{"id":1730,"date":"2024-02-08T10:58:49","date_gmt":"2024-02-08T13:58:49","guid":{"rendered":"https:\/\/agencia2.jornalfloripa.com.br\/ler\/1730"},"modified":"2024-02-08T10:58:49","modified_gmt":"2024-02-08T13:58:49","slug":"governo-pede-desculpa-a-indigenas-mas-retoma-ferrovia-da-soja-na-amazonia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/agencia2.jornalfloripa.com.br\/ler\/1730","title":{"rendered":"Governo pede desculpa a ind\u00edgenas, mas retoma ferrovia da soja na Amaz\u00f4nia"},"content":{"rendered":"
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Com um pedido oficial de desculpas a povos ind\u00edgenas, o governo federal voltou \u00e0 carga para destravar a pol\u00eamica Ferrogr\u00e3o \u2013 sonho antigo dos produtores de soja e milho do centro-oeste e um dos mais ambiciosos projetos de log\u00edstica do pa\u00eds. Totalizando 933 km de extens\u00e3o, a ferrovia teria in\u00edcio no munic\u00edpio de Sinop (MT), base da produ\u00e7\u00e3o nacional de gr\u00e3os, e cruzaria a Amaz\u00f4nia at\u00e9 chegar ao porto de Itaituba (PA), no rio Tapaj\u00f3s.\u00a0<\/p>\n

A reportagem teve acesso a um \u201cpedido de retrata\u00e7\u00e3o\u201d que a Ag\u00eancia Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), \u00f3rg\u00e3o federal respons\u00e1vel por gerenciar as concess\u00f5es do setor log\u00edstico, apresentou em uma reuni\u00e3o realizada nesta quarta-feira (7) em Bras\u00edlia (DF), com lideran\u00e7as ind\u00edgenas do Instituto Kabu.\u00a0<\/p>\n

A organiza\u00e7\u00e3o do povo Kayap\u00f3 Mekr\u00e3gnot\u00ed atua na defesa de ind\u00edgenas das proximidades da rodovia BR-163, principal via de escoamento do agro no centro-oeste. A Ferrogr\u00e3o seria constru\u00edda paralelamente \u00e0 estrada.<\/p>\n

Segundo a ANTT, a ag\u00eancia quer garantir \u201co processo de consulta pr\u00e9via, livre e informada, conforme previsto na Conven\u00e7\u00e3o 169 da OIT (Organiza\u00e7\u00e3o Internacional do Trabalho), a qual, infelizmente, n\u00e3o foi devidamente observada\u201d.<\/p>\n

Com o reposicionamento, o governo deixou claro que pretende levar adiante o projeto, ideia criada h\u00e1 mais de uma d\u00e9cada, ainda no primeiro governo da ent\u00e3o presidente Dilma Rousseff (PT), pelas grandes tradings de gr\u00e3os que atuam no pa\u00eds: Amaggi, ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus.\u00a0<\/p>\n

N\u00e3o por acaso, o projeto h\u00e1 anos figura entre as prioridades da Associa\u00e7\u00e3o dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), institui\u00e7\u00e3o j\u00e1 presidida, no Mato Grosso, pelo atual ministro da Agricultura, Carlos F\u00e1varo.<\/p>\n

\u201cEsse projeto \u00e9 de interesse nacional e deve ser realizado de maneira sustent\u00e1vel, considerando as melhores decis\u00f5es socioambientais para a regi\u00e3o e para todas as comunidades que a habitam\u201d, afirma a ANTT, em documento assinado em 26 de janeiro. \u201cUma vez conclu\u00edda, a Ferrogr\u00e3o ter\u00e1 uma capacidade de transporte significativa, proporcionando competitividade no escoamento da produ\u00e7\u00e3o pelo Arco Norte.\u201d<\/p>\n

Lideran\u00e7a da aldeia Ba\u00fa e respons\u00e1vel pelas rela\u00e7\u00f5es p\u00fablicas do Instituto Kabu, Mydjere Kayap\u00f3 afirmou \u00e0 reportagem que a reuni\u00e3o e a retrata\u00e7\u00e3o n\u00e3o significam a aceita\u00e7\u00e3o do projeto. \u201cN\u00e3o \u00e9 por causa de uma carta de desculpas que diremos sim para a Ferrogr\u00e3o. Isso n\u00e3o deve s\u00f3 a mim, mas a todos os ind\u00edgenas que sempre foram desrespeitados nesse processo\u201d, disse \u00e0 Rep\u00f3rter Brasil<\/strong>.<\/p>\n

A tentativa de aproxima\u00e7\u00e3o do governo com os ind\u00edgenas procura vencer uma etapa paralisada em 2021, quando o processo de licenciamento da obra \u2013 estimada hoje em aproximadamente R$ 30 bilh\u00f5es \u2013 foi paralisado por ordem do STF.\u00a0<\/p>\n

