A fúria de Fidel Castro com abaixo-assinado do Senado brasileiro cobrando democracia em Cuba

A recente ordem de prisão do ex-presidente Fernando Collor me fez lembrar um episódio ocorrido 35 anos atrás.

No início de 1990, Brasília estava em efervescência: após 30 anos, tinham ocorrido eleições diretas para a Presidência do Brasil, e Fernando Collor de Mello, que batera Lula da Silva nas urnas, estava prestes a tomar posse.

Corriam os últimos dias do governo Sarney, que herdara o posto com o falecimento de Tancredo Neves, de quem era vice. Previa-se uma grande solenidade, com a presença de chefes de Estado estrangeiros, e Brasília se engalanava para os festejos.

Estava no meu gabinete no Senado, quando um secretário da Embaixada Americana, com quem eu tinha amizade — e que sempre tinha informações privilegiadas — revelou-me em primeira mão: “Fidel Castro vem para a posse. Sarney convidou e ele aceitou”.

Duvidei a princípio, mas meu amigo não costumava errar. O que vinha um tirano, há 30 no poder, fazer numa festa essencialmente democrática?

Estávamos festejando uma eleição para o cargo máximo da nação, coisa impensável na Cuba ditatorial de Fidel Castro. Ele financiara os movimentos armados que haviam se insurgido contra o regime militar, e até havia treinado militarmente os jovens que haviam pegado em armas, mas o que ele colimava para o Brasil não eram democracia e eleições livres, como as que fizéramos, mas uma ditadura tal e qual ele exercia em sua ilha.

Fidel Castro, ditador de Cuba, e José Sarney, presidente do Brasil | Foto: Ricardo Chaves/AE

Não que eu duvidasse do convite de Sarney, que sempre servia a Deus e a Mamon ao mesmo tempo. Mas achava tão imprópria essa presença, que duvidei a princípio. Mas, como o episódio provou, nunca se deve fazer pouco da desfaçatez de um tirano. E a vinda de Fidel Castro só foi anunciada nas vésperas da posse.

Mas eu já maquinava algo. Preparei um abaixo-assinado, no qual o Congresso Brasileiro se dirigia a Fidel Castro, lhe dava boas-vindas e o conclamava a tomar como exemplo a bela festa brasileira de democracia que presenciava e promover também em Cuba uma grande festa cívica, cedendo anistia aos oposicionistas presos ou banidos e realizando eleições livres para a Presidência e para um Congresso representativo da vontade popular cubana.

Aproveitei os poucos dias de que dispunha antes da posse e a presença maciça de deputados e senadores em Brasília e saí à cata de assinaturas. Foi mais fácil que eu pensava.

À exceção de PT, Partido Comunista Brasileiro (PCB) e Partido Comunista do Brasil (PC do B), congressistas dos outros partidos assinaram de boa vontade.

Devo lembrar ainda que o PSOL — felizmente — não existia. Se existisse, nenhum seu filiado também assinaria. Até Fernando Henrique Cardoso (era senador, então) acabou assinando, ainda que um tanto constrangido. O fato é que, no dia da chegada de Fidel Castro, à véspera da posse, eu tinha colhido assinaturas em número superior a dois terços da totalidade dos congressistas.  

Agora, tocava fazer a entrega. Era necessário que o documento chegasse às mãos do ditador. Não que fizesse algum efeito. Sabíamos que Fidel Castro nunca abriria as portas do poder ao povo em sua ilha, como não abriu.

Fidel Castro e Leonel Brizola: aliados políticos | Foto: Reprodução

Fidel Castro morreria na cadeira de ditador, em 1916, cadeira imediatamente ocupada por seu irmão Raúl Castro. Mas o abaixo-assinado não deixava de ser uma lição oportunamente aplicada.

Minha chefe de gabinete era uma competente advogada, gaúcha de nascimento, Marian Berwanger, que residia em Lisboa na época da revolução dos Cravos e que havia sido posta para fora de casa, com o filho de 5 anos, apenas com a roupa do corpo, pelos comunistas portugueses que lhe confiscaram a moradia.

Marian Berwanger era na época mulher de um advogado famoso em Portugal (que naquele momento se encontrava no Brasil), logo um “lídimo representante da burguesia exploradora”, por isso a violência.

A advogada Marian Berwanger tinha suas razões para não gostar dos comunistas e se propôs a fazer a entrega: “Eu vou à Embaixada de Cuba e faço chegar o documento com as assinaturas às mãos de Fidel. Não creio que façam uma desfeita para uma dama”, disse, sorrindo. Ela merecia a missão.

Entreguei o documento a Marian Berwanger e aguardei sua volta. Voltou pouco depois, um tanto decepcionada por não ter feito a entrega a Fidel Castro, pessoalmente.

O embaixador cubano alegava que Fidel Castro se encontrava em repouso, pois estava indisposto. Mas que ele, embaixador, daria recibo do documento e faria a entrega, pessoalmente, ao ditador.

Eu já suspeitava disso. A embaixada cubana já teria sido alertada do abaixo-assinado por algum bajulador do PT ou de um dos partidos comunistas, e Fidel Castro se furtaria a receber em pessoa o documento.

Mas por outro lado, não deixaria de tomar conhecimento dele, pois o embaixador não teria coragem de descartá-lo. Como todo ditador, Fidel Castro estaria curioso para tomar conhecimento de um documento que lhe dizia respeito.

Veio a posse, com toda a solenidade, chefes de Estado compareceram, como o presidente argentino, Carlos Menem, e os primeiros-ministros espanhol, Felipe González, e italiano, Giulio Andreotti, além do vice-presidente dos Estados Unidos, Dan Quayle.

Fidel Castro estava presente, mas, como sempre exibia má catadura, não podíamos saber se era por reação ao abaixo-assinado. Mas ele não nos decepcionaria.

Na véspera de seu embarque para Cuba, Fidel Castro, que estava no Rio de Janeiro, compareceu a um jantar promovido por Leonel Brizola, ex-governador (e futuro governador, no ano seguinte), onde não faltaram aduladores e boas doses de rum e vodca.

Foi quando Fidel Castro reagiu ao abaixo-assinado. Discursou ao final do rega-bofe, e furibundo, verdadeiramente exaltado, talvez auxiliado por algumas doses de rum, relatou aos puxa-sacos presentes, que havia recebido aquela absurda conclamação.

O ditador frisou que era um supremo atrevimento do Congresso brasileiro pretender se imiscuir nos assuntos internos de Cuba. E que, além disso, era uma ignorância não saber que o regime cubano era o que havia de mais perfeito em termos de democracia popular. E que nada mais desnecessário do que fazer eleições em Cuba, pois todos sabiam que ele ganharia. (Verdade: desafiá-lo era enfrentar o “paredón”).

Bingo! Fiquei satisfeito. Havíamos atingido o objetivo, modesto, mas o único ao nosso alcance, perante uma ditadura feroz (tão feroz, que persiste até hoje). E o muro de Berlim já havia caído, com o mundo todo já tomando consciência dos horrores do comunismo.

O post A fúria de Fidel Castro com abaixo-assinado do Senado brasileiro cobrando democracia em Cuba apareceu primeiro em Jornal Opção.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.