O voo suborbital da Blue Origin, lançado na segunda-feira, 14, levou ao espaço, além de uma tripulação composta exclusivamente por mulheres, plantas de batata-doce das cultivares Beauregard e Covington e sementes do grão-de-bico BR Aleppo, desenvolvidas por pesquisadores brasileiros nos programas de melhoramento genético da Empresa brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). O cultivo de plantas no espaço não é uma novidade. Desde as primeiras experiências espaciais da humanidade, iniciadas pela antiga União Soviética e Estados Unidos.

A inclusão do material brasileiro no voo foi viabilizada por um convite do professor Rafael Loureiro, da Winston-Salem State University (WSSU), no estado da Carolina do Norte, EUA. A astronauta que conduzirá os experimentos com as sementes brasileiras, Aisha Bowe, é ex-cientista de foguetes da Agência Espacial Norte-americana (Nasa) e mantém parceria com a Odyssey, empresa de operações e ciências espaciais da universidade que viabilizou os experimentos na missão da Blue Origin.
O cultivo de plantas no espaço demanda o desenvolvimento de sistemas de produção sem solo ou com o regolito, como são conhecidos os solos lunares e marcianos, quanto cultivares selecionados para condições de baixa disponibilidade de água e nutrientes.
Pesquisador da área de melhoramento genético vegetal da Embrapa Hortaliças, Fábio Suinaga explica que o experimento busca submeter as sementes de grão-de-bico à radiação Gama e aos nêutrons que atuam como geradores de variabilidade genética tal qual como é feita com os cruzamentos realiados em laboratórios e campos experimentais.

A engenheira agrônoma Larissa Vendrame, pesquisadora da área de melhoramento genético da Embrapa Hortaliças (Brasília, DF), diz que a batata-doce é um fonte de carboidrato de baixo índice glicêmico e que suas folhas oferecem uma alternativa de consumo como proteína. “As raízes da batata-doce produzem compostos bioativos que promovem a saúde humana, pois atuam como poderosos antioxidantes naturais que inibem a ação de radicais livres no organismo. Esse consumo é especialmente valioso em ambientes expostos à radiação, como nas condições da Lua, de Marte ou na Estação Espacial Internacional”.
Primeiros experimentos
Os primeiros experimentos com microrganismos vivos no espaço buscavam entender como organismos vivos se comportariam em microgravidade e são considerados marcos tecnológicos de suporte à vida para missões de longa duração.
Nos anos 60, a Sputnik 4 levou as primeiras experiências com organismos vivos e tentaram expor sementes e planas às condições espaciais. Nessa primeira tentativa, não houve cultivo. A União Soviética também enviou, em 1966, sementes e plantas para observar efeitos da radiação cósmica e da microgravidade sobre o seu desenvolvimento.

A primeira experiência bem sucedida de cultivo foi o caso da Zinnia, uma flor levada pelos soviéticos. A missão revelou as dificuldades de germinação e desenvolvimento completo das plantas em microgravidades e as alterações que as condições impõem aos vegetais. De acordo com os estudos divulgados pelas agências especiais, as sementem germinaram, mas com anomalias nas raízes e caules, além de crescer em direções aleatórias pela ausência da gravidade.
Foi somente em 1982 que a primeira planta completou um ciclo de vida. Os cosmonautas conseguiram conultivar a Arabidopsis thaliana, uma planta-modelo para a biologia vegetal, desde a germinação até a floração e produção de sementes.

