A redução do desmatamento na Mata Atlântica: progresso real ou um pequeno alívio temporário?

O desmatamento da Mata Atlântica sofreu uma redução de 55% nos primeiros seis meses de 2024, comparado ao mesmo período do ano passado. Durante esse intervalo, 21.401 hectares foram destruídos, enquanto, em 2023, o número alcançou 47.896 hectares. Essa queda foi atribuída a estratégias de fiscalização mais eficazes, corte de crédito para infratores e o uso de embargos remotos, segundo o Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD) Mata Atlântica. Contudo, apesar do avanço, especialistas alertam que ainda estamos longe do objetivo de desmatamento zero, essencial para garantir a sobrevivência desse bioma vital.

A redução registrada é, sem dúvida, um sinal encorajador. Ela demonstra que ações coordenadas, aliadas à tecnologia e à aplicação rigorosa da lei, podem conter a devastação ambiental. O uso de satélites de alta resolução, por exemplo, permite monitorar e reagir rapidamente aos alertas de desmatamento. Isso, combinado com o MapBiomas Alerta, torna os dados acessíveis e transparentes para a sociedade, reforçando a responsabilidade coletiva no combate à destruição. Porém, o que à primeira vista pode parecer um grande avanço esconde nuances preocupantes que não podem ser ignoradas.

O contexto histórico de um bioma em crise

A Mata Atlântica, que outrora cobria grande parte do território brasileiro, hoje possui apenas 24% de sua cobertura original. Esse número está abaixo do limite de 30% considerado sustentável para a manutenção de sua biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos. A fragmentação também agrava a situação: boa parte das áreas remanescentes tem menos de 50 hectares e está localizada em propriedades privadas, muitas vezes desprovidas de incentivo ou fiscalização adequada.

Embora os esforços de fiscalização sejam mais robustos, o cenário legislativo permanece uma ameaça constante. Nos últimos anos, o Congresso e as Assembleias Legislativas têm sido palco de tentativas recorrentes de enfraquecer as leis ambientais. Como destacou Luis Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da Fundação SOS Mata Atlântica, o combate ao desmatamento não pode se limitar a ações práticas. É necessário, também, resistir ao desmonte da legislação ambiental e garantir que as regras atuais sejam mantidas e aplicadas.

Um bioma estratégico para o Brasil e o mundo

A importância da Mata Atlântica vai além de suas fronteiras. Ela abriga uma rica biodiversidade, desempenha um papel de relevância na regulação do clima e fornece serviços essenciais, como água potável e controle de erosão. Sua destruição afeta diretamente a qualidade de vida de milhões de brasileiros. Além disso, os fragmentos que fazem limite com outros biomas – como Cerrado, Caatinga e Pantanal – são fundamentais para a conectividade ecológica, permitindo o deslocamento de espécies e a manutenção de ciclos naturais.

Nesse sentido, a redução de 58% no desmatamento nesses enclaves estratégicos é um dado especialmente positivo. Porém, mesmo essa vitória está longe de ser suficiente. O Acordo de Paris estabeleceu a meta de desmatamento zero até 2030, e, apesar do otimismo de Guedes Pinto sobre o potencial da Mata Atlântica de alcançar essa meta antes do prazo, cada hectare perdido representa uma ameaça à biodiversidade e aos serviços ecossistêmicos.

A concentração da cobertura remanescente em propriedades privadas é outro desafio. Cerca de 80% das áreas florestais estão em terrenos particulares, onde a preservação frequentemente depende da boa vontade dos proprietários ou de incentivos econômicos que nem sempre são suficientes. Programas de pagamento por serviços ambientais e iniciativas de restauração florestal são essenciais, mas ainda carecem de escala e financiamento adequados.

Além disso, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), ferramenta importante para identificar irregularidades, enfrenta problemas de implementação. Muitos proprietários não atualizam seus registros ou fornecem informações incompletas, dificultando o trabalho de fiscalização. A ausência de punições para aqueles que violam embargos também mina a eficácia dos esforços de combate ao desmatamento.

Progresso real ou um esforço insuficiente?

A redução de 55% no desmatamento da Mata Atlântica em 2024 é uma conquista inegável, mas não pode ser vista como uma solução definitiva. Trata-se de um progresso que exige continuidade, ampliação e vigilância constante. O uso de tecnologia e a integração de dados foram determinantes para esse resultado, mas a batalha contra o desmatamento é multifacetada. Ela exige um compromisso político firme, recursos financeiros robustos e a mobilização de toda a sociedade.

Se não houver uma mudança estrutural na forma como o Brasil encara a preservação ambiental, corremos o risco de ver esses avanços anulados por interesses econômicos de curto prazo. Proteger a Mata Atlântica não é apenas uma questão ambiental, mas também uma prioridade social e econômica. Sua destruição compromete a segurança hídrica, o potencial turístico e até mesmo a saúde pública, já que a perda de biodiversidade está diretamente ligada ao surgimento de zoonoses.

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