Proporcionalidade: veja o que os deputados goianos pensam sobre reconfiguração da Câmara dos Deputados 

O Congresso Nacional tem até o dia 30 de junho deste ano para editar uma lei complementar redistribuindo as 513 vagas existentes de deputado federal entre os estados. A medida foi expedida pelo Supremo Tribunal Federal na tentativa de manter o princípio da proporcionalidade na Câmara Baixa do parlamento, onde a representação se dá de acordo com o tamanho da população de cada unidade da federação. 

A atual disposição da Câmara dos Deputados foi definida em 1993, quando a população estimada do Brasil era de quase 156 milhões de pessoas. Agora, segundo o último censo do IBGE (de 2022), o país tem mais de 203 milhões. Além de crescer, a população se redistribuiu entre os estados, portanto, a fim de obedecer a proporcionalidade na Câmara dos Deputados garantida pela Constituição de 1988, uma redistribuição no parlamento se faz necessária. Nesse processo, alguns estados ganhariam cadeiras enquanto outros perderiam. 

Caso o modelo da redistribuição seja adotado, o estado do Rio de Janeiro perderia quatro assentos na Câmara, o Rio Grande do Sul, a Paraíba , o Piauí e a Bahia teriam duas vagas a menos cada um, enquanto Pernambuco e Alagoas perderiam um deputado federal.  

Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara dos Deputados, pensa diferente. O parlamentar recém empossado sugeriu que, ao invés de haver perda de assentos na Câmara Baixa, apenas fossem criadas novas vagas de deputado federal para os estados que mais cresceram. Caso seja adotado, o modelo proposto pelo presidenta da Câmara eleva o número de deputados federais de 513 para 527. 

Vale destacar que, independente do modelo adotado para adequação da Câmara dos Deputados ao novo formato da população brasileira, essas mudanças só valerão a partir das próximas eleições. 

Golpe certo

Apesar dos empecilhos que se somam à proposta de Motta, o professor de Direito Eleitoral Alexandre Azevedo afirma que “é algo que vai acontecer”. Por se tratar de uma situação de ‘ganha-ganha’, não existe oposição consistente mobilizada contra o projeto. Caso a opção da Casa de Leis fosse apenas pela redistribuição das vagas já existentes, estados que perderiam cadeiras se oporiam, mas se todo mundo ganha algo, as chances de aprovação são maiores. Para o especialista, nem Lula teria ânimo ou força política para forçar um veto. 

Mesmo estando certo da aprovação da proposta do presidente da Câmara dos Deputados, o professor de Direito Eleitoral é categórico ao afirmar que “outra coisa que eu tenho certeza, é que é inconstitucional”. Para Azevedo, o movimento de redistribuição busca adequar a Câmara à realidade populacional do Brasil, alocando mais recursos onde há maior demanda, dessa forma, apenas adicionar mais cadeiras para estados que mais cresceram não “adequa à proporcionalidade” exigida pela Constituição.

Professor de Direito Eleitoral Alexandre Azevedo | Foto: Arquivo pessoal.

O Amazonas e a Paraíba, por exemplo, são estados com população semelhante, entretanto, o estado do norte possui oito deputados federais, enquanto o estado do nordeste possui 12. Mesmo que sejam adicionadas duas cadeiras para os nortistas, ainda haveria discrepância na representação se não houvesse redução do número de cadeiras disponíveis para os paraibanos. 

O professor destaca algumas consequências do aumento do número de vagas de deputado federal de 513 para 527. 

A primeira delas é o aumento no número de deputados estaduais e consequente crescimento nas despesas dos estados. Ele explica que “se um Estado tem até 12 deputados federais, a quantidade de deputados estaduais é esse número multiplicado por 3”, ou seja, um estado com 11 deputados federais tem 33 deputados estaduais. Ao mesmo tempo, nos estados com mais de 12 deputados federais, devemos “pegar esse número e somar mais 24”. 

O caso de Goiás exemplifica este caso: “Goiás tem 17 deputados federais. Eu somo isso mais 24, vai dar a quantidade de 41 deputados estaduais que nós temos”. Dessa forma, um aumento no número de deputados federais puxa crescimento no número de deputados estaduais e afeta o orçamento e dinâmica de poder a nível local.

Outra consequência natural do aumento de vagas na Câmara Baixa é a diminuição do quociente eleitoral, número mínimo de votos necessários para eleger um deputado federal. Esse valor é definido pelo número de votantes dividido pela quantidade de assentos disponíveis, portanto, um aumento no número de vagas diminuirá a quantidade de votos necessária para eleger um deputado federal. “Fica mais fácil”, pontuou. 

O aumento do número geral de deputados também puxa maior dificuldade para se conseguir quórum absoluto, necessário para aprovação das leis complementares e das emendas à Constituição.

Por fim, o orçamento é um ponto a ser considerado. Mesmo que o orçamento geral da Câmara permaneça inalterado, como garantiu Motta, “tem que ser muito ingênuo para acreditar nisso, que não vai aumentar o gasto”, afirmou Azevedo. São mais 14 salários, mais 14 equipes, maior peso sobre os recursos diretos consumidos no cotidiano parlamentar, além da redistribuição de emendas parlamentares.

