Raio-x da violência: por que o Brasil tolera o domínio do crime em regiões de onde o Estado se afasta

Peço perdão ao leitor por insistir no tema, mas espanta ver o descompasso entre a marcha do crime organizado no Brasil e o vácuo de providências para combatê-lo por parte do Governo Federal. O crescimento da atividade ilícita, no tráfico de drogas principalmente, é facilitado pela enorme lucratividade. 

Um quilograma de pasta base de cocaína, vendido na Bolívia por 1.000 dólares, alcança na Alemanha ou na França um valor cinquenta vezes maior. Nenhuma atividade comercial no mundo, ainda que complexa, consegue uma lucratividade bruta entre valor de compra e valor de venda, dessa ordem: 5.000%. Uma atividade com essa rentabilidade dará trabalho, mesmo se combatida com muita eficiência e rigor, como se vê mundo afora.

A criminalidade se previne com educação de qualidade – que não temos. E só se combate com eficiência adotando a tolerância zero por parte das forças de Governo. E tolerância zero subentende esforço por parte de polícia, do ministério público, da justiça e colaboração eficiente das várias esferas de governo. Isso por sua vez exige vontade, disposição e competência por parte das autoridades envolvidas. Coisa que também não temos, e eis aí o porquê desse avanço da violência que nos incomoda a todos que estamos fora da esfera da marginalidade.

Os sinais do avanço do crime organizado são alarmantes para todos, menos para os que mais alarmados deveriam estar, pois é de sua responsabilidade a segurança da sociedade. O Brasil é uma das pouquíssimas nações do mundo onde o crime domina regiões de onde o poder do Estado se afastou:

  • tem 20% das 50 cidades mais violentas do mundo;
  • abriga facção criminosa de caráter multinacional, que se ramificou por quase todos os continentes; tem o crime organizado infiltrado em setores aparentemente legais, para lavagem de dinheiro, como transporte de massa, hotelaria, turismo e postos de combustíveis; 
  • admite no centro de sua maior cidade uma área de domínio de traficantes e viciados e ainda dá a ela o sugestivo nome de Cracolândia; tem fronteiras com os maiores produtores mundiais de drogas; 
  • é rota de passagem das drogas para os grandes consumidores da Europa e dos Estados Unidos;
  • tem um fornecedor conhecido de armamento, em suas fronteiras (Paraguai), para o crime organizado; 
  • tem restrições à ação policial em regiões onde o crime organizado está mais presente; 
  • tem ações institucionais que desmotivam o policial, diminuem a importância de seu trabalho e colocam dificuldades para completo exercício de sua ação repressiva; 
  • adota uma política de vitimização do criminoso, de maioridade penal permissiva e de desencarceramento sem bases de estudo; 
  • permite o trânsito, no ambiente governamental, de figuras conhecidas do crime organizado, sob os pretextos menos aceitáveis; 
  • admite regalias para os chefes das facções, em presídios de segurança máxima, mesmo ao arrepio da lei, e muita coisa mais. 

As autoridades encarregadas da Segurança Pública, em qualquer nível de governo, por ser uma atividade complexa e que lida com marginais endinheirados, deveriam obrigatoriamente ser do ramo. Deveriam ser oriundas da polícia ou do ministério público, com experiência no combate ao crime. Deveriam conhecer o ambiente policial e compreendê-lo. 

Não é fácil defender, com risco de vida, um cidadão que nem conhece, e não merecer o reconhecimento por essa tarefa. Deveriam aquelas autoridades conhecer a psicologia do criminoso, de sua opção por livre vontade pelo crime, além de saber avaliar sobre ressocialização, maioridade penal e outras características da marginalidade. Precisariam conhecer experiências exitosas e fracassadas na luta contra o crime e obter daí ensinamentos. 

Mas nada disso acontece no nosso infortunado Brasil, e o resultado está à vista de todos, menos de quem mais deveria enxergá-lo: O Governo Federal. Este insiste na mesma política fracassada de Segurança Pública desde que a esquerda chegou ao poder e o número anual de homicídios saltou de 14.000 (em 1980) para 60.000 (no Governo Dilma). Um milhão de brasileiros, jovens principalmente, foram assassinados nesse período, e se isso não é um genocídio, o que seria? E um genocídio plenamente evitável, ao menos em grande parte, se compreensão para isso existisse.

Tomemos o exemplo atual: A autoridade máxima em Segurança, o ministro da Justiça e Segurança não é do ramo. Entenderá de Justiça, pois tem carreira de magistrado, mas não tem experiência alguma no campo da Segurança. Por isso mesmo sua carreira ministerial está pontuada de adversidades. 

No início de sua gestão, o ministro deparou-se com uma inexplicável fuga de dois criminosos da maior periculosidade justamente em uma prisão federal de segurança máxima. Não sabia lidar com ela, e os marginais só foram capturados, até por acaso, 30 dias depois. Empenhou-se numa cruzada, desde o início, contra as armas dos atiradores desportivos, que são muito bem fiscalizados pelo Exército e não ameaçam ninguém, enquanto o armamento das facções criminosas entrava – e entra – aos milhares, contrabandeado do Paraguai. 

Fosse o ministro da Justiça e Segurança do ramo, teria se empenhado junto ao Governo Paraguaio e feito um convênio que estancaria esse fluxo de armas que aquele país importa legalmente dos EUA e da Europa e exporta de contrabando para o PCC e o Comando Vermelho, como todo o mundo sabe. Apenas uma empresa paraguaia, em dois ou três anos, fato detectado por um delegado da polícia local, havia importado de maneira legal mais de 40.000 armas da Europa, raspado a numeração de todas elas e as vendido de contrabando – adivinhe o leitor para onde.

Uma declaração do ministro, de que “A Polícia prende mal e a Justiça tem que soltar” foi de tal infelicidade que ele teve que amenizá-la dias depois. Nada mais sabido, hoje, no meio policial, de que se “enxuga gelo”, na prisão de marginais. A leniência com os bandidos emerge nas audiências de custódia, e elementos são presos e liberados, às vezes até várias vezes num mesmo mês. Menores infratores são presos, até mesmo por homicídio, e são liberados; traficantes conhecidos e perigosos não ficam muitos dias atrás das grades, inexplicavelmente; marginais aproveitam as incríveis “saidinhas”, e no mesmo dia assaltam à mão armada – ou se aproveitam delas para fugir. 

Uma ex-diretora do Instituto Igarapé, ONG financiada pelo bilionário especulador George Soros (que patrocina causas gratas ao crime, como o desencarceramento, a liberação das drogas e o desarmamento da população ordeira), tentou se infiltrar no ministério no governo Bolsonaro, quando Sergio Moro era ministro e quase foi iludido. Descoberta a tempo, foi enxotada. Pois bem, agora, outra ex-dirigente da mesma ONG é figura importante no Ministério. Uma PEC da Segurança, proposta pelo Ministério, causou revolta nas polícias estaduais e nos governadores (exceto os obedientes ao PT), justamente quem consegue, ainda, combater a criminalidade. O projeto apenas reforça os erros cometidos desde 1980, em vez de endurecer contra o crime. 

O advogado, ex-secretário de Segurança Pública de Goiás e ex-senador Demóstenes Torres, um entendido em Segurança, em um dos melhores artigos já escritos sobre o descalabro de que falamos, publicado em Poder 360 de 09 do mês passado, dá um título ao seu escrito que resume a situação: “Art. 1 mãos ao alto; Art. 2 revogam-se indisposições em contrário.”  Por esse código estamos sendo regidos.   

P.S. – Na semana passada, falando da malária, dizíamos que seu transmissor era um vírus (Plasmodium). Me penitencio e corrijo, advertido por meu amigo e autoridade em medicina tropical, Dr. Fernando Cupertino. O plasmodium não é um vírus, é um protozoário.

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