Pedro Hidasi
Especial para o Jornal Opção
Diversos personagens de salas de aula fictícias povoam o imaginário popular. Os professores Raimundo da Escolinha, Girofales do Chaves, Pardal da Disney, Astromar de Roque Santeiro e tantos outros que aparecem em novelas, livros, filmes e seriados. Na vida real, quem ensina compõe nossa memória afetiva. Só que, felizmente ou infelizmente, lembrança não paga boleto. Na prática, heroínas e heróis do ensino precisam mesmo é de respeito e respeito traduzido em ações, insculpido no contracheque.
A questão é de tal forma séria que foi preciso fazer uma lei para os ganhos de profissional da Educação não serem tão degradantes, muitas vezes abaixo do salário-mínimo. Assim, nas férias de julho de 2008, saiu a Lei do Piso, a 11.738, assinada por Luiz Inácio Lula da Silva, que voltou a ser presidente da República, e dois de sua equipe continuam ministros, José Múcio Monteiro, da Defesa, e Dias Toffoli, agora no Supremo Tribunal Federal. Dezoito anos depois, ainda são discutidos a abrangência e reflexos da lei nas demais classes e em níveis diferentes da carreira do Magistério.
O STF de Toffoli está julgando o recurso extraordinário 1.326.541/SP, em que o Estado de São Paulo questiona os reflexos e consequente aplicação na carreira. Enquanto isso, 2 milhões de professores por todo o Brasil têm seu direito suspenso e ainda indefinido. É uma discussão sem fim, eles mal saem, e costumam se sair mal mesmo, de uma batalha, já são colocados em outra. Em 2011, uma ação direta de inconstitucionalidade questionou o piso e ficou decidido que é a referência para a estrutura da carreira. Menos que isso é estado famélico. Veja que não é teto, mas piso, que o poder público supõe ser verbo, em vez de verba, e se dá o direito de pisar nas conquistas daqueles elogiados em vídeo nas redes sociais e pisoteado no making off.
É imenso o impacto social de sapatear sobre a motivação do professor. Com tanta tecnologia, a inteligência artificial cada vez mais confirma que definidora do futuro é mesmo a inteligência profissional de quem transmite o conhecimento. Prejudicá-lo é retrocesso, mais que burrice. É vital reconhecer o valor do profissional da Educação, pois precisa continuar motivados a continuar a aprendendo e lecionando.

A Lei do Piso tem meia dúzia de artigos, consegue ser lida em dois minutos. E ficou menor ainda com os dois vetos presidenciais, um deles a pedido de governadores e prefeitos que ainda em 2008 alegaram filigranas jurídicas para impedir reparação de 1/3 no vencimento dos professores. Foi o golpe pioneiro na carteira e na aposentadoria. Diversos outros viriam. O outro trecho excluído foi o artigo 7º, que considerava improbidade administrativa descumprir qualquer fatia da lei. Enfim, os administradores se livraram de reajustar os salários e de ir para cadeia porque não reajustaram os salários. Então, a lei não é comprida, é descumprida desde que foi confeccionada.
Mesmo curta e nada grossa, seu alcance virou tema de repercussão geral no STF, em julgamento por estas semanas. O cerne jurídico é saber se o piso nacional vale para as demais classes, níveis e faixas da trajetória do professor, de modo que as estruturas remuneratórias locais preservem coerência interna acerca das diferenças legítimas entre os estágios da carreira. Em palavras simples, para até a turma do fundão entender, estamos falando de ter o prato só com arroz e farinha ou com alguma mistura, não precisa nem ser picanha.
O Supremo é composto por mestres e doutores que ostentam cátedras em seus currículos. Chegou a hora de dar aula de justiça social. Os senhores ministros e a senhora ministra da Corte são conscientes de que a jornada de 40 horas é cumprida em triplo, pois são mais 40 estudando para se atualizar e outras tantas corrigindo provas, exercícios e o comportamento dos alunos. Portanto, é questão de consciência.
A Lei do Piso manda o professor passar 2/3 do tempo interagindo com os educandos. Ele passa 3/3 e não reclama. Nenhum profissional da Educação foi ao STF enraivecido por ficar o tempo inteiro à disposição dos alunos, pois cumpre funções típicas de outros ofícios regulamentados ou não, é psicólogo, nutricionista, empreendedor, produtor de conteúdo para internet, enfim, transforma-se no que o aluno precisar. Em vez de ira, o professor tem é orgulho de ser útil. Só que orgulho não enche barriga nem paga luz ou água e muito menos quita a prestação da casa ou a conta da farmácia.
Suas excelências, os juristas e os políticos, precisam se atentar para a catástrofe de o STF não determinar a obviedade do efeito da Lei do Piso. Negado o que está na cara, prefeitos e governadores podem encaminhar o que der em suas coroadas cabeças. Quem entra recebe o piso, quem está há dez anos recebe o piso e quem vai se aposentar sai ganhando o piso, não importam graduação, especialização, dedicação, vocação.
Como diria o saudoso Professor Raimundo, o salário, ó…
Pedro Hidasi é advogado.
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