10 livros que circulam na Argentina e merecem publicação no Brasil — 1ª parte

Estive na Argentina entre os dias 30 de abril e 7 de maio, sob uma temperatura de 10 a 18 graus, e ouvi, o tempo todo, as reclamações das pessoas a respeito da inflação. O presidente Javier Milei é criticado por uns, que chegam a chamá-lo de “loco”, e elogiado por outros, por “não” ser corrupto. Diz-se, comumente, que o kirchnerismo “é” medularmente corrupto. Um motorista disse, irritado: “Votei em Néstor [Kirschner], em Cristina [Kirschner] e em Alberto [Fernández], mas acabei descobrindo que gostam mais de dinheiro do que de pobres. Destes, na verdade, gostam dos votos”. Muitos, porém, insistem que as preocupações dos peronistas com o social “é” genuína. Os que votaram em Milei sugerem que é cedo para avaliá-lo com rigor.

 Na 48ª Feria Internacional del Livro, que me credenciou como repórter — o crachá da feira facilitou minhas anotações detalhadas de livros que não comprei nos vários estandes das livrarias (os da Waldhuter e da Cúspide eram os que continham as melhores lançamentos, disparados) —, e nas livrarias, como as excelentes Eterna Cadencia, Libros del Pasage, Edipo (onde encontrei a excelente biografia de Samuel Beckett), Yenny, Guadalquivir, Librería Hernández, Fondo da Cultura Económica, e nos sebos, que já foram melhores, a reclamação era geral. A inflação está alta e os livros, os aluguéis e os alimentos estão caríssimos.

Além de seus próprios escritores, como Silvina Ocampo, Mariana Enriquez, Alfonsina Storni, Borges, Bioy Casares, Cortázar, Oliverio Girondo, a Argentina edita e traduz com alta qualidade. E, claro, livros editados em Barcelona, Madri e Valência circulam em Buenos Aires.

Para não sufocar o leitor, vou dividir a lista de livros que circulam em Buenos Aires e deveriam ser publicados no Brasil em partes. Neste domingo, sai a primeira parte. As demais sairão depois.

1

Samuel Beckett — Anthony Cronin

A obra de Samuel Beckett circula no Brasil com traduções de primeira linha — de Ana Helena Souza, Eloisa Araújo Ribeiro, Elsa Martins, Fábio de Souza Andrade, Léo Schlafman, Paulo Leminski e Waltensir Dutra. Marcos Siscar e Gabriela Vescovi colocaram de pé, no nosso português, “Poesia Completa” do irlandês que secretariou James Joyce.

A Editora José Olympio pôs nas livrarias e, daí, nos sebos “Beckett” (183 páginas, tradução de Léo Schlafman), de Ludovic Janvier, em 1988. Mas falta em português uma biografia ampla, daquelas exaustivas, que consiga explicar, além da obra, o homem que a arquitetou. O mestre americano Richard Ellmann ajudou a entender o autor de “Ulysses” e “Finnegans Wake” com sua excelente biografia, “Joyce”, publicada no Basil sem o indispensável índice remissivo.

Pois Samuel Beckett, com sua obra complexa — sim, muito difícil de ser entendida —, precisa tanto de críticos atentos quanto de biógrafos para explicá-lo (a obra e o homem). Logo nas primeiras páginas de “Samuel Beckett — El Último Modernista” (La Uña Rota, 652 páginas, tradução de Miguel Martínez-Lage), Anthony Cronin nos conta que Beckett costumava dizer que tinha lembranças desde quando estava no útero de sua mãe (curiosamente, comprei um exemplar na Livraria Edipo).

A pesquisa do irlandês Cronin examina com atenção a obra de Beckett, como se nos dissesse que tem muito a dizer a respeito do indivíduo Samuel. O relacionamento com James Joyce e com a filha deste, Lúcia — que tinha problemas mentais —, é detalhado pelo pesquisador. A pesquisa é elogiada pelos escritores Colm Tóibín e John Banville, ambos irlandeses.

