“Escravos” das redes sociais, governadores preferem o voto à vida

No início do mês, dois governadores pularam todas as cercas do bom senso para alimentar sua base mais radical. O assunto era vacinação e retomada das aulas. Com o crescimento dos casos de Covid-19 em todo o Brasil e às vésperas do período de carnaval, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, e Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina, decidiram se insurgir em relação à obrigatoriedade da imunização para as crianças serem matriculadas.

Em entrevista à CNN, o governador mineiro foi até além e dobrou a aposta. A declaração: “Toda criança tem direito de frequentar a escola. [A criança] vai aprender ciência para que ela tenha condições no futuro, diferente do que já aconteceu no passado, queremos que ela venha a decidir se quer ou não ser vacinada”, defendeu ele. Ele só se esqueceu que é direito da criança e dever de seus responsáveis que ela seja imunizada. Mesmo porque, doenças mortais como sarampo e poliomielite não vão esperar ela ter condições de decidir sobre esse procedimento.

Na verdade, alegando agir em favor pela “liberdade”, ambos flagrantemente atropelaram simultaneamente a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A Carta de 1988 prevê, na emenda nº 65 ao Artigo 227, que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Já o ECA, em seu Artigo 14, é mais explícito: “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”.

Jorginho Mello venceu a disputa para o governo no Estado mais bolsonarista do País, Santa Catarina, depois de, como senador, ter se destacado diante do eleitorado fazendo parte da bancada negacionista durante a CPI da Covid-19. Reeleito em 2022, Romeu Zema tenta agora um salto maior: embora ainda não declare abertamente, pretende disputar a Presidência da República em 2026.

No vácuo que está criado pela inelegibilidade de Jair Bolsonaro (PL) e pela tendência de aquele que seria o nome mais forte do bloco, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), buscar sua reeleição, Zema acha que chegou sua hora. Para tanto, precisa se portar de acordo com a plateia, especialmente aquela que passou a ser garantida por meio das big techs que controlam Facebook, Instagram, WhatsApp, YouTube, Telegram, X/Twitter, Tik Tok e outras.

Um parlamentar ter seu nicho eleitoral formado pela opinião de sua bolha nas redes sociais é comum nos dias de hoje. É basicamente assim que sobrevivem sujeitos como Nikolas Ferreira (PL-MG), Abílio Brunini (PL-MT) e Gustavo Gayer (PL-GO), para citar apenas exemplos da Câmara dos Deputados.

Já um chefe de governo, seja qual for a esfera, não pode – ou, pelo menos, não deveria – se deixar levar pelas turbas virtuais. O motivo mais óbvio é porque alguém que assume o Executivo é eleito pela maioria da população para governar para o todo dela.

A questão é que claramente existe hoje o que poderia ser chamado de “público eleitoral”: um conjunto de apoiadores que está para o político assim como o fã está para seu artista preferido. Nesse sentido, esse contingente espera que o ser admirado corresponda ao padrão que o agrade.

Mesmo em cargos do Executivo, Romeu Zema e Jorginho Melo agem como se respondessem a um público determinado apenas. E, assim, ao mostrarem sua “democracia pelo avesso”, livrando as pessoas da obrigatoriedade de vacinar seus filhos, eles jogam contra o todo da população, já que minam a confiabilidade na imunização, a qual, para ser eficaz, precisa atingir uma porcentagem mínima dos habitantes de um Estado, no caso, ou de um País. Nem precisa dizer em quem ambos se inspiraram: naquele presidente que, em nome de uma tal “liberdade”, se orgulhou de ter sido o único que foi na contramão das determinações das autoridades sanitárias mundiais durante a pandemia de Covid-19. O resultado: a doença matou mais de 700 mil pessoas no Brasil.

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