O bicho pegou feio para o meu lado neste carnaval

Sou avesso às diversões ruidosas, dessas em que as pessoas são tomadas de uma alegria insana, em que pulam, gritam, enfim realizam diabruras; muitas vezes até fazendo estrepolias que põem o tinhoso no bolso. E isso, óbvio, dificilmente praticado de modo careta, ou seja, sempre tendo por trás algum barato para acender a lareira… Dentro dessas alegrias, está o carnaval, que é a festa máxima dentro do sentido a que me refiro.

Quando adolescente, já fui arrastado por essa onda de alegria coletiva. Mas isso é explicável. Afinal, como disse Goethe, “a juventude é a embriaguez sem vinho”. (E com vinho então, a embriaguez é de entornar.)

No meu processo de desentendimento enquanto gente, e isso realizado pela leitura de alguns livros bem especiais, fui me distanciando de muitas coisas que envolvem o mundo da futilidade. Fui me proibindo de me emocionar com determinadas datas, cuja criação apenas visa morder a algibeira das pessoas.

Acauã é uma ave de rapina, possui vários nomes populares | Foto: Sinésio Dioliveira

Uma ex-namorada certa vez me aconselhou, eufemicamente, a ser “menos rigoroso”. No seu entendimento tacanho, eu deveria me deixar levar pela maré do maria-vai-com-as-outras. Enfim integrar o bloco da burrice da unanimidade. Nosso caso acabou amorlecendo, haja vista que nosso liame envolvia apenas o entrelaçamento das pernas. Cada de nós não tinha as palavras apropriadas aos ouvidos do outro. Mutuamente cada um foi procurar o outro na esquina, e assim não nos encontramos mais.

Para não ficar de fora da festa carnavalesca deste ano, resolvi acompanhar o bloco daqueles que prezam um carnaval misturados à natureza. Peguei o carango e parti rumo à Ecovila Santa Branca, mais precisamente para casa dos amigos Edvany e Jeovar. Foram sons e mais sons misturados: canto de pitiguari, gralha-cancã, acauã, pássaro-preto, canário-da-terra, coleirinho, urutau. Pintou algo obsceno no cenário: flagrei um casal de centopeia no maior love. Refletindo sobre a cena, descobri que as centopeias, ao contrário de nós, que só temos duas pernas para envolver na trama sexual, possuem muitas.

No meio da algazarra carnavalesca, saí pelo quintal da chácara para comer goiaba. E bichos não faltam no quintal , pois os moradores não podem criar cães e gatos. Já vi por lá tamanduá-bandeira, tatu-galinha, seriemas inúmeras. Fui à goiabeira na maior cautela para evitar algo que me aconteceu na infância: sentir na pele o veneno de uma taturana. Putz! Doeu. Deu até íngua. Nem sei o que minha mãe usou em mim para atenuar a dor. E não é que havia uma cabeludona na goiabeira! Mas não tive problema com ela, pois, ao contrário do que aconteceu na minha infância, agora sei de sua existência. Lidar com o que não conhecemos é algo complicado.

taturana é também conhecida como lagarta-cachorrinho e outros nomes, seus pelos causam a sensação de queimação na pele | Foto: Sinésio Dioliveira

Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza

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