendas parlamentares, sejam elas individuais, de bancada e principalmente as emendas Pix, são usadas para interesses próprios e eleitoreiros. O dinheiro que chegou até as prefeituras do Brasil a foi instrumento de ludibriação do eleitor e de lucro financeiro para os parlamentares.

Em Setembro desta ano a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou ao STF os deputados Josimar Maranhãozinho (MA), Bosco Costa (SE) e Pastor Gil (MA), todos do PL, por envolvimento em desvios de emendas parlamentares. A dnúncia atribui ao trio a prática de corrupção em repasses desses recursos para a Prefeitura de São José Ribamar, no Maranhão e aponta desvios de mais de R$ 1,6 milhão. A apuração do caso começou em 2020.

A investigação afirmou que um prefeito do Estado contou à Polícia Federal que um agiota atuava em nome dos parlamentares para cobrar propinas. Alvo principal do inquérito Maranhãozinho ficou conhecido após a Operação Descalabro, de dezembro de 2020, que mirou esquema suspeito de desvio de emendas destinadas à Saúde do Maranhão que, de acordo com as investigações podem ter gerado um prejuízo de R$ 15 milhões. No âmbito dessa operação os agentes conseguiram flagrar o parlamentar manuseando maços de dinheiro.

Também no Maranhão, a Justiça determinou, a pedido do Ministério Público Federal (MPF), o bloqueio de R$ 78 milhões das contas dos Fundos de Saúde de 20 municípios maranhenses por indícios de recebimento fraudulento de repasses federais oriundos de emendas parlamentares, incluindo valores das emendas de relator (o chamado orçamento secreto). O pedido de bloqueio das contas se deve à existência de indícios de irregularidades na inserção de dados falsos em sistemas do Sistema Único de Saúde (SUS), com o objetivo de desviar as verbas parlamentares, que são recursos públicos.

As investigações da operação que prendeu duas pessoas por esquema de desvio de verba do orçamento secreto mostram que a cidade de Igarapé Grande, no Maranhão, declarou ter feito 385 mil consultas especializadas em um ano no município, que tem 11 mil moradores. Com isso, aumentou em sete vezes o valor que a cidade recebia de financiamento para saúde que vem por meio de emendas da Câmara dos Deputados.

Em um dos pedidos, o MPF demonstrou que o município de Miranda do Norte tinha, em 2020, uma produção ambulatorial de média e alta complexidade de R$ 330 mil.

No entanto, em 2021, o valor saltou para R$ 9,3 milhões – sem qualquer crescimento aparente das instalações e contratação de médicos –, o que possibilitou o recebimento de emenda parlamentar de R$ 10 milhões em 2022, sendo R$ 1,5 milhão provenientes de emenda de relator.

O município informou ao Ministério da Saúde que, em 2021, foram realizadas 900 mil consultas de médico em atenção especializada. A cidade de Miranda do Norte tem apenas 29 mil habitantes e 8 médicos; para alcançar este número de consultas, cada médico deveria ter realizado 450 consultas por dia. Por esse motivo, em ação cautelar proposta pelo MPF, foram bloqueados judicialmente R$ 9,3 milhões do Fundo Municipal de Saúde (FMS) do município.

Já no município de Afonso Cunha, no qual o bloqueio judicial foi de R$ 6,6 milhões, informações falsas foram inseridas nos sistemas do SUS nos anos de 2020 e 2021, segundo o MPF. Foi informado, por exemplo, que teriam sido realizadas 30 mil ultrassonografias de próstata nesse período, número que corresponde a cerca de 4 vezes a população do município, que atualmente é de 6.700 habitantes.

Por sua vez, São Francisco do Maranhão, com apenas 12 mil habitantes, informou que teria realizado cerca de 300 mil consultas médicas de atenção especializada nos meses de novembro e dezembro de 2021, o que corresponderia, a 25 consultas por habitante em um período de dois meses. Ação cautelar proposta pelo MPF conseguiu o bloqueio de R$ 1,9 milhões do município.

Em Agosto, o ministro Flávio Dino determinou a suspensão da execução das emendas impositivas ao Orçamento da União. Pela decisão, o pagamento deverá ficar suspenso até que os poderes Legislativo e Executivo criem medidas de transparência e rastreabilidade dos recursos. A decisão foi motivada após ação protocolada pelo PSOL alegando que o modelo de emendas impositivas individuais e de bancada de deputados federais e senadores torna “impossível” o controle preventivo dos gastos.

No dia 5 deste mês a Câmara dos Deputados aprovou o projeto que regulamenta as emendas parlamentares, mas depois de várias alterações, o texto que ainda tem que passar pelo Senado, já contém várias lacunas.

O voto

O orçamento é como um receita de bolo ou como as contas da sua casa. Porém, no meio disso tudo tem os interesse políticos. Seria mais adequado chamar de interesses individuais do parlamento. O planejamento do centrão foi de longo prazo. Desde quando a Câmara dos Deputados estava sob o comando de Eduardo Cunha (cassado após o impeachment), o projeto do orçamento secreto estava na mesa aguardando o momento certo para ser colocado em prática.

Com a subserviência de Bolsonaro ao centrão, ao qual o seu então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno, chamou o grupo de ladrão em evento público no início do mandato em 2019, Arthur Lira (PP-AL) pintou, bordou e fez o que quis, por isso cabia ele a título de primeiro-ministro.

A enxurrada de emendas deu poder político e as eleições deste ano mostraram que elas serviram para reforçar o argumento de uma atuação parlamentar, que na realidade diz que olha para o país e para os problemas do povo, por outro lado não deixa ser transparente a forma como os políticos resolvem eles e tornam secreto o dinheiro público.

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