O preço de uma vida: famílias sofrem com cancelamentos unilaterais de planos de saúde

Desde 2022, cresceu o número de cancelamentos unilaterais não justificados de contratos de planos de saúde por parte das operadoras contra usuários coletivos por adesão. Campanhas de mobilização feitas por mães de pacientes com necessidades especiais de tratamento vêm chamando atenção nas mídias digitais, além de movimentarem processos judiciais em todo o país. 

Em suas redes sociais, a deputada estadual por São Paulo, Andrea Werner,  que também  é presidente da comissão de defesa dos direitos da pessoa com deficiência na Alesp, milita contra os “abusos” praticados pelos planos de saúde. Nas publicações da parlamentar, ela fala das margens de lucro bilionárias do setor, da luta de pacientes que tiveram seus planos cancelados unilateralmente, dos aumentos “abusivos” dos planos e do descredenciamento de clínicas e médicos especialistas.   

Nos comentários dessas publicações, diversas pessoas compartilham suas experiências. “Recebi o mesmo cancelamento, e além das terapias do meu filho, tem o tratamento oncológico do meu esposo”, disse uma internauta. “Aconteceu comigo alguns anos atrás. Fiz um escândalo, e depois do arranhão na imagem e ameaça de processo, eles voltaram atrás. E nos anos seguintes passaram a aumentar abusivamente o valor da mensalidade”, afirmam em outro comentário. 

Lucro ou prejuízo?

O representante da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Gustavo Sierra, afirma ao Jornal Opção que o setor registrou prejuízo acumulado de R$ 17,5 bilhões nos últimos três anos (2021, 2022 e 2023).

Entretanto, matéria publicada pela Agência Brasil em 14 de abril deste ano, aponta o levantamento financeiro das operadoras dos planos de saúde enviado à ANS mostra lucro líquido de R$ 3 bilhões no acumulado de 2023. Esse valor representa 1% da receita total acumulada no período, que alcançou a soma de R$ 319 bilhões.    

Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) mostram que o reajuste médio de 2023 para planos coletivos de até 29 vidas foi de 17,85% (valor 10% maior do que o indicado nesta semana pela Agência para os planos individuais/familiares). 

Sierra defende a posição das operadoras de planos de saúde e afirma ainda que “com o objetivo de garantir a qualidade na prestação dos serviços de saúde e a sustentabilidade dos contratos, as operadoras avaliam continuamente cada um dos seus produtos” e, nesse sentido, “essa avaliação pode indicar a necessidade de readequar a estrutura dos produtos (planos de saúde) e descontinuar outros”. 

Campo Jurídico

Em entrevista ao Jornal Opção, o advogado especialista na área de saúde, Pablo Pessoni, conta que nos últimos anos aumentaram casos de cancelamento unilateral de contratos de planos coletivos. “Tem acontecido grandes cancelamentos, principalmente de pessoas que estão em tratamento de autismo”, exemplificou. 

O especialista conta que, devido ao uso mais frequente do plano somado à resolução da ANS que proíbe limitação de sessões para tratamento (psicólogos, fisioterapeutas…), as operadoras começaram a buscar formas de limitar a quantidade de atendimentos para terapias dessa natureza.  

“Nesse contexto, muitos planos coletivos dessas pessoas que utilizam com muita frequência começaram a ser cancelados de forma imotivada”, resumiu. 

Do ponto de vista legal, o advogado garante que as operadoras têm respaldo para cancelar de forma unilateral os planos coletivos. Entretanto, esse encerramento deve acontecer desde que seja feito um aviso com antecedência mínima de 60 dias, e desde que o paciente não esteja com algum tratamento ou internação em andamento. “O consumidor não pode ser abandonado no meio do caminho”, explica. 

No caso de cancelamento unilateral de algum plano coletivo, o especialista afirma que existem recursos que podem garantir a manutenção do contrato. O primeiro, é uma reclamação direta com a operadora, trazendo documentos que provem a existência de um tratamento já em andamento. O segundo seria acionar a ANS como mediadora de conflito entre o paciente e a operadora do plano. Por fim, o campo legal se coloca como última instância nessa disputa.

