Uma alegria chamada Caio Jacobson

Cida Almeida

Especial para o Jornal Opção

Guardo um silêncio profundo e alegre pelo meu amigo Caio Jacobson. Uma lágrima rolando em uma caixinha de risos e de boas e humanas histórias. Um dia, talvez, escreva algumas, inspirada nos seus relatos divertidos e despudorados. E você diria, debochadamente, desse meu desejo confessado: “Quer roubar minhas histórias?”. Não, amigo. Quero iluminá-las com a mais fina poesia do seu viver desgarrado, que ficou entranhado em minha escuta imagética e imaginária.

A primeira vez que vi Caio foi numa entrevista coletiva com a Fernanda Montenegro, no saguão de um hotel em Goiânia, algo ainda a ver com o assombro do acidente com o Césio-137. Ele papeava animadamente com alguém, num canto, tão natural naquele ambiente iluminado pela soberba presença de Fernandona. Fiquei ali, dividida entre a atenção na grande dama do teatro e da TV e naquele moço de cabelos ralos na altura do ombro, que irradiava um certo charme displicente.

Tempos depois, passei a encontrá-lo diariamente durante o período em que trabalhamos no Gabinete de Imprensa da Assembleia Legislativa de Goiás. Nossos papos entrecortavam aquelas manhãs frenéticas entre notícias de gabinetes e matérias em tramitação na Casa.

Havia entre nós uma identificação, respeito e carinho profundos escorrendo para nossas conversas. Naquele tempo gostava mais de escutar do que falar. E fui me embebedando de suas histórias, coisas sobre a família, a divertida dona Maria com o seu Galaxie/Landau envenenado e a luvinha preta, à la Ana Maria Braga, arrasando nas estrepolias ao volante para dar conta da tangência da curva fechada para acessar a garagem daquela casa linda, com muro de pedra, na esquina da Rua Dona Gercina Borges com a Alameda dos Buritis, no Centro. Isso sob impropérios entoados aos gritos por motoristas irritados com a intrépida motorista.

Caio Jacobson: um homem e profissional múltiplo | Foto: Facebook

Voltemos à casa, onde estive nos idos de 1986 para entrevistar o velho Dr. Eduardo Jacobson, pai de Caio, então proprietário do Hospital Santa Luiza, considerado o primeiro hospital particular de Goiânia, que ficava na confluência das Avenidas Goiás e Paranaíba.

Era a missão da minha primeira reportagem para o “Diário da Manhã”, com a recomendação explícita do jornalista Batista Custódio, dono do jornal, para que eu o ouvisse com delicadeza porque ali havia um homem “machucado” pela vida.

O Dr. Eduardo Jacobson me recebeu amavelmente, com uma expressão entre circunspecto e desconfiado, no seu escritório que ficava no segundo andar da residência. Entabulamos uma longa conversa, em que me contou sobre o fechamento do hospital, um pouco da sua vida de médico e sobre o que mais eu não me lembro. Mas me recordo bem da casa, da decoração refinada e sóbria, de subir encabulada as escadas pensando no desafio da escuta para aquela entrevista.

A casa, penso eu, deve ter povoado a curiosidade de muita gente que passava por ali. Ficava encantada com o feito dela sobreviver às demolições tão na moda para abrir espaço aos edifícios. Por isso achei triste ver a sua ruína lenta, primeiro com pichações e depredações, depois um incêndio, fruto do abandono engendrado por um longo processo judicial de disputa familiar por herança. Por fim, os escombros e mais nada além de um lote vago.

Algumas lacunas sobre aquela casa foram preenchidas pelo Caio, que me levaram de volta à imagem do homem meio triste que entrevistei. Contou-me sobre a morte do irmão médico, nas dependências do próprio hospital e do pai em desespero tentando salvar o filho de um ataque do coração, se não me falha a memória. A imagem que ficou, algo assim, do Caio contando: quando meu pai se ergueu do corpo do meu irmão já era um velho. A imagem ficou na minha cabeça, como um quadro, uma cena de filme. Uma cena indelével da vida.

Por isso, impossível dobrar aquela esquina e não olhar para o lado, não ver a casa de outrora ou ouvir a voz do Caio me conta…

Cida Almeida, jornalista, poeta e prosadora, é colaboradora do Jornal Opção.

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