As Vinhas da Ira: romance de John Steinbeck é aula de literatura, economia e história

                                

Salatiel Soares Correia

A expressão “sonho americano”, por muitos anos, representou a crença dos norte-americanos de que os Estados Unidos são a terra de oportunidades para quem trabalha arduamente. Essa crença coletiva é o que leva o cidadão que vive nesse país a prosperar. E o que resulta disso? Ascender na escala social.

A filosofia do Sonho Americano, cunhada do livro “Epic of America”, do escritor James Truslow Adams, atrela oportunidade a trabalho duro.

Dito de outro modo: se alguém se esforçar com garra acabará triunfando.

O Sonho Americano simbolizou uma injeção de ânimo nos Estados Unidos, que viram seu capitalismo ir às cordas com a grande depressão de 1929. Graças à genialidade do inglês John Maynard Keynes e ao New Deal do presidente Roosevelt, o capitalismo revigorou-se e voltou à sua plenitude neste mundo que se globaliza cada vez mais.

Fiz esse preâmbulo para apresentar ao leitor um livro, publicado em 1931, que levou uma saraivada de críticas de jornais tipicamente capitalistas, como o prestigiado New York Times.

E isso aguçou minha curiosidade a ponto de interromper a sequência de outras leituras para me concentrar no entendimento de um clássico da literatura americana. O livro em questão é “As Vinhas da Ira”, do escritor estadunidense John Steinbeck.

Trata-se de um romance que expressa a luta do indivíduo contra a sociedade, que se dá por meio da saga da família Joad. A dinâmica do livro denuncia a vida dura dos perdedores em um país que cultua a liberdade como forma de escolha e é repleto de oportunidades. “Vinhas da Ira” vai de encontro à liberdade de escolha do indivíduo, pelo fato de que, para ser livre, o cidadão necessita ter algo que os Joads não têm: emprego e renda.

John Steinbeck: um dos maiores prosadores norte-americanos | Foto: Reprodução

Ao ser laureado com o prêmio Nobel de 1962, o autor provou ao mundo que seu livro passou, com louvor, no teste do tempo. Posto isso, apresentemos o autor.

Quem é o autor: breve biografia

John Steinbeck nasceu em 1902, em Salinas, na Califórnia. Ele ingressou na Universidade de Stanford, porém não completou o curso de literatura.

Antes de se tornar um autor reconhecido internacionalmente, Steinbeck teve empregos variados. Inúmeros lugares nos quais trabalhou foram retratados, pelo autor, em seus livros.

Decisivamente, Jonh Steinbeck teve empregos em que estavam presentes as vítimas do capitalismo selvagem, que ele tão bem retratou em muitos dos seus escritos. Esses trabalhos  revelam a natureza selvagem do capitalismo estadunidense. São eles plantações, construção de rodovias, indústria de sardinhas. Steinbeck viveu por uns tempos em Nova York e lá escreveu seu primeiro romance.

Antes de ser reconhecido, Steinbeck escreveu livros que foram paulatinamente contribuindo para colocá-lo no seleto grupo de grandes escritores dos Estados Unidos  chamado “Tempos passados.” De volta Califórnia ele publicou um romance entitulado “Tortilla Flat”. É também de sua autoria o romance “ A Leste do Éden” e, enfim:” As Vinhas da Ira.” Com esta publicação, John Steinbeck recebeu o mais importante prêmio da literatura norte-americana, o Pulitzer, em 1940, além do prêmio Nobel, em 1962. Quatro anos mais tarde, John Steinbeck veio a falecer. Transcorridos 52 anos de seu falecimento, o legado de John Steinbeck perdura como sempre foi: vivo e brilhante.

Saga dos Joad contradiz sonho americano

A fuga dos judeus para o Egito liderada por Moisés, neste mundo, e por Deus, no outro, foi a fonte inspiradora para que Jonh Steinbeck descrevesse a saga da família Joad. Esse clã atravessou todos os Estados Unidos (de Oklahoma, onde viviam, até a Califórnia, um trajeto de quase 3.000 quilômetros) em busca de melhores condições de vida.