Naquela ocasi\u00e3o, o ministro Alexandre de Moraes deu uma cautelar contra o projeto, ao atender uma A\u00e7\u00e3o Direta de Inconstitucionalidade (ADI) apresentada pelo PSOL. A legenda questionava a redu\u00e7\u00e3o dos limites do Parque Nacional Jamanxim, uma unidade de conserva\u00e7\u00e3o ambiental no Par\u00e1, para a constru\u00e7\u00e3o da Ferrogr\u00e3o. Por decis\u00e3o da pr\u00f3pria corte, \u00e9 proibido alterar limites de unidades para passagem de obras.<\/p>\n

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Lula e cacique Raoni Metuktire, do povo kaiap\u00f3, durante Acampamento Terra Livre em 2023 (Foto: Marcelo Camargo\/Ag\u00eancia Brasil\/Abr.23)<\/figcaption><\/figure>\n<\/div>\n

Ind\u00edgenas n\u00e3o ouvidos<\/strong>
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O pedido de desculpas faz refer\u00eancia a uma sess\u00e3o p\u00fablica do empreendimento realizada em 12 de dezembro de 2017, em Bras\u00edlia, na gest\u00e3o do ent\u00e3o presidente Michel Temer, para tratar do licenciamento da obra. Na ocasi\u00e3o, os ind\u00edgenas n\u00e3o foram ouvidos. No encontro desta quarta-feira, representantes do Minist\u00e9rio dos Transportes e da ANTT se reuniram em Bras\u00edlia com as lideran\u00e7as ind\u00edgenas, para oficializar a retrata\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Na pr\u00e1tica, por\u00e9m, o encontro, que teve participa\u00e7\u00e3o da Confedera\u00e7\u00e3o Nacional da Agricultura (CNA), simboliza mais do que um mero pedido de perd\u00e3o. Em defesa da ferrovia, a ag\u00eancia reguladora destaca, inclusive, o apelo ambiental do projeto, apesar das preocupa\u00e7\u00f5es de ativistas com os impactos sobre o ecossistema local.\u00a0<\/p>\n

\u201cEste empreendimento contribuir\u00e1 para o desenvolvimento nacional, alinhando-se a projetos estrat\u00e9gicos de infraestrutura de transportes, ao mesmo tempo em que respeitar\u00e1 o meio ambiente, promovendo a redu\u00e7\u00e3o das emiss\u00f5es de CO\u00b2 na atmosfera, em conformidade com a agenda ESG (ambiental, social e governan\u00e7a) do governo federal e os padr\u00f5es estabelecidos pela Climate Bond Initiative (CBI) para certifica\u00e7\u00e3o de iniciativas sustent\u00e1veis.\u201d<\/p>\n

Apesar de o Brasil ser signat\u00e1rio da Conven\u00e7\u00e3o 169 da OIT, o processo de consulta pr\u00e9via nunca foi efetivamente respeitado no pa\u00eds. O que est\u00e1 em jogo, por\u00e9m, \u00e9 saber se os ind\u00edgenas teriam, ou n\u00e3o, poder de veto ao projeto, a partir do diagn\u00f3stico de seus impactos.<\/p>\n

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Fila de caminh\u00f5es carregados de soja na BR-163 com destino ao porto de Miritituba, em Itaituba (PA) (Foto: Jo\u00e3o Laet\/Rep\u00f3rter Brasil)<\/figcaption><\/figure>\n<\/div>\n

Busca de di\u00e1logo<\/strong>
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Durante o encontro com as lideran\u00e7as ind\u00edgenas, o subsecret\u00e1rio de sustentabilidade do Minist\u00e9rio dos Transportes, Cloves Eduardo Benevides, disse que n\u00e3o est\u00e1 definido se a obra ser\u00e1 bancada por recursos p\u00fablicos, se ser\u00e1 uma concess\u00e3o, ou uma Parceria P\u00fablico-Privada (PPP). \u201cN\u00e3o h\u00e1 um desenho final, o que h\u00e1 \u00e9 um debate p\u00fablico\u201d, comentou.<\/p>\n

O plano ferrovi\u00e1rio retomado por Lula contraria frontalmente seu maior aliado quando o assunto \u00e9 a representa\u00e7\u00e3o dos povos ind\u00edgenas: o cacique Raoni Metuktire. O l\u00edder ind\u00edgena de 93 anos, que subiu a rampa do Planalto ao lado do presidente na cerim\u00f4nia de sua posse, em janeiro de 2023, vive na regi\u00e3o a ser cortada pela Ferrogr\u00e3o.<\/p>\n

Pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) j\u00e1 demonstraram que a cria\u00e7\u00e3o de um terminal de cargas da Ferrogr\u00e3o em Matup\u00e1, no norte do Mato Grosso, pode partir ao meio as terras ind\u00edgenas do Xingu. \u00c9 nesse ponto que a Ferrogr\u00e3o afeta a Terra Ind\u00edgenea Capoto Jarina, onde mora o cacique Raoni. A rodovia MT-232 atravessa trechos da Capoto Jarina e tamb\u00e9m do Parque Ind\u00edgena do Xingu, que abriga 16 povos ind\u00edgenas.<\/p>\n

Mydjere Kayap\u00f3 afirmou que seu povo tem um protocolo de consulta pr\u00e9via. \u201cN\u00f3s sabemos que, mesmo se dissermos n\u00e3o, eles estar\u00e3o l\u00e1 para construir. Ent\u00e3o, queremos atuar para que n\u00e3o aconte\u00e7a o que vimos em Belo Monte\u201d, comentou, referindo-se ao conturbado processo de licenciamento da hidrel\u00e9trica erguida no rio Xingu, no Par\u00e1.<\/p>\n

\u201cN\u00e3o somos contra o desenvolvimento do Brasil, mas n\u00e3o aceitaremos que nosso direito seja atropelado e ignorado. Eles precisam fazer novos estudos da ferrovia e, antes de tudo, nos ouvir\u201d, defendeu a lideran\u00e7a.<\/p>\n

Presidente da Associa\u00e7\u00e3o Ind\u00edgena Apiak\u00e1 Iakunda\u2019Y da comunidade Pimental, em Trair\u00e3o (PA), Irleusa Robertino disse \u00e0 reportagem que o povo ind\u00edgena espera que as audi\u00eancias sejam realizadas nas aldeias. \u201cN\u00e3o descansamos para fazer parte dessa discuss\u00e3o e queremos defender os direitos de nosso povo. Essas reuni\u00f5es devem acontecer nos munic\u00edpios diretamente afetados. Estamos solicitando isso\u201d, comentou. \u201cApresentamos os protocolos de consulta dos povos Kayap\u00f3, Munduruku e Apiak\u00e1. Queremos ser ouvidos.\u201d<\/p>\n

Brent Millikan, membro da secretaria executiva da organiza\u00e7\u00e3o GT Infra e Justi\u00e7a Ambiental, que acompanhou a reuni\u00e3o com os ind\u00edgenas, diz que o saldo \u00e9 positivo. \u201cAo menos, vemos agora um esp\u00edrito democr\u00e1tico de abrir o tema para o debate, em vez da tentativa de atropelar e fingir que havia consulta\u201d, comentou.<\/p>\n

Em sua avalia\u00e7\u00e3o, as pol\u00eamicas da Ferrogr\u00e3o exp\u00f5em o contexto emblem\u00e1tico de como \u00e9 feito o planejamento de grandes obras em territ\u00f3rios sens\u00edveis. \u201cS\u00e3o problemas cr\u00f4nicos. \u00c9 preciso aprimorar o tema da viabilidade econ\u00f4mica e socioambiental do projeto, incluindo temas como o impacto cumulativo com outros empreendimentos, como a BR-163, a hidrovia do Tapaj\u00f3s, at\u00e9 considerando a possibilidade de n\u00e3o fazer a ferrovia\u201d, disse.<\/p>\n

Disputa bilion\u00e1ria<\/strong>
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Fora da arena ambiental, a Ferrogr\u00e3o tamb\u00e9m divide interesses bilion\u00e1rios de empresas do setor ferrovi\u00e1rio. Empresas como a VLI, bra\u00e7o log\u00edstico da mineradora Vale, querem que o projeto avance, para consolidar suas opera\u00e7\u00f5es de transporte rumo ao \u201carco Norte\u201d da Amaz\u00f4nia. H\u00e1, no entanto, fortes oponentes a essa ideia.<\/p>\n

A Rumo, empresa do grupo Cosan que administra ferrovias nas regi\u00f5es Centro-Oeste e Sudeste, assumiu bilh\u00f5es de reais em novos investimentos na malha que j\u00e1 controla e teme que a nova abertura log\u00edstica impacte seus neg\u00f3cios. Por isso, atua nos bastidores com posi\u00e7\u00e3o contr\u00e1ria ao empreendimento.<\/p>\n

Representantes de caminhoneiros tamb\u00e9m atuam contra o projeto, por temerem que o transporte de carga que hoje fazem pela BR-163 migre para os trilhos da ferrovia e inviabilize o modal rodovi\u00e1rio.<\/p>\n

No ano passado, a Ferrogr\u00e3o foi incorporada ao PAC 3 e passou a ser alvo de uma \u201can\u00e1lise dedicada\u201d, conforme mencionou o chefe da Casa Civil, ministro Rui Costa. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, j\u00e1 declarou, por\u00e9m, que o projeto depende da comprova\u00e7\u00e3o de sua viabilidade ambiental.<\/p>\n

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