Injustiça para todo lado 

Ao Jornal Opção, o cientista político Guilherme Carvalho fala sobre outra consequência natural do aumento do número de deputados federais: a dinâmica de poder na Câmara. Independente do modelo adotado para adequação da realidade da Câmara dos Deputados à realidade populacional brasileira, “o modelo que sair dessa decisão do Congresso vai reverberar algum nível de injustiça”. 

Para o especialista, caso seja adotado o sistema de redistribuição, os estados que perderam população (o que representa menor população ativa, menos investimentos…) também perderiam capital político, e consequentemente receberiam menos verba pública. Ao mesmo tempo, caso seja adotado o modelo proposto por Motta, os estados com menos população teriam mais poder no Congresso proporcionalmente falando, e os estados que cresceram talvez não teriam acesso à quantidade de recursos públicos que o alto contingente populacional demanda.

Centista político Guilherme Carvalho | Foto: Guilherme Alves/Jornal Opção.

“A briga ali é não para não perder o status quo dos estados pequenos comandando o Congresso, ou para reverter o status quo passando poder para os estados grandes”, resumiu.

Para Guilherme, a “proporcionalidade acabou dando aos estados menores, do ponto de vista populacional, uma super representação”, ou seja, um maior número de deputados de estados menores definem as pautas da Câmara em detrimento dos poucos estados mais populosos. Dessa forma, a proposta de Hugo Motta, deputado da Paraíba, visa atender não apenas seu próprio estado como também os parlamentares de estados pequenos que o elegeram presidente, explica o cientista.

Deixar os estados mais populosos com maior representação pode aumentar qualitativamente a atuação do poder público nessas regiões, e, ao mesmo tempo, “muitos estados pequenos que têm maiores dificuldades de acessar recursos” e qualquer distribuição que não considere isso “pode aprofundar a desigualdade”.  

Admitindo a inexperiência do sistema político brasileiro, o especialista afirma que “a gente vai ter que testar algum modelo”. Agora, 14 cadeiras podem não ter tanto impacto na dinâmica da Câmara (algum efeito certamente terá), mas a população do país seguirá crescendo e se redistribuindo, então esse momento também representa teste para as futuras reformulações.

Deputados goianos

O Jornal Opção ouviu uma série de parlamentares federais goianos a fim de entender o clima da Câmara sobre o projeto e saber sua opinião sobre a pauta. 

Zacharias Calil (UB) afirma que “o Brasil enfrenta desafios urgentes e a sociedade está cada vez mais crítica com os gastos do setor público” e que, nesse sentido, “Congresso precisa demonstrar responsabilidade e compromisso”. Para o deputado, o modelo de redistribuição proposto pelo STF deve ser adotado pois “não há espaço fiscal para essa ampliação”.

Daniel Agrobom (PL) não apenas se coloca contra a medida de ampliação do número de cadeiras na Câmara dos Deputados, como vai além. Para ele, “o Brasil precisa de lei que possa reduzir o número de deputados gradualmente a cada quatro anos até chegar a um total de 20% a menos que o número existente hoje”. Assim como Calil, Agrobom acredita que não há clima político para essa mudança, entretanto, a proposta pode encontrar eco nos parlamentares dos estados que perderiam assentos, caso a redistribuição aconteça. 

Daniel Agrobom, Ismael Alexandrino, Rubens Otoni e Zachrias Calil | Foto: Reprodução/ Câmara

Ismael Alexandrino (PSD) concorda com os colegas ao dizer que “seria interessante redistribuir dentro das 513 cadeiras existentes, de acordo com o resultado do IBGE”. A diferença aqui é que o deputado já vê como favorável o clima da Casa de Leis para a aprovação da proposta de Hugo Motta. Para Alexandrino, mesmo que o orçamento geral da Câmara se mantenha, o remanejamento orçamentário da Casa “pode prejudicar áreas prioritárias como saúde, educação e segurança”. 

Sabendo que, segundo o rearranjo proposto pelo STF, “Goiás ganha uma vaga”, o deputado Rubens Otoni (PT) reforça a opinião dos colegas: “Eu julgo mais adequada a decisão do STF, que é ajustar a proporcionalidade. Diminui o número de cadeiras de alguns estados e aumenta o de outros. Mas sem mexer no número de 513 cadeiras que a Câmara Federal tem hoje”.

Em Goiás

Como afirmou o cientista político Guilherme Carvalho: “para o estado de Goiás, vai fazer pouca diferença uma decisão ou outra, porque nós somos um estado de crescimento mediano”. Tanto o modelo de redistribuição sugerido pelo STF, quanto o modelo de adição de cadeiras de Hugo Motta garantem crescimento semelhante para a bancada goiana. 

Na Alego, independente do padrão definido para adequação ao censo, seria adicionado um ou dois novos deputados estaduais. Como Goiás é um estado com mais de 12 deputados federais, qualquer adição nesse grupo representa a soma de mais um ou dois parlamentares estaduais.Portanto, por mais que haja acréscimo no orçamento do estado, não deve ser um impacto que desestabilize a atual dinâmica. 

De toda forma, os goianos terão mais companheiros e maior representação na Câmara Federal e isso é sempre bem-vindo, agora, enquanto brasileiros, de uma forma geral, precisam se preocupar com a forma que se dará a reconfiguração da Câmara dos Deputados já que isso impactará diretamente o orçamento e a dinâmica de poder numa das principais instâncias decisórias do país.  

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