Viver sem emprego, sem condições de cultivar o algodão e pressionados pelos representantes do capitalismo selvagem, foram fatores que deixaram os Joads sem alternativas para permanecerem em sua terra natal. Por isso a família decidiu migrar para o estado mais rico dos Estados Unidos: a Califórnia. Os Joads não tinham alternativa, senão lutar pela sobrevivência no estado mais rico dos Estados Unidos.

Quem assumiu a liderança para conduzir essa família de migrantes foi o filho Tom Joad – que acabara de sair da prisão, por ter assassinado um homem em uma briga de bar. Tom Joad representa a unidade familiar de migrantes que lutam pela sobrevivência.

Cabe, aqui, a seguinte indagação: por que os Joads desconsideraram o crime cometido pelo filho e escolheram-no para ser o Moisés que conduziu seu povo para a terra prometida? Eis a resposta: pelo seu caráter.

Passada essa fase de definições de responsabilidades, a família vendeu tudo que tinha e, com os poucos dólares arrecadados, partiu, em um pequeno caminhão, rumo à terra prometida, em busca do sonho de uma vida melhor. Agregou-se ao clã, a convite de Tom Road, um ex-pastor que ele conhecera quando saíra da prisão, Jim Casey. Iniciada a travessia, cabe ressaltar que espécie de sonhos povoava a imaginação desses imigrantes em busca de uma vida melhor.

Certamente, não era o Sonho Americano do esforço recompensado pelo trabalho. Distantes desse sonho, os Joads sonhavam com a sobrevivência de um emprego que sustentasse a prole com mais dignidade. Resumindo: o Sonho Americano promete a riqueza oriunda do trabalho, mas os Joads tinham um sonho bem mais modesto: o emprego que possibilitaria a sobrevivência do clã.

O livro é, antes de tudo, uma denúncia contra as mazelas vividas sob o capitalismo selvagem de gente que luta pela sobrevivência e pela dignidade humana em condições desesperadoras.

John Steinbeck uma das vozes mais poderosas da literatura americana | Foto: Reprodução/Montagem do Jornal Opção

Creio que esses escritos são a oportuna constatação de um autor que preferiu ser coerente consigo mesmo, mesmo sabendo que sofreria duros ataques por ter ido contra à cultura de um país que cultua a riqueza. “As Vinhas da Ira” é uma obra maior, de forte apelo social, que obteve sucesso mundo afora, mesmo tendo adversários como o jornal New York Times. Sobreviver como boias-frias no estado mais rico dos Estados Unidos era tudo que desejava aquela família, excluída do processo de desenvolvimento. “As Vinhas da Ira” descortina uma realidade que o Sonho Americano esconde: as vítimas do capitalismo selvagem maculam a imagem norte-americana impregnada de liberalismo, no qual o consumidor é o senhor de suas próprias escolhas. Decididamente, os Joads não eram senhores de suas próprias escolhas. Quem não tem renda não é livre para escolher seu próprio destino.

A resposta do autor, ante as críticas que recebia da imprensa de seu país, não poderia ser mais adequada, respondem por ele os mais cobiçados prêmios que ganhou: o Pulitzer e o Prêmio Nobel. Passados mais de 90 anos de sua publicação, a obra-prima de John Steinbeck continua mais viva do que nunca.

Quem é quem no romance

Com o objetivo de situar os leitores no todo do romance, faz-se necessário apresentar os personagens principais de “As Vinhas da Ira”. Assim, apresento um resumo dos principais membros e credito à Wikipedia a análise individualizada de cada um dos personagens.

Excetuando o ex-pastor Jim Casy, que não pertencia a essa família de migrantes, a grande maioria dos personagens integra o clã da família Joads.

Tom Joad foi preso por matar um homem durante uma briga de bar. Em liberdade condicional, ele vai ao encontro de sua família. Tom era simples, porém com caráter forte, apesar do erro do passado, era o eixo da família, pois ajudava seu pai no sustento de todos, e o seu elo com a mãe era muito forte, ambos se apoiavam.

