Margot Fonteyn e David Wall dançaram no Teatro Goiânia que Irapuan Costa Jr. restaurou

No dia 19 de março de 1978 — há exatos 47 anos —, o título “Esplendor e Glória no Teatro Goiânia”, feito pela colunista social Daura Sabino, editora da coluna social mais lida de Goiás e publicada no Jornal Opção, sintetizou o renascimento do Teatro Goiânia.

Como fênix, com uma reforma e restauração que durou quase dois anos, o Teatro Goiânia renasceu das cinzas — belo imponente no seu estilo art déco.

O teatro estava praticamente abandonado, um verdadeiro caos. Na sua reabertura, Goiás convocou, por assim dizer, o Brasil e o mundo ao atrair para dançar no palco do Teatro Goiana a bailarina britânica Margot Fonteyn, uma das maiores estrelas da história do balé transnacional.

Com sua pena e teclas de sua Olivetti — ainda não havia computadores nas redações —, Daura Sabino cobriu os acontecimentos de maneira ampla. Os holofotes eram dignos de Hollywood, com tapete vermelho — afinal, uma diva estava em Goiânia, abrilhantando a cidade — e estrelas internacionais.

No final dos anos 1970, as colunas sociais eram incontornáveis. Zózimo Barroso do Amaral, LBP (Lourival Batista Pereira) e Ibrahim Sued davam as cartas no país. Em Goiás, “sair na Daura” — na linguagem da época — era chegar ao céu do jet set. Quem aparecia na sua coluna se tornava “socialite”.

Margot Fonteyn e David Wall: bailarinos que encantaram os goianos | Foto: Reprodução

A reinauguração do Teatro Goiânia, em 18 de março de 1978, entrou para a história de Goiás e do teatro brasileiro.

Assim escreveu Daura Sabino: “Goiás viveu uma de suas mais fulgurantes noites dos últimos anos [na época, a capital de Goiás era uma senhora de meia idade, aos 54 anos), seguramente a maior, com a reabertura do Teatro Goiânia, inteiramente remodelado e entregue exclusivamente às atividades culturais. De especial, além da própria casa de espetáculos, que nada tem a ver com o velho Cine Teatro Goiânia, sem favor, uma das mais modernas de todo país, ocorreu a exibição da divina Margot Fonteyn, o gênio da dança do século XX, fundindo-se tudo numa noite memorável e inesquecível”.

Repórter atenta, Daura Sabino chama a atenção do leitor para a presença do fundador de Goiânia no evento: “Uma presença significativa foi a do ex-governador Pedro Ludovico Teixeira, nos seus 86 anos (faleceu um ano depois, em 1979), o responsável pela construção do teatro.

O fundador de Goiânia atendeu o especial apelo do então governador Irapuan Costa Junior — jovem de 40 anos — e compareceu à reinauguração do teatro.

O Jornal Opção conta a história de Margot Fonteyn e David Wall em Goiânia | Foto: Jornal Opção

(O Teatro Goiânia foi o berço do batismo cultural de Goiânia, inaugurado pelo interventor do Estado de Goiás, Pedro Ludovico Teixeira, em 5 de julho de 1942. Para muitos historiadores, trata-se da data que, de fato, marca a fundação de Goiânia.)

Em seguida ao descerramento da placa, os convidados do governador Irapuan Costa Junior assistiram ao espetáculo — quase uma Broadway em Goiás.

Daura Sabino admite que não sabia muito sobre balé, mas exalta a convidada de honra, Margot Fonteyn. (Irapuan Costa Junior fez questão de trazê-la para dançar em Goiás. Para tanto, moveu mundos e fundos, como se dizia na época.)

Momento de epifania: Margot Fonteyn e David Wall

“No palco, aquela que será sempre a ‘prima ballerina assoluta’: Margot Fonteyn com seu partner David Wall, consagrado pela crítica especializada como um dos cinco grandes bailarinos da atualidade (David Wall foi partner de dame Fonteyn no ballet Floresta Amazônica, primeiro grande balé com tema e música brasileiros). Goiás, no coração do Brasil, pulsava mais forte. Os espectadores foram envolvidos pelo mito Margot e pelas obras dos consagrados compositores brasileiros: Heitor Villa-Lobos, Ernesto Nazareth e Marlos Nobre”, contou a repórter-colunista.

