Seis livros para o feriado da Proclamação da República

Já escrevi por aqui algumas vezes dizendo que meu ponto de vista de mundo é sempre pelos livros. E com o feriado dessa semana, dia 15 de novembro, eu só penso em quais livros poderiam ser lidos nesse descanso prolongado. Assim, pensei em algumas sugestões:

Para quem gosta de livros fortes, que te deixam com uma sensação de embolo a cada página, “O olho mais azul” é um romance maravilhoso. Toni Morrison é uma exímia contadora de histórias, e consegue nos fazer sentir empatia até pelo mais terrível dos personagens. Aqui, conhecemos Pecola Breedlove, uma garotinha negra, que sonha em ter belos olhos azuis, assim como Shirley Temple, a garota propaganda dos doces e bonecas. Talvez se conseguir ter os olhos azuis, seus pais não briguem tanto, ela não se sinta tão feia, os colegas de escola não a persigam tanto.

Racismo, colorismo, violência doméstica, estupro. Tudo isso tem aqui, nesse livro, um dos mais fortes e tristes que já li. Mas necessário para vermos as diversas propagações do racismo.

Quer uma indicação bonita, suave, que te faz ter um pouco de esperança no mundo? Leia Manoel de Barros. Duvido você passar incólume pelas poucas – infelizmente – páginas de “Menino do mato”. Aqui ele se coloca na posição de criança que brinca com o cotidiano e com as palavras. É lindo demais de ler.

Em uma espécie de autobiografia em forma de poesia, ele traz rememorações da infância, com aquele toque bonito de subversão das palavras, que ele faz tão bem. Ler Manoel de Barros tem gosto e cheiro de casa de vó, e acho que é uma bonita e gostosa escolha para esses dias.

Indico, para se aventurar nesses dias de descanso, se dedicar a uma leitura mais longa e deliciosa: “Todos os contos”, de Clarice Lispector. Adorei essa experiência de ler os contos que ela escreveu todos juntos e em ordem cronológica. Pois vamos percebendo, desde os primeiros escritos, ali no comecinho, todo o potencial dessa autora. Temos um vislumbre de como ela chegou nas suas obras-primas. Nesses contos já visualizamos um protótipo de Macabéa, de “A hora da estrela”, e suas divagações em “Água viva.”

Destaco, principalmente, os contos “a fuga”, tão belo e simples, que parece ter tanto de Clarice ali; “Cartas a Hermengardo”, onde começa seus primeiros questionamentos a Deus; “Amor”, que descreve a loucura de uma vida a dois, depois a quatro, de forma honestamente bela.

E que tal um clássico curtinho e fácil de ler? Leia “Gente pobre”, de Dostoiévski, o primeiro livro do autor. Em um romance epistolar, conta a história de um funcionário público do mais baixo escalão, e uma jovem órfã e ainda mais injustiçada que ele. E através das cartas trocadas entre eles, temos um vislumbre da pobreza de São Petersburgo da época. E mesmo assim, os dois se apoiam e ajudam mutuamente, a despeito da pobreza e falatório do “cortiço” onde moram.

Gosto desse livro pelo ponto de vista inovador que Dostoiévski traz: a complexidade dos personagens, a visão de classes sociais (o que seria uma constante nos seus próximos livros), e a riqueza do lado psicológico desses personagens.

Quer um livro diferente, que te deixa eletrizado durante a leitura, sempre esperando que algo vá acontecer? Então dê uma olhada no “A vida real”, de Adeline Dieudonné. Aqui, tudo parece estar sempre à espreita, e lemos com o instinto aguçado, onde ficamos esperando, a cada página, uma ação, uma catástrofe.

Nessa história, narrada inicialmente por uma menina de 10 anos, temos uma família totalmente disfuncional. Vivendo em um bairro de classe média, a mãe é totalmente retraída e emocionalmente distante, o pai extremamente violento, daqueles que só a presença já aterroriza. E o irmão é por quem ela norteia todo seu afeto e suas ações. Quando uma coisa horrorosa acontece na frente dela e do irmão, relação deles muda, e vemos a transformação de menino em um homem violento.

Esse livro, sob uma perspectiva aumentada, fala sobre masculinidade, momentos de passagem da vida, violência, luto. Incômodo, mas bem escrito demais para deixar de lê-lo.

Para encerrar as indicações, minha última é um dos meus livros preferidos: “Erva brava”. Em 12 contos muito bem estruturados, as histórias se passam na fictícia Buriti Pequeno, uma cidade no interior de Goiás. Só de ser ambientado no Centro Oeste, já é interessante, visto que é bem raro na literatura nacional.

Os personagens são fortes e resistentes às tentativas de apagamento, e Paulliny Tort tem uma escrita tão boa, que, apesar de independentes, conseguem criar uma linha invisível entre eles. Com uma certa dose de realismo fantástico, inspirada em “Cem anos de solidão”, ela aborda temas muito atuais, como a monocultura da soja, os apagamentos das tradições e a revolta implacável da natureza. Os contos dão vontade de ler mais, mas são muito bem finalizados.

Aproveita que amanhã, quinta-feira, teremos uma deliciosa noite de jazz na Palavrear e já vem escolher as leituras para esses dias de descanso.

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