Al Joad, irmão de Tom, desde a prisão deste, ajudava no sustento da família. Era fanfarão, mulherengo, caminhoneiro, devido à sua paixão por carros, queria ser mecânico de automóveis.

Tommy Joad (pai) perdeu o controle da família e carregava uma culpa dentro de si em relação ao filho Noah (deixou o menino cair do colo).

Ma Joad Matriarca da família, protetora do filho Tom,

Noah Joad – irmão mais velho de Tom – era quieto, observador. Tinha problemas mentais.

Weinfeld Joad – irmão caçula – era criança e portava-se como tal.

Ruthie Joad era mais velha que Weinfeld e controlava tudo. Agressiva, esperta, inteligente, foi amadurecendo conforme os fatos ocorriam no trajeto.

( Vô Joad)O avô, teimoso, morre de apoplexia e desgosto de sair de sua terra.

(Vó Joad) A avó, quieta, vivia na sombra do avô . Ambos faleceram no percurso ,antes de chegar a Califórnia.

Rosa de Sharon (irmã) era casada com Cannie  que  a abandonou grávida.

Casy (amigo de Tom Joad) era ex-pregador, sonhador. Falava muito bem. Era idealista.

As Vinhas da Ira e Donald Trump

Estão bem próximas as eleições norte-americanas. Donald Trump desponta como favorito. E muito contribuiu para isso a inaptidão do presidente Joe Biden.

Empresário de sucesso, Trump soube adaptar seu discurso político aos perdedores da globalização, tais como a indústria automobilista de Detroit.

Além disso, seu discurso político agradou a considerável parcela de norte-americanos contrária à migração desenfreada, principalmente de mexicanos, em busca de um lugar ao sol na terra do Tio Sam.

Nesse contexto, o livro de John Steinbeck aponta para os Estados Unidos em cujo contexto se enquadram as vítimas do capitalismo selvagem que exclui milhões de norte-americanos do processo produtivo. Esse dualismo econômico segmenta dois mundos dentro de um só, composto tão somente por americanos. O universo da família Joad não se integra ao mundo de Wall Street. Trump sabe disso e tudo fará para conquistar o coração e a mente dos milhões de norte-americanos vitimizados por essa modernização da economia chamada globalização.

Talvez, seja por essa razão, também, o estrondoso sucesso que teve esse livro na Europa, Ásia e América Latina. Ao pensar fora da caixa, o autor produziu um livro honesto. Passados noventa anos de sua publicação, a obra “As Vinhas da Ira” mantém-se mais viva do que nunca!

Clássico deve ser revisitado

O grande cientista político italiano Norberto Bobbio, de saudosa memória, ensina que existem dois tipos de intelectuais, os puros e os espertos. Estes, ao escolherem um partido político, enxergam a parte e não o todo sistêmico. Além disso, moldam sua crítica ao gosto dos príncipes. Aqueles, os intelectuais puros, têm compromisso não com pessoas, mas com as ideias. O reino dos intelectuais puros não é neste mundo. Enquanto o reino dos espertos está aqui mesmo na Terra.

Posto isso, permitam-me a emissão de uma opinião sincera a respeito do grande escritor que foi John Steinbeck.

Definitivamente, o autor de “As Vinhas da Ira” pode ser considerado como um intelectual puro, com reais compromissos com a gente de sua terra. Nesse sentido, a publicação de sua obra-prima lhe traria inúmeros aborrecimentos, principalmente oriundos de jornais e revistas compromissados com a defesa cega dos valores capitalistas. John Steinbeck sabia de tudo isso. Contudo teve a coragem de publicar sua obra-prima. E, claro, pagou o preço pela perseguição de uma mídia ideológica.

Concluída a leitura desse grande romance, tenho a convicção de que se trata de um clássico que, como tal, deve ser revisitado. “As Vinhas da Ira” é um livro de um intelectual puro cujo reino não é deste mundo.

Salatiel Soares Correia é engenheiro, administrador de empresas, mestre em energia pela Unicamp. É autor de 8 livros relacionados aos seguintes temas: energia, economia, política e desenvolvimento regional. É colaborador do Jornal Opção.

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