A colunista registra a presença de Ana Botafogo, que, prestes a completar 20 anos (hoje tem 67 anos), dava seus primeiros passos rumo à fama. Ele foi cedida para o Teatro Goiânia pelo Teatro Guaíba, do Paraná. Mais tarde, como bailarina número um do Teatro Municipal, no Rio de Janeiro, se tornou uma referência nacional e internacional.

Atenta aos detalhes, Daura Sabino anotou: “‘Em Romeu e Julieta’ (pas de deux), na cena do balcão, o espetáculo atingiu o auge da perfeição, na tradução do amor poucas vezes igualado em gestos e musicalidade excelente e admirável, da meiga e, ao mesmo tempo, inocente Fonteyn, que dançou como em êxtase. Os dois maiores bailarinos da temporada juntaram-se harmoniosamente, para suprema felicidade dos privilegiados atentos. É difícil entender balé [confessa a colunista]. Fácil é, entretanto, sermos atingidos pela beleza do que nos foi oferecido na inauguração do Teatro Goiânia”. Afinal, como disse um escritor, a beleza há de salvar o mundo.

Logo depois, Daura Sabino descreve o encontro do governador Irapuan Costa Júnior, anfitrião da noite — e, segundo a colunista, “o cavalheirismo na arte de receber” —, e a bailarina Margot Fonteyn.

Para o deleite dos leitores, a perspicaz Daura Sabino contou, de maneira detalhada, como ocorreu a recepção oferecida pelo governador Irapuan Costa Junior à bailarina do Reino Unido e ao seu parceiro de palco, no Palácio das Esmeraldas. A beleza da Casa Verde teria impressionado os bailarinos.

“Depois da inauguração do Teatro Goiânia e fechando o círculo de comemorações do terceiro aniversário de sua administração, o governador Irapuan Costa Junior ofereceu uma recepção no Palácio das Esmeraldas [sede oficial do governo de Goiás), a que se fizeram presentes todo o secretariado e, como homenageados especiais, Margot Fonteyn, David Wall e todo corpo de baile do balé do Rio de Janeiro. As mesinhas foram distribuídas no salão nobre, todas enfeitadas com pequenos buquês de flores tropicais, decoração bastante elogiada pela homenageada especial. O menu constou de Consumé à la viande clarifié e roastbeef aux champingnons, e na sobremesa doces brasileiros. Margot Fonteyn vestia um beje que moldava seu corpo escultural, completando-se o traje com uma écharpe do mesmo tecido enriquecido por adereços de brilhantes”, relatou Daura Sabino.

Pedro Ludovico aparece nas fotografias | Foto: Jornal Opção

Na mesma edição de 19 de março de 1978, o Jornal Opção abriu meia página para a inauguração do Teatro Goiânia. O relato do repórter: “A completa remodelação do Teatro Goiânia, que passou a contar com sofisticados equipamentos cênicos, acústicos e de iluminação, além de fino acabamento de interiores, marca, sem dúvida, uma nova fase para a arte goiana, propiciando um novo alento à nossa cultura. Para a inauguração de uma casa de espetáculos, na categoria do Teatro Goiânia, o governo de Goiás se preocupou em montar uma programação em nível internacional”.7

O jornalista acrescentou: “A contratação de Margot Fonteyn e David Wall para a temporada de abertura mostra o interesse do governador Irapuan Costa Junior em dar a maior dimensão possível à esta obra. Não se regateou nos gastos, objetivando dotar o Teatro de todas as condições necessárias para se tornar uma casa de espetáculos de primeira classe. Os gastos já feitos com iluminação (sistema importado), sistema sonoro também importado do Japão, cenografia e figurinistas atestam isso”.

