Você já se perguntou de onde vem o seu sobrenome e o que ele pode dizer sobre a história da sua família e do Brasil? Sobrenomes comuns como Rodrigues escondem séculos de transformações sociais, políticas e culturais.
Segundo a doutora em linguística Letícia Santos Rodrigues, ao G1, entender a origem dos nomes de família é também compreender a própria identidade brasileira. Sobrenomes como Rodrigues são chamados de patronímicos, ou seja, indicam a descendência a partir do nome do pai — nesse caso, “filho de Rodrigo”.
Esses nomes surgiram no século XII, quando apenas o primeiro nome já não bastava para distinguir as pessoas em comunidades em crescimento. Letícia Santos Rodrigues, pesquisadora da USP e apaixonada por onomástica (a ciência que estuda os nomes próprios), dedicou cinco anos ao estudo dos sobrenomes mais comuns no Brasil.
Ela analisou cerca de 50 mil nomes, e compilou 1.707 deles em um dicionário etimológico com base em documentos históricos e registros de imigração.
As 8 categorias de sobrenomes no Brasil
Durante sua pesquisa, Letícia classificou os sobrenomes brasileiros em oito categorias principais:
- Patronímicos – Indicam filiação paterna.
Ex: Rodrigues, Antunes, Domingues. - Profissões e materiais – Derivam de ofícios ou funções.
Ex: Ferreiro, Bronze, Machado. - Características físicas e comportamentais – Ligados a traços pessoais.
Ex: Salgado (espirituoso), Batata (usado de forma pejorativa). - Geográficos e vegetação – Relacionados a locais ou plantas.
Ex: Pereira, Oliveira, Pedroso, Brasileiro. - Religiosos – Referências à fé e à Igreja Católica.
Ex: Santos, Nascimento, Bonfim. - Animais – Usados por analogia simbólica ou de prestígio.
Ex: Coelho, Lobo, Pinto. - Antropônimos – Nomes próprios transformados em sobrenomes.
Ex: Duarte, Vitor, Paulino. - Agnomes – Complementos como Filho, Júnior, Neto, usados para distinguir gerações.
A maior parte dos brasileiros carrega sobrenomes de origem ibérica (portuguesa ou espanhola). De acordo com o IPEA, cerca de 87,5% da população brasileira possui esse tipo de nome, refletindo o impacto da colonização portuguesa e das ondas migratórias dos séculos XIX e XX.
Letícia utilizou documentos como:
- registros da Hospedaria de Imigrantes do Brás (1887–1889),
- passaportes de portugueses (1888–1890),
- arquivos da Universidade de Coimbra,
- e até listas de aprovados na Fuvest (2017).
Além dos sobrenomes herdados, Letícia analisou também nomes “inovadores”, criados após a abolição da escravidão em 1888. Nomes como Francinaldo ou Julivaldo surgiram como expressões de liberdade.
“Muitos libertos não queriam manter os nomes dados pelos antigos senhores e também não tinham acesso aos nomes africanos originais. Então, criaram novos nomes baseados em sons conhecidos”, explica a pesquisadora.
Esses nomes são uma forma de reconstrução identitária, marcando o rompimento com o passado escravocrata e o início de uma nova história familiar. Com o tempo, muitos nomes de família perderam o significado literal.
Nomes como Figueira ou Campos, por exemplo, são raramente associados a árvores ou paisagens. “Hoje, o sobrenome é apenas uma marca de família. Não define mais a pessoa, mas ainda carrega pistas sobre suas origens”, afirma Letícia.
Segundo Letícia, estudar os nomes é mergulhar na história do Brasil: dos santos à geografia, das profissões à religião, dos mitos à resistência cultural.
“Sobrenomes como Pontes, Lima, França ou Nonato são vestígios linguísticos que revelam deslocamentos, tradições e até intervenções médicas históricas, como o caso de Nonato, ligado à primeira cesariana registrada.”
Ela ressalta ainda que o dicionário — que deverá ser publicado futuramente — é um projeto vivo e em constante expansão. O objetivo é que qualquer pessoa possa encontrar ali a origem e o significado do seu sobrenome.
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