“Receita goiana para mudar uma capital.” Este é o título da crônica maliciosa e cheia de recados que o imortal Bernardo Élis (1915-1997) presenteou os goianos, contando-lhe, de forma um tanto ácida, mas bem-humorada, os fatos que sucederam à criação da nova capital de Goiás até o ato final: a assinatura do decreto que sacramentou a transferência dos três poderes da Cidade de Goiás para Goiânia.
Se a carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal, Dom João, escrita em 1500, é a certidão de nascimento do Brasil, a crônica de Bernardo Élis sobre a fundação de Goiânia é, sem dúvida, a certidão de nascimento da nova capital do Estado de Goiás. Cidade que, de alguma maneira, nasceu a fórceps.
Trata-se de uma história que se passa no início do século XX, que conta a saga de uma mudança radical nos cafundós do Brasil ainda esquecido.
Goiânia, a capital do “do fim do mundo”, nasceu, de acordo com o autor de “Veranico de Janeiro”, envolta em disputas familiares, geográficas e históricas.
A capital foi acalentada, em seu princípio, pelo atraso político que se apossou do Brasil daquela época e amamentada por demasiada vaidade. Como, por sinal, ocorre em Brasília, “filha” de Goiânia, anos depois.
O escritor encerra a crônica demonstrando um certo rancor pela mudança da capital, já que era uma espécie de vilaboense (ainda que nascido em Corumbá de Goiás). Todos (ou quase todos) os habitantes da Cidade de Goiás entenderam que a questão era incontornável quando o Poder Executivo se mudou para o Palácio das Esmeraldas. A Casa Verde era o símbolo do definitivo.
“De repente sentiu-se como que roubado em alguma coisa. Sempre ali fora sede do governo, sempre ali estivera nossa capital do Estado, a bela Goiás cantada em prosa e verso; de suas ruas tortas, de sua Serra Dourada, de seus rios pitorescos, de seus ares finos, de seus luares brancos albentes [o escritor só não citou que na antiga capital de Goiás sempre faltava água e que os becos e as margens dos rios eram fétidos e exalavam um mau-cheiro insuportável], orgulhavam-se os vilaboenses, num orgulho imenso de reconcentrado.
“Não, a capital não poderia mudar-se dessa maneira. Tudo tinha sido tão rápido!”
Apesar do lamento, ao final, a crônica de Bernardo Élis chama a atenção para um momento que, segundo ele, trata-se do fato histórico mais importante que se deu nas terras dos Goyases desde a chegada do bandeirante Anhanguera às margens do Rio Vermelho, em 1722: o ato que marca a transferência definitiva da capital do Estado de Goiás para Goiânia.
Ao final de 1936, o governador resolveu transferir a Assembleia Legislativa para Goiânia. Desde a fundação da nova capital em 1933, o interventor Pedro Ludovico Teixeira teve de se esforçar para conseguir o apoio daqueles que eram contrários às mudanças.
Na virada do ano, no início de 1937, o governador determinou a construção de um edifício com características de residência no estilo art déco, na esquina da Avenida Tocantins com Rua 12, na região central.
Nesse momento da história do Estado, Pedro Ludovico — colocado no poder por Getúlio Vargas, em 1930 — já administrava Goiás a partir de Goiânia. Mas faltava a presença física dos outros dois poderes: o Legislativo e o Judiciário.
Para abrigar a sede do Legislativo, o prédio da Rua 12 foi construído a toque de caixa. Ficou pronto em 45 dias.
Numa cerimônia praticamente anônima, até hoje desconhecida da maioria dos goianos e goianienses, no dia 23 de março de 1937, no segundo andar daquele prédio, sobre uma mesa de madeira de lei, Pedro Ludovico realiza o ato, segundo Bernardo Élis, de maior repercussão em toda história de Goiás: a assinatura do Decreto Estadual 1816, que transfere para Goiânia a capital do Estado de Goiás.
O ato só não ficou desconhecido porque o momento histórico foi fotografado. O registro revela, além do interventor-governador, a presença de Irani Alves Ferreira, João D’Abreu, Colemar Natal e Silva [mais tarde, primeiro reitor da Universidade Federal de Goiás], Joaquim Câmara Filho [fundador de “O Popular”], Solon de Almeida, major Benedito de Albuquerque, Belarmino Cruvinel, Manuel Gomes Pereira, Albatênio de Godoi e João Augusto de Melo Rosa.
Nas palavras de Bernardo Élis (que, por sinal, também foi político), “o time mais famoso de Goiás”.