Para pessoas que tenham sofrido com cancelamentos unilaterais dos contratos, Pessoni lembra que os planos geridos pela ANS estão sob jurisdição do Código de Defesa do Consumidor. Para além dos canais apresentados, o Procon também é colocado como forma de se defender contra possíveis excessos por parte das operadoras dos planos. “A gente não pode ficar calado diante de abusos”, diz. 

Em Goiás

Mãe de uma criança com deficiência e que tem necessidade de tratamentos recorrentes, Talita Costa compartilhou um e-mail que recebeu da operadora de seu seguro. “Constatamos que o índice necessário para manter a qualidade dos serviços tornaria inviável. Por esse motivo, o contrato será encerrado”, dizia a mensagem eletrônica.

E-mail enviado à Talita e a outros titulares dos planos l Foto: arquivo.

“Foi eu precisar usar o plano, meu filho precisou ser internado, e quando ele foi internado a gente recebeu a notícia [do cancelamento do contrato]”, compartilhou. Talita explica que o único contato que a operadora tentou a fim de informar sobre a rescisão do contrato foi feito via e-mail. Este passou despercebido e a família se deu conta da situação no momento em que precisou do atendimento. 

“Eles falam que não estão tendo verba para bancar o tratamento de uma criança, mas investem milhões em marketing”, desabafou. O que fica para Talita é a indignação com os aumentos recorrentes, com o descredenciamento de médicos especializados e, finalmente, com a exclusão de seu filho do plano de saúde.  

Os planos individuais 

A ANS indicou no início desta semana um novo índice de reajuste para planos de saúde individuais. De maio deste ano até abril de 2025, caso tenha aprovação pelo Ministério da Fazenda, as operadoras poderão realizar reajustes de até 7% em planos individuais ou familiares. O índice seria o menor em uma década, exceto pelo reajuste negativo que aconteceu durante a pandemia. Os reajustes nos planos individuais servem, de certa forma, como balizadores para os reajustes nos planos coletivos, estes não regulados pela ANS.

Nos anos de 2023 e 2022, os aumentos autorizados foram, respectivamente de  9,63% e 15,5%. Este último número sendo mais expressivo na tentativa de recuperar o aumento negativo de -8,19% ocorrido em 2021, devido à pandemia de Covid-19. Dados da ANS mostram que, os últimos aumentos na casa dos dois dígitos ocorreram em 2018 e 2017, alcançando, respectivamente, os valores de 10% e 13,55%. 

Índice de reajuste anual autorizado para planos de saúde individuais ou familiares l Fonte: ANS.

Ao Jornal Opção, o representante da Abramge Gustavo Sierra disse que, de 2021 a 2023, os reajustes para planos individuais/familiares ficaram abaixo da inflação oficial, o que evidencia “um desafio financeiro extremamente significativo”.  

A taxa para reajuste de planos individuais para 2024 (7%) foi definida após reunião da diretoria colegiada que aconteceu na tarde da última segunda-feira, 13. Agora, o Ministério da Fazendo tem até 15 dias para autorizar o aumento proposto pela agência reguladora. Só então as operadoras podem aplicar o reajuste. 

A decisão de reajuste para planos individuais, apesar de representar menos de 20% dos planos de saúde complementar, é importante já que serve de baliza para os planos coletivos, que são a maior parte das contratações. O cálculo de reajuste feito pela ANS é baseado na diferença de custos hospitalares e médicos de 31 de dezembro do último ano até a mesma data do ano anterior. 

A reportagem tentou contato com algumas companhias que trabalham com planos de saúde, mas essas solicitaram dados pessoais das fontes para poderem fornecer resposta específica para cada caso. Como as fontes não se dispuseram a compartilhar seus dados, não foi possível obter declaração dessas companhias.  

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