Depoimento de Pedro Ludovico sobre o teatro

A matéria chama a atenção para o depoimento de Pedro Ludovico, fundador de Goiânia e construtor do Teatro, na década de 40: “Há 30 anos, aqui estive neste terreno, que era um brejo, um lugar onde só havia água. Estava comigo, ao meu lado, o presidente Getúlio Vargas. E ele mesmo talvez não acreditasse que esta obra prosseguisse, porque, naquela época, não havia mais do que cinco ou seis prédios nessa campina goianiense. De maneira que me sinto satisfeito em estar aqui, assistindo a reinauguração desta obra pelas mãos do governador Irapuan Costa Junior. Porque é uma grande obra e ele merece aplausos”, disse, ao adentrar o saguão do novo Teatro Goiânia, “na noite em que o governador entregou à população goianiense (e goiana) a nova casa de espetáculo, que, após a reforma, foi categorizada como a terceira mais importante do país”.

Margot Fonteyn: estrela do balé internacional | Foto: Reprodução

Segundo o Jornal Opção, “o chefe do executivo goiano estava muito emocionado para fazer um longo discurso. Nem o momento o exigia porque a obra em si falaria mais que as palavras. Mas, ao desatar o laço à porta do Teatro, Irapuan fez mais que um discurso, preferiu improvisar num sincero desabafo: ‘Aqui, praticamente encerram as solenidades de comemoração do terceiro aniversário do meu governo, e a obra vem abrir novas perspectivas para a cultura e para o lazer goiano. Nós consideramos que hoje o governo do Estado resgatou para consigo mesmo, para os meios culturais goianos e para com todo povo desta terra, um compromisso de honra que há muito vem sentindo”.

Na coluna “Fatos”, uma das mais lidas à época no Jornal Opção, uma nota, digamos reveladora, contou como foi concorrido o evento que “parou Goiás” — expressão até hoje usada com frequência pelos goianos.

A nota saiu com o título sintético: “Teatro Goiânia”. Seu conteúdo: “Como já se previa, a questão dos convites para a inauguração do Teatro Goiânia acabou passando perto de gerar mais uma crise política para o governo do Estado. Foi uma verdadeira guerra santa de cavaleiros de setores diversos da sociedade em busca daquilo que certamente imaginaram seria a confirmação do status e do prestígio no society local: um convite para a noite de inauguração, quarta-feira passada, quando alguns privilegiados e sisudos senhores do black tie tiveram o deleite de assistir dame Margot Fonteyn evoluir graciosamente ao lado de David Wall”.

Daura Sabino: hábil cronista da reabertura do Teatro Goiânia | Reprodução/Arquivo pessoal

O repórter acrescentou: “O serviço de Relações Públicas do Palácio que se encarregou de distribuir os convites entrou em polvorosa. O professor Amaury Menezes, coitado (chefe do departamento) foi quem acabou pagando o pato, já que muitos dos infortunados que ficaram de fora dificilmente o perdoarão pela ‘injustiça’. Outra inauguração dessa, o professor Amaury Menezes não aguenta” (por sinal, o artista plástico está vivo, com 95 anos).

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Escolha de Margot Fonteyn resultou de decisão de Irapuan Costa Jr.

No princípio, a presença da grande bailarina Margot Fonteyn em Goiás foi motivo de chacota.

Sua vinda para a inauguração do Teatro Goiânia custou caro aos cofres públicos. Mas a reforma do prédio — até hoje considerada uma das melhores iniciativas do governo de Irapuan Costa Junior — resolveu um problema que afligia o meio teatral da cidade.

A presença de Margot Fonteyn na reabertura do Teatro Goiânia foi uma determinação pessoal do próprio governador, que contou com a ajuda de sua equipe de governo para trazê-la a Goiânia.

A bailarina inglesa era a maior expressão do balé mundial e há décadas ocupava o posto máximo de bailarina número um do Royal Ballet de Londres.

Honrada com o maior título que uma artista poderia receber na Inglaterra, à época, Margot Fonteyn condecorada como “a grande dama do Império Britânico”.

Tê-la em apresentação no palco goiano foi algo inimaginável em 1978. Cosmopolita e avesso ao provincianismo, Irapuan Costa Junior estava certo. Ele disse, com um ato e não com retórica, que a cultura é o centro do universo.

Margot Fonteyn, o Ballet do Rio de Janeiro e David Wall, em três dias de apresentações, confirmaram o acerto da escolha e presentearam o povo goianiense com musicalidade, beleza e requintes da arte em Goiás. Parafraseando Pedro Ludovico, “nunca antes visto nesta campina goianiense”.