“Beckett”, de James Knowlson, ainda não circula pela Argentina. É a outra grande biografia do autor de “Esperando Godot”. Pode ser lida em inglês. Mas já está disponível em espanhol “Recordando a Beckett — Entrevistas Inéditas a Samuel Beckett y Testimonios de Quienes o Conocieron”, organizado poor Elizabeth e James Knowlson.

2

Natalia Ginzburg — Maja Pflug

Os leitores brasileiros têm sorte: a literatura da escritora italiana Natalia Ginzburg (1916-1991) tem sido publicada de maneira competente pela Editora Companhia das Letras: “A Cidade e a Casa”, “A Família Manzoni”, “As Pequenas Virtudes”, “Caro Michele”, “Todos os Nossos Ontens” e “Léxico Familiar”. Uma coletânea de artigos e ensaios, “Não Me Pergunte Jamais”, saiu pela Editora Âyiné. Pelo Estante Virtual, é possível encontrar outras obras.

A escritora é elogiada por vários escritores e intelectuais, como Vivian Gornick (“a obra de Natalia Ginzburg me faz querer mais a vida”) e Rachel Cusk (“por alguma razão misteriosa, lemos os textos de Natalia Ginzburg, que têm mais de 50 anos, como se tivesse acabado de escrevê-los”).

Pois, se a autora está sendo publicada de maneira ampla, talvez tenha chegado a hora de uma editora bancar a publicação de “Natalia Ginzburg: Audazmente Tímida — Una Biografía” (Siglo XXI Editores, tradução de Gabriela Adamo, 240 páginas), da alemã Maja Pflug. Não se trata de uma pesquisa exaustiva? Pelo número de páginas, não parece. Mas, por incrível que pareça, é uma biografia abrangente — um estudo meticuloso tanto da obra quanto da vida da escritora, política, editora (da mítica Einaudi, onde lia e avaliava originais, corrigia e traduzia) e militante antifascista. E judia.

Maja Pflug é tradutora de Natalia Ginzburg, Elsa Morante, Cesare Pavese, Rosetta Loy, Fabrizia Ramondino e Susanna Tamaro.

3

Curriculum Vitae — Muriel Spark

Poucos críticos fizeram pela literatura de Muriel Spark (1918-2006) no Brasil quanto o jornalista e escritor Paulo Francis. Nas suas colunas, na “Folha de S. Paulo” e no “Estadão”, escreveu vários textos informando sobre a relevância de sua obra literária. As editoras o “ouviram” e publicaram vários livros da escritora escocesa. Há uma biografia alentada, mas a autora de “Razão de Deus” e “Memento Mori” decidiu se expor no livro “Curriculum Vitae — Autobiografía” (La Bestia Equilátera, 290 páginas, tradução de Ariel Dilon).

Além de sua carreira notável, como escritora, revela que trabalhou para a contraespionagem britânica durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ao lado do escritor Graham Greene (era amiga do “dom juan”). Menciona a “arrogância” do escritor Evelyn Waugh. Morou na Rodésia (atual Zimbabue). No Brasil, é mais conhecida como prosadora — o que é positivo. Porque é o seu melhor. Mas escreveu também poesia, literatura infantil, uma comédia (“Doctors of Philosophy”) e biografias de Mary Shelley e Emily Bronté.

4

Fante — Dan Fante

Filho do escritor John Fante (1909-1983), Dan Fante (1944-2015) peregrinou, quando jovem, pelos Estados Unidos — bebendo todas e mais algumas. Em Nova York, se tornou vendedor — batendo de porta em porta —, taxista, detetive particular e outros subempregos. Era alcoólatra emperdenido. Porém, depois da morte do pai, decidiu parar de beber. Então, pegou sua máquina de escrever e deu início à carreira literária.

Seu primeiro romance, “Chump Change”, não tem tradução para o português. Quatro de seus romances têm como protagonista Bruno Dante, seu álter ego. Escreveu uma obra