Quem foi David Weiser?, de Pawel Huelle, conta a incrível história de menino judeu que sumiu em Gdansk

Mariza Santana

“Quem foi David Weiser?” Essa é a questão principal do livro, que tem o mesmo título na tradução brasileira, do escritor polonês Pawel Huelle, falecido em 2023 aos 56 anos de idade. O romance é relatado na primeira pessoa por um adulto que busca, nas reminiscências da sua infância, desvendar o que aconteceu com um menino judeu misterioso que morava no mesmo condomínio que ele, em Gdansk, na Polônia.

David Weiser desapareceu repentinamente em um verão depois de feitos extraordinários, como acalmar uma pantera no zoológico local, levitar ao som de música, promover explosões e se apoderar de um arsenal poderoso — armas e explosivos deixados pelos alemães em uma olaria abandonada, lodo após a derrota na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Ao falarmos de Gdansk, uma cidade portuária situada na costa báltica, o que nos vem imediatamente à memória é o fato de ter sido o berço do sindicato Solidariedade, o primeiro independente de todo o bloco soviético. Ele deu origem ao movimento político-social que surgiu nos estaleiros da cidade polonesa e, sob a liderança de Lech Wałęsa, conseguiu confrontar a ditadura do general Wojiciech Jaruzelski, último líder comunista da Polônia, no início dos anos 1980.

Pawell Huelle: um dos mais importantes escritores da Polônia | Foto: Reprodução

Mas depois dessa breve referência histórica, vale ressaltar que o período da narrativa do romance “Quem foi David Weiser?” (Record, 336 páginas, tradução de Tomasz Barcinski) é anterior ao surgimento do movimento Solidariedade. O ano é 1957, durante um verão em que os peixes da praia morreram aos montes às margens da baía, formando uma mistura fétida. Esse fato incomum impediu que os garotos Heller, Pritr e Szymek aproveitassem os momentos prazerosos das férias escolares na praia. A atenção deles se voltou, então, para um menino judeu, criado pelo avô, que não se misturava com o resto da meninada na escola. Seguido apenas pela fiel amiga Elka, David Weiser tinha um jeito misterioso e excêntrico.

O trio de amigos acabam de se aproximando dele, que é excepcional na hora de jogar futebol, tem capacidade de lidar com feras, além de saber lidar com armamento pesado, entre revólveres, metralhadoras e explosivos, arsenal alemão esquecido em uma olaria abandonada desde a derrota dos nazistas, A narrativa dos fatos é feita por Hellen, que retoma as lembranças da infância, ao contar que os três amigos passaram por um forte interrogatório por parte do diretor, do professor de ciências e de autoridades locais comunistas para confessarem que teriam feito algum mal a David Weiser.

Após um incidente de explosão, o garoto judeu desapareceu sem deixar vestígio, e sua fiel escudeira Elka foi encontrada muitas horas depois, com amnésia e, portanto, incapaz de relatar o que realmente havia ocorrido. Heller, Pritr e Szymek são os principais suspeitos, apontados como culpados do sumiço de David. A narração de Heller sobre os fatos vão e voltam no tempo, até porque o protagonista já é um adulto tentando relembrar os fatos e tentar entender o que de fato aconteceu. Sobre os outros dois amigos, um se mudou para a Alemanha e outro morreu vítima de uma bala perdida durante uma manifestação popular. Elka, que também se mudou para terras alemãs, agora adulta, se recusa a comentar os fatos ocorridos no passado.

Por meio desse enredo, o escritor polonês Pawel Huelle vai traçando o cenário daquele momento na Polônia, que passou a fazer parte da Cortina de Ferro, sob o jugo da então União Soviética. Ele detalha o cotidiano das famílias locais: as mães ficavam em casa descascando batatas para o almoço e os pais iam se embebedar logo após receber o salário do mês.

Outro personagem intrigante é o Asas Douradas, um louco fugitivo do manicômio local que consegue ajuda dos garotos para escapar dos seus captores. Vale citar também o professor de ciências M-ski, que, de caçador de borboletas, se torna um dos mais cruéis inquiridores dos garotos, e também o padre local que reforça o poder da Igreja Católica no imaginário polonês.

“Quem foi David Weiser?” é um romance intrigante, com algumas pitadas de realismo fantástico, que seduz o leitor desde as primeiras páginas em busca da resposta para a pergunta-título da obra.

Nascido em 1957, Pawel Huelle estudou filologia polaca na Universidade de Gdansk e participou dos esforços para estabelecer uma organização estudantil independente. Mais tarde, tornou-se jornalista e trabalhou para o serviço do Solidariedade. O livro “Quem foi David Weiser?” foi seu romance de estreia, lançado em 1987, e inspirou o filme “Weiser” do diretor Wojciech Marczewksi, em 2000.

Mariza Santana é crítica literária. E-mail: [email protected]

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