A busca no espaço por respostas para a Terra
A pesquisa com grão-de-bico busca desenvolver plantas mais produtivas, com menor altura e ramificações mais eretas, um porte mais adequado às limitações do ambiente espacial. “Estamos planejando submeter sementes de grão-de-bico à radiação Gama e aos nêutrons, que atuam como geradores de variabilidade genética, da mesma forma que os cruzamentos realizados em laboratório e campos experimentais”, explica Suinaga, ao aventar a possibilidade de achar, ao longo desse processo, plantas mais precoces e resistentes.
O cultivo de plantas no espaço demanda tanto o desenvolvimento de sistemas de produção sem solo ou com regolito (“solos”) lunares e marcianos, quanto cultivares selecionadas para condições de baixa disponibilidade de água e nutrientes. Segundo Vendrame, esses desafios são também demandas reais do setor produtivo de batata-doce para as condições de cultivo nas lavouras brasileiras. “Contamos com uma equipe multidisciplinar de pesquisadores de ponta que compõem a Rede de Agricultura Espacial Brasileira, por isso, a expectativa é obter novas cultivares com as características desejadas de modo mais rápido a partir de uma pesquisa inovadora”, conclui.
A pesquisa em agricultura espacial deve acelerar o melhoramento genético e trazer inovações para a agricultura praticada na Terra, especialmente com o avanço das mudanças do clima. Além disso, espera-se alcançar diversos impactos, os chamados spin-offs, capazes de promover saltos no conhecimento agronômico brasileiro e gerar novas tecnologias.
“Muitos são os exemplos de soluções espaciais que tiveram aplicações no cotidiano das pessoas. A NASA já publicou mais de duas mil dessas tecnologias que são utilizadas no nosso dia a dia, como telas de celulares, ferramentas sem fio, termômetros com infravermelho, comida desidratada, etc. Da mesma forma, podemos avançar muito em tecnologias modernas para auxílio na agricultura brasileira, usando inteligência artificial na irrigação, melhoria e adequação de plantas em cultivo indoor, novas cultivares mais tolerantes à seca, mais eficientes no uso da energia ou mais adaptadas aos desafios impostos pelas mudanças climáticas, mais produtivas e mais nutritivas”, destacou a pesquisadora da Embrapa Pecuária Sudeste, Alessandra Fávero, que coordena a Rede Space Farming Brazil.
A idealização do experimento foi feita por pesquisadores de diversas instituições participantes da rede. No retorno das amostras ao Brasil, cientistas da rede se juntarão para avaliar o material recebido.
A rede de agricultura espacial brasileira
A rede Space Farming Brazil foi criada para inovar na produção de alimentos em ambientes fora da Terra. Este grupo de cientistas está trabalhando no desenvolvimento de sistemas de produção adaptáveis ao espaço, buscando soluções para desafios complexos, garantindo a produção de alimentos em condições de elevada radiação, baixa gravidade e ausência de solo.
Em novembro de 2023, foi firmado um protocolo de intenções entre a Embrapa e a Agência Espacial Brasileira (AEB) em prol da participação do País no Programa Artemis, da Nasa, que reúne projetos de colaboração internacional. Desde então, a Embrapa atua como provedora de dados, tecnologias e produtos que serão usados tanto no espaço quanto no dia a dia da sociedade brasileira, gerando novas oportunidades para superar desafios como o das mudanças climáticas, novas formas de produção e cultivares adaptadas a condições extremas e a novos mercados.
Atualmente, a Rede é composta por 56 pesquisadores de 22 instituições diferentes: Agência Espacial Brasileira ( AEB ), Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo ( Cena-USP ), Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária ( Embrapa ), Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo ( Esalq-USP ), Instituto Agronômico ( IAC ), Instituto de Estudos Avançados ( IEAv ), Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo ( IGc-USP ), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais ( Inpe ), Instituto de Química da Universidade de São Paulo ( IQ-USP ), Instituto Tecnológico de Aeronáutica ( ITA ), Florida Tech University ( FIT ), Parque de Inovação Tecnológica de São José dos Campos ( PITSJC ), Universidade da Flórida ( UFl ), Universidade de Newcastle ( NCL ), Universidade Federal do ABC ( UFABC ), Universidade Federal de Lavras ( Ufla ), Universidade Federal de Pelotas ( UFPel ), Universidade Federal do Rio Grande do Norte ( UFRN ), Universidade Federal de São Carlos ( UFSCar ), Universidade Federal de Santa Maria ( UFSM ), Universidade Federal de Viçosa ( UFV ) e Winston Salem State University ( WSSU ).
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