Criança com autismo ficou internada em hospital psiquiátrico por 45 anos

Uma investigação da BBC no Reino Unido revelou um caso sobre a institucionalização inadequada, em que Kasibba, uma mulher com autismo e dificuldades de aprendizagem, passou 45 anos confinada em um hospital psiquiátrico na Inglaterra, sendo mantida em segregação prolongada por mais de duas décadas. A história, que veio à tona por meio do programa File on 4 Investigates, da emissora britânica, expõe falhas no sistema de saúde mental do país e levanta questionamentos sobre o tratamento de pessoas com deficiência intelectual.

Kasibba, nome dado pelas autoridades para proteger sua identidade, chegou ao hospital aos sete anos de idade e, desde então, nunca havia tido a oportunidade de viver fora da instituição. A psicóloga clínica Patsie Staite, que tomou conhecimento da situação em 2013 ao revisar o atendimento prestado a Kasibba, ficou perplexa com as condições em que a paciente era mantida. “Nunca tinha visto ninguém vivendo na situação em que ela estava vivendo. E acho que o que foi realmente chocante foi que tudo foi legitimado”, declarou Staite à BBC.

O Departamento de Saúde e Assistência Social da Inglaterra reconheceu que a permanência prolongada de pessoas com deficiência intelectual em hospitais psiquiátricos é “inaceitável” e destacou que as reformas na Lei de Saúde Mental visam evitar novas internações inadequadas. No entanto, dados apontam que mais de 2 mil pessoas com autismo e dificuldades de aprendizagem ainda estão internadas em hospitais psiquiátricos na Inglaterra, incluindo cerca de 200 crianças.

A luta para tirar Kasibba do hospital se estendeu por nove anos. Em 2016, foi criada uma equipe de profissionais de saúde e assistência social que se autodenominou “o comitê de fuga”, com a missão de retirá-la da instituição. Lucy Dunstan, da organização Changing Our Lives, que luta pelos direitos de pessoas com deficiência, foi nomeada advogada de Kasibba para construir um argumento sólido que garantisse sua libertação. “Quando conheci Kasibba, a equipe do hospital simplesmente a apresentou como aquela que é capaz de ‘arrancar olhos’. Mas quando olhei para ela, vi uma mulher deitada em um sofá, em um cômodo vazio. Sua vida estava completamente empobrecida”, relatou Dunstan.

A Corte de Proteção, tribunal responsável por tomar decisões para pessoas consideradas civilmente incapazes, demorou anos para avaliar a solicitação de liberação. Apenas em 2022, Kasibba recebeu autorização para deixar o hospital e viver na comunidade com suporte especializado. “Eu chorei. De alegria. Alívio. Admiração por ela. Orgulho”, relembrou Dunstan ao falar sobre o momento da decisão.

Atualmente, Kasibba vive em um ambiente comunitário e recebe assistência de profissionais que utilizam linguagem clara, toques gentis e gestos para se comunicar com ela. A responsável por seus cuidados descreve uma mulher sociável, com um grande senso de humor e que gosta de moda. “Depois de cerca de duas semanas trabalhando aqui, ela veio até mim e me deu um abraço. Isso não me parece alguém capaz de ‘arrancar olhos’”, disse a cuidadora.

A exposição do caso de Kasibba reacendeu debates sobre a necessidade de mudanças no tratamento de pessoas com deficiência intelectual no Reino Unido. Em 2011, uma investigação da BBC já havia revelado abusos contra pacientes com dificuldades de aprendizagem no hospital particular Winterbourne View, levando o governo a prometer ações para reduzir a internação prolongada. No entanto, as principais metas estabelecidas para transferir pacientes para serviços comunitários não foram atingidas.

O NHS England, sistema público de saúde da Inglaterra, apresentou recentemente um plano de ação para 2025-2026, no qual prevê uma redução mínima de 10% no número de pessoas com dificuldades de aprendizagem e autismo internadas em hospitais psiquiátricos. No entanto, especialistas consideram a meta modesta diante da gravidade da situação. Dan Scorer, chefe de políticas e relações públicas da instituição beneficente Mencap, criticou a lentidão do governo. “Centenas de pessoas ainda estão definhando, internadas, elas deveriam ter sido liberadas, e deveriam receber apoio na comunidade, porque não vimos o progresso que foi prometido”, afirmou à BBC.

O Projeto de Lei de Saúde Mental, atualmente em tramitação no Parlamento britânico, busca impedir que pessoas com autismo e dificuldades de aprendizagem sejam internadas em hospitais psiquiátricos caso não apresentem transtornos mentais. Contudo, o governo declarou que não implementará mudanças antes de garantir que há suporte alternativo suficiente na comunidade. Além disso, o projeto prevê que pessoas ainda poderão ser legalmente mantidas em hospitais por até 28 dias para avaliação, o que preocupa ativistas e especialistas.

Jess McGregor, diretora executiva da área de saúde para adultos do Camden Council, lamentou o tempo que Kasibba passou confinada. “Foi uma tragédia o fato de ela ter passado a maior parte de sua vida internada em um hospital. Sinto muito, pessoalmente. Ela não deveria ter passado pelo que passou”, declarou.

O hospital onde Kasibba ficou internada, cujo nome não foi divulgado para preservar sua identidade, afirmou que, durante os anos de internação, o atendimento prestado nunca foi questionado e que a unidade foi classificada como excelente pela Comissão de Qualidade do Atendimento (CQC, na sigla em inglês). A instituição declarou ainda que trabalhou com autoridades locais para facilitar a transição de pacientes para serviços comunitários, mas que enfrentou desafios legais impostos por familiares de outros internos. O hospital encerrou oficialmente suas atividades em 2023.

Leia também:

Tradicional bloco invade casas e garante folia na manhã da terça-feira de Carnaval

Ex-Masterchef é presa por tráfico de drogas no Carnaval de Salvador

O post Criança com autismo ficou internada em hospital psiquiátrico por 45 anos apareceu primeiro em Jornal Opção.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.