Livro de Adriana Abujamra revela a história da arqueóloga Niéde Guidon

Célio Montezuma

Especial para o Jornal Opção

Um dia, a arqueóloga Niéde Guidon foi surpreendida pelo prefeito de Petrolina (PE), de passagem por São Paulo. Ele mostrou-lhe imagens de eslaides de painéis pintados em um abrigo sobre a rocha na Serra da Capivara — “desenho de caboclos”, segundo o prefeito. 

O Patrimônio da Humanidade declarado pelo Unesco pelo menos despertava o administrador. O livro “Niéde Guidon — Uma Arqueóloga no Sertão” (Rosa dos Tempos, 255 páginas), escrito pela jornalista Adriana Abujamra, mostra uma profissional à frente de seu tempo.

Niéde Guidon liderou uma equipe interdisciplinar que revelou um dos maiores sítios arqueológicos do mundo. Ela chegou ao Piauí em 1973, depois de trabalhar com Annete Laming-Emperaire, pesquisadora do Centre National de la Recherche Scientifique da França dedicado à Pré-História.

Famosa por ter sido responsável pelas escavações que revelaram Luzia, o fóssil humano mais antigo da América do Sul, Niéde Guidon também foi professora titular na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, na França.

Em 1ª edição, seus feitos estão no de livro Adriana Abujamra, autora de perfis, reportagens e livros de não ficção desde os anos 00.

Adriana Abujamra narra no capítulo “Pedras no Caminho” que na primeira folga, no Museu Paulista da USP, Niéde convidou as arqueólogas Sílvia Maranca, italiana, e Bente Bittmann, dinamarquesa, e o fotógrafo Guglielmo Rossi para verem de perto pinturas rupestres em pedras.

“Aboletaram-se em um fusca e pegaram a estrada rumo ao Piauí. Os mais de 2 mil quilômetros entre um ponto e outro eram asfalto de sobra para papos e sopapos (…).”

Adriana Abujamra: jornalista e biógrafa | Foto: Facebook

“Niéde e Sílvia já tinham horas de estradas juntas, mas nada comparado à tentativa de chegar à Serra da Capivara de fusquinha. ‘Mais uma fumaça, Sílvia!’, reclamou novamente Niéde, tentando se concentrar na pista molhada. “Vamos fazer algo assim: largo o cigarro se você largar o vinho.”

“Largo a bebida na hora que eu quiser, Sílvia, mas duvido que você consiga parar de fumar”, tripudiou Niéde. Tabaco e álcool foram mantidos, já o fusca teve que parar, na altura de Casa Nova, interior da Bahia. Uma ponte de madeira sobre o Rio São Francisco tinha caído — impedindo que seguissem adiante. A apenas 250 quilômetros do destino, a comitiva de Niéde deu meia-volta.”

“Se uma ponte caída impediu a franco-brasileira de chegar à Serra da Capivara na primeira tentativa, a queda do presidente João Goulart com o golpe militar no ano seguinte, em 1964, adiou ainda mais seus planos de ver de perto as tais pinturas no Piauí.”

“Houve uma vez em que Niéde recebeu a visita de uma tia, irmã mais nova de sua mãe. Com a respiração ofegante, disse estar ali para alertá-la. Um amigo general tinha recebido denúncia anônima acusando Niéde de ser comunista e estar envolvida em atividades subversivas. A princípio achou graça; como assim, se nem em política acreditava? Mas a insistência da tia, o tumulto, a instabilidade no País não deixaram dúvida, era prudente não arriscar. Tanto é que Paulo Duarte, seu mentor, não tardaria a ser aposentado compulsoriamente na USP e ter seus direitos políticos cassados.”

É a estreia de Adriana na Editora Rosa dos Tempos, depois de colaborar regularmente com o jornal “Valor Econômico” e escrever: “Traços” (Geração Editorial, 2003) e “O Que Será”, com Jean Wyllys (Objetiva, 2019).

O livro tem 255 páginas e faz parte da Coleção Brasileiras organizada pela jornalista, escritora, biógrafa e historiadora brasileira Joselia Aguiar, que foi curadora do Festa Literária Internacional de Paraty entre 2017 e 2018 e, desde fevereiro de 2019, é diretora da Biblioteca Mário de Andrade, em São Paulo.

Imprescindível a todos que pretendem conhecer o Brasil profundo com ingredientes científicos e políticos — esse dublê instiga o leitor a cada parágrafo do texto gostoso de Adriana Abujamra.

A autora lembra que a dedicação de Niéde à preservação do Parque Nacional Serra da Capivara possibilitou a inauguração — numa região distante dos centros de poder econômico e político — um campus universitário e um aeroporto, dos mais belos do Nordeste.

Célio Montezuma é jornalista.

O post Livro de Adriana Abujamra revela a história da arqueóloga Niéde Guidon apareceu primeiro em Jornal Opção.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.