Dizem que ninguém é imprescindível. Pode até ser que isto seja verdade. Mas, se não fosse o indivíduo Irapuan Costa Júnior, um jovem então com 40 anos, Margot Fonteyn, David Wall e Ana Botafogo teriam dançado em Goiânia? É provável que não. Por isso o escritor, tradutor (traduziu o filósofo inglês Herbert Spencer), crítico literário e colunista do Jornal Opção é visto por tantos como o “governador da cultura em Goiás”.

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Tesouro art déco, o Teatro Goiânia chegou a ficar abandonado

Desde sua abertura, em 1942, o Teatro Goiânia foi palco de memoráveis solenidades históricas da cena cultural do Estado de Goiás e de sua capital. Ele integra o conjunto arquitetônico do estilo art déco que marca o início de Goiânia, e levou dois anos para ficar pronto.

No dia 5 de julho de 1942, a casa de espetáculos foi inaugurada por Pedro Ludovico, como símbolo máximo do Batismo Cultural de Goiânia. Mas tinha outro nome: Cine Teatro Goiânia. Destinava-se, portanto às plateias de cinema e teatro. Só que o palco tinha dimensões reduzidas e impróprias para a montagem de espetáculos amplos e sofisticados. Por isso, no seu início, jamais ofereceu condições para apresentações teatrais e acabou virando um grande e luxuoso cinema — que contava com equipamentos modernos e sofisticados para exibição de filmes e acomodações confortáveis. Tanto que passou a ser chamado apenas de Cine Goiânia, entre as décadas de 40, 50 e meados dos anos 60, quando entrou em declínio.

Para se ter uma ideia, a precariedade do Cine Goiânia chegou ao ponto de torná-lo apenas palco para festivais de música para plateias secundaristas nem ordeiras, além da exibição de filmes decadentes — até que foi, literalmente, abandonado.

No início dos anos 1970, o prédio tinha rachaduras nas paredes, encanamento comprometido, cortinas, poltronas e carpetes destruídos, equipamentos sucateados, camarins e banheiros inutilizáveis. Até que, em 1976, foi finalmente fechado para uma minuciosa reforma que durou dois anos e transformou o Cine Goiânia em Teatro Goiânia, uma das casas de espetáculos mais requintadas bem equipadas do país. Até hoje recebe peças de teatro e concertos musicais.

Na época, o prédio em estilo art déco, ainda não tinha sido tombado pelo Iphan como patrimônio histórico, o que só aconteceu em 2003.

No entanto, e ainda bem, que houve a preocupação do governo estadual em preservar a fachada — mesmo tendo que gastar um pouco mais que o previsto para que isso fosse possível.

O investimento na reforma foi maior do que se gastaria para a demolição e construção de um novo teatro. Foram trocados o telhado, a tubulação, o calçamento, as luminárias internas. As paredes receberam tratamento especial de restauradores que conseguiram chegar à pintura original do prédio.

Cortinas, carpetes, poltronas e o piso do palco foram substituídos com o melhor da época. Novos equipamentos cenotécnicos foram trocados e o que um dia foi um cinema passou a funcionar definitivamente como um teatro.

O Teatro Goiânia, num esforço pessoal do governador Irapuan Costa Junior, redimiu os problemas da classe teatral de Goiás (e até de vários Estados, como Rio de Janeiro e São Paulo) e deu fim à improvisação, fornecendo ao público goianiense a possiblidade de participar do desenvolvimento da cultura e das artes no país.

Mais de 20 anos depois, em 1998, a casa foi novamente reformada e mais uma vez reequipada, retomando, mais uma vez, o posto de um dos teatros mais modernos do país. Hoje, o Teatro Goiânia é um patrimônio tombado pelo Instituto Histórico e Artístico Nacional e está em pleno funcionamento. A bela casa está na lista da Secretaria de Cultura do Estado de Goiás para nova restauração.

[Leia na segunda-feira, 9, a entrevista do ex-governador Irapuan Costa Junior a respeito de Margot Fonteyn e David Wall e da inauguração do Teatro Goiânia]

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