Que Deus te dê o reino dos céus!

Deus te dê o reino dos céus. Minha vó tinha mania de falar essa frase quase todos os dias enquanto a gente se abraçava. Eu dizia sempre amém, mas acho que eu nunca pensei na força dessa frase até a missa de sétimo dia. Foi ali, de olhos fechados, rezando, na igreja que mais frequentei durante a minha vida, que eu percebi a potência dessa oração. Como um filme eu revi dezenas de abraços com a mesma frase saindo da boca dela: “Deus te dê o reino dos céus”. Existe coisa mais bonita pra se desejar a alguém?

Há 40 dias ela se foi. A dona Angélica, a bisa dos meus filhos. Minha vó. A mãe da minha mãe. 40 dias que os cafés da manhã e da tarde são mais solitários e que a gente sente um vazio estranho. A morte da minha vó me fez viver um luto diferente de todos os outros que já tinha vivido. Uma vida longa, quase 90 anos, uma certeza de que eu fui presente, amei tudo que podia até o último respiro. É uma saudade apertada, mas não é avassaladora.

Eu chorei no dia 28 de abril. Chorei poucas vezes de lá pra cá. Mas ontem eu chorei lembrando de uma bobagem. Lembrei de quando ela lavava a louça e eu apertava a bunda dela: “Nossa, vó, minha bunda vai ficar mole desse jeito?”. Rindo e se encolhendo ela tinha mania de responder, brava: “Larga de ser fresca”. Senti saudade do cheiro vindo da cozinha e do grito que virou sussurro depois que o Matheus nasceu: “Já fiz o café”.

No velório da minha avó, não teve muito choro. Era uma tristeza diferente, mas uma certeza de que era a hora certa. Ela tinha 89 anos e nas últimas semanas a gente até inventou de colocar ela pra fazer exercícios e caminhar no quintal. Ainda cozinhava, lavava a louça, comia desesperadamente, pintava livros de colorir e fazia panos de prato. Lúcida, contava histórias da infância e da juventude. E ela tinha um medo: ficar acamada.

Ela teve um AVC. De início os sintomas não foram tão claros. Os primeiros exames não confirmaram o diagnóstico e uma bateria de novos exames foi feita pela segunda vez. Nada! Mas em poucos dias lá estava ela do jeito que ela mais temia. Em uma cama, sem conseguir se comunicar direito, de fralda, dependente. Levada por uma ambulância depois de uma trombose pulmonar, confirmado o AVC. Internada.

No hospital foram três dias de luta. A sonda que não funcionava. Ficou mais de 48 horas acordada. Não tivemos dúvida. Rezamos pra mãe do céu e entregamos a nossa dona Angélica. Minha mãe disse pra ela que podia ir em paz, que tudo ia ficar bem e que ela não precisava sentir medo. Ela alcançaria o reino dos céus. Minha vó morreu dormindo.

Depois de semanas olhando todos os detalhes da festa que eu preparava pro Matheus, ela não estava lá com a gente. Morreu na segunda. A festa era sábado. Envergonhados, muitos convidados não sabiam como perguntar se iríamos manter a comemoração. Decidimos que sim e pra uma amiga eu disse a seguinte frase: “De nada adianta chorar a morte, se a gente não souber celebrar a vida”. E é isso. Não tem sido fácil celebrar as coisas porque falta um pedacinho da nossa família. Em 40 dias eu não tinha ainda conseguidos voltar a escrever meus textos. Mas por aqui, vó, a vida segue. E a gente tá com uma saudade danada do seu café!

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