*Ab\u00edlio Wolney Aires Neto<\/strong>\u00a0<\/p>\n
Nos \u00faltimos dois anos, tr\u00eas pessoas conhecidas desistiram da vida, incapazes de lidar com os desafios existenciais. Esse fato me trouxe \u00e0 mem\u00f3ria dois livros que me marcaram profundamente: O Lobo da Estepe, de Hermann Hesse, e Mem\u00f3rias de um Suicida, obra medi\u00fanica de Yvonne do Amaral Pereira.<\/p>\n
Publicado em 1927, O Lobo da Estepe \u00e9 uma obra-prima liter\u00e1ria que mergulha na psique humana, explorando o conflito interno de Harry Haller, um homem dividido entre sua natureza humana e sua dimens\u00e3o selvagem, o \u201clobo\u201d. O romance reflete as ang\u00fastias existenciais de Hesse e prop\u00f5e uma jornada introspectiva que dialoga tanto com a condi\u00e7\u00e3o humana quanto com dilemas filos\u00f3ficos. A luta de Haller entre a atra\u00e7\u00e3o pelo suic\u00eddio e a busca por um sentido na vida estabelece uma conex\u00e3o universal, oferecendo reflex\u00f5es que permanecem atemporais.<\/p>\n
Hesse apresenta o suic\u00eddio como uma \u201cporta dos fundos\u201d, uma met\u00e1fora para a sa\u00edda diante de dores insuport\u00e1veis. Esse conceito, central na narrativa de Haller, ressoa com experi\u00eancias humanas universais de sofrimento e com a busca por raz\u00f5es para seguir em frente, mesmo diante do desespero.<\/p>\n
A vis\u00e3o de Hesse sobre o suic\u00eddio encontra eco no livro Mem\u00f3rias de um Suicida, no qual o escritor portugu\u00eas Camilo Castelo Branco, por meio da mediunidade de Yvonne do Amaral Pereira, narra as consequ\u00eancias espirituais dessa escolha extrema. Diferentemente de Hesse, que n\u00e3o recomenda, mas admite o suic\u00eddio como uma fuga poss\u00edvel, Camilo revela os bastidores do \u201cVale dos Suicidas\u201d e enfatiza o impacto profundo dessa decis\u00e3o, n\u00e3o apenas para o indiv\u00edduo, mas tamb\u00e9m para aqueles ao seu redor. Ele descreve a morte autoinfligida como \u201co jogo escuro das ilus\u00f5es\u201d, desmistificando a ideia de que ela possa ser uma solu\u00e7\u00e3o definitiva.<\/p>\n
Enquanto Harry Haller v\u00ea o suic\u00eddio como um al\u00edvio terr\u00edvel e poss\u00edvel para o vazio existencial, Camilo mostra que essa \u201cporta dos fundos\u201d, longe de ser uma sa\u00edda simples, leva a um ciclo de dores ainda maiores. A narrativa espiritual refor\u00e7a a import\u00e2ncia de enfrentar os desafios da vida, compreendendo que fazem parte de um processo maior de aprendizado e evolu\u00e7\u00e3o, onde tudo possui um prop\u00f3sito superior dentro dos \u201csoberanos c\u00f3digos da vida maior\u201d.<\/p>\n
Haller, um homem culto e filos\u00f3fico, reflete sobre a exist\u00eancia enquanto sente a tenta\u00e7\u00e3o de desistir. Sua trajet\u00f3ria \u00e9 rica em paralelos com hist\u00f3rias de pessoas que, em momentos de desespero, cogitam abandonar grandes sonhos. Seja estudar, viajar ou realizar projetos futuros, o suic\u00eddio, como metaforiza Hesse, interrompe as potencialidades da exist\u00eancia. Essa ideia \u00e9 bem expressa nos versos de Cec\u00edlia Meireles:<\/p>\n
\u201cEu s\u00f3 queria ter no mato um gosto de framboesa
Pr\u00e1 correr entre os canteiros e esconder minha tristeza
Que eu ainda sou bem mo\u00e7o pr\u00e1 tanta tristeza
E deixemos de coisa, cuidemos da vida,
Pois se n\u00e3o chega a morte ou coisa parecida
E nos arrasta mo\u00e7o, sem ter visto a vida.\u201d<\/p>\n
Camilo Castelo Branco amplia essa perspectiva, mostrando que, mesmo ap\u00f3s a morte, os sonhos e projetos n\u00e3o se dissolvem, mas aguardam a supera\u00e7\u00e3o de desafios n\u00e3o enfrentados. Em sua vis\u00e3o, os problemas se agravam com a interrup\u00e7\u00e3o abrupta da vida, retornando em forma de li\u00e7\u00f5es ainda mais dif\u00edceis em futuras exist\u00eancias.<\/p>\n
Tanto Hesse quanto Camilo, cada qual em seu contexto, oferecem reflex\u00f5es poderosas que incentivam a continuidade e o enfrentamento das adversidades. Enquanto O Lobo da Estepe explora os dilemas humanos de forma filos\u00f3fica e liter\u00e1ria, Mem\u00f3rias de um Suicida apresenta uma abordagem espiritual, mostrando que o sofrimento \u00e9 parte de uma jornada maior de aprendizado e evolu\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
Haller encontra na curiosidade pela vida um motivo para resistir. Da mesma forma, Camilo, do al\u00e9m-t\u00famulo, afirma que, mesmo nos momentos mais sombrios, h\u00e1 raz\u00f5es para continuar, sejam elas espirituais ou existenciais. Ambas as obras convidam o leitor a refletir sobre o valor da vida e a necessidade de enfrentar as dificuldades com coragem, buscando autodescoberta e realiza\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
Distintas e complementares, O Lobo da Estepe e Mem\u00f3rias de um Suicida nos lembram que, mesmo diante da tenta\u00e7\u00e3o da \u201cporta dos fundos\u201d, o desafio de viver \u00e9 uma oportunidade \u00fanica de transforma\u00e7\u00e3o e crescimento.<\/p>\n
*Ab\u00edlio Wolney Aires Neto<\/strong>\u00a0\u00e9 Juiz de Direito da 9\u00aa Vara Civel de Goiania.
Cadeira 9 da Academia Goiana de Letras, Cadeira 2 da Academia Dianopolina de Letras, Cadeira 23 do Instituto Hist\u00f3rico e Geogr\u00e1fico de Goi\u00e1s-IHGG, Membro da Uni\u00e3o Brasileira de Escritores-GO dentre outras.
Graduando em Jornalismo.
Acad\u00eamico de Filosofia e de Hist\u00f3ria.
15 titulos publicados<\/p>\n
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*Ab\u00edlio Wolney Aires Neto\u00a0 Nos \u00faltimos dois anos, tr\u00eas pessoas conhecidas desistiram da vida, incapazes de lidar com os desafios existenciais. Esse fato me trouxe \u00e0 mem\u00f3ria dois livros que me marcaram profundamente: O Lobo da Estepe, de Hermann Hesse, e Mem\u00f3rias de um Suicida, obra medi\u00fanica de Yvonne do… Continue lendo