Mas, apesar da importância do ato solene de 1937 — que ocorreu na esquina da Avenida Tocantins com a Rua 12 —, o prédio da antiga Assembleia, antes mesmo de exercer a função para o qual fora erguido, como Casa do Legislativo de Goiás, teve que cerrar as portas e as atividades.
Nenhuma lei foi sequer discutida e votada ali porque o Legislativo foi dissolvido pela ditadura do Estado Novo, instaurada, no dia 10 de novembro de 1937, por um golpe de Estado. Ninguém foi derrubado desta vez. Getúlio Vargas continuou no poder, porém como ditador, e com o apoio de militares.
Mas, apesar dos tempos sombrios que viveu a política brasileira, não há dúvidas de que Goiânia e Pedro Ludovico se beneficiaram desse momento histórico.
Embora tenha sido iniciado antes, em 1933, a nova capital de Goiás é fruto legítimo do Estado Novo. Também era a representação do nacionalismo que marchava para o Oeste em uma saga digna dos Bandeirantes.
Pode-se afirmar que foi a ditadura Vargas a parteira que trouxe Goiânia à luz no início da década de 1930 e que encaminhou o ato que acabou por levar a cidade ao seu destino de nova capital do Estado de Goiás, bem como sua transferência, com a mudança oficializada em 1937.
Com a reabertura política do país, em 1945 (queda do Estado Novo, ou seja, de Getúlio Vargas), o antigo prédio da Assembleia foi abandonado e caiu no esquecimento. Até que a Loteria do Estado de Goiás se instalou ali em 1947, mesmo ano em que o Poder Legislativo goiano voltou às atividades garantidas pela redemocratização. Mas em novo endereço — na Avenida Goiás, em um prédio que, doado pela diretoria da Pecuária, continua de pé.
No entanto, o local era precário e uma nova mudança acabou acontecendo, no mesmo ano, quando a Casa passou a elaborar as primeiras leis estaduais. Leis criadas, discutidas e votadas nos limites da nova capital.
De 1947 até 1962 o endereço do Poder Legislativo do Estado passou a ser a Praça Cívica, no segundo andar do prédio que depois seria transformado no Museu Zoroastro Artiaga.
O palco do momento mais importante da História de Goiás também continua de pé, na mesma esquina, e conseguiu sobreviver à autofagia histórica que desfigurou o centro de Goiânia com a demolição de casas históricas — que, ao longo de décadas, deram lugar a prédios mais altos ou se tornaram estacionamentos.
Trata-se de um fenômeno que padecem os centros históricos das grandes cidades do Brasil.
Certamente que apenas os sobreviventes das primeiras gerações goianienses sabem que naquele prédio relativamente sem graça, de cor cinza e completamente desfigurado, foi o local em que Goiás deu um salto definitivo que mudaria a vida de todos os goianos.

Um posto médico que atende funcionários públicos estaduais agora ocupa a antiga Assembleia e passa por uma reforma, aparentemente necessária, no telhado que prevê instalação de um novo sistema de ar-condicionado.
O telhado era a última parte do prédio histórico que permanecia intacto desde a sua abertura. Sua reposição tira de vez todas as características que marcaram o sobrado em sua inauguração. Mesmo assim, é importante que as atuais e as futuras gerações saibam do evento histórico que ocorreu naquele lugar.
Por isso, é necessário preservar o que ainda resta dele e identificar sua importância.
O Jornal Opção sugere a instalação de uma placa na entrada do prédio, com a reprodução da foto que registrou o momento único — histórico — que se deu ali.
O imóvel pertence ao patrimônio estadual. Então, em nome da preservação histórica, deveria reservar uma sala no segundo andar e reconstruir o ambiente onde o atraso deu lugar aos ventos de mudança que Goiânia acabou trazendo para o que outrora era conhecido e rotulado de “fim de mundo”.
Para facilitar essa instalação, é importante frisar e avisar que a mesa onde Pedro assinou o decreto da mudança está no bem guardada e em exposição permanente no Palácio Conde dos Arcos, na Cidade de Goiás, completamente fora de contexto.
De madeira de lei, a mesa deve retornar ao lugar de origem afim de recompor a sala onde não só o destino de Goiás mas do Brasil mudou de rumo ao abrir o caminho para que construção da nova capital do país, Brasília, saísse das pranchetas e croquis de Lucio Costa e Oscar Niemeyer se tornasse realidade.
Sem Goiânia, Brasília continuaria a ser apenas utopia. Por sinal, o presidente que construiu Brasília, Juscelino Kubitschek, se tornou senador por Goiás, na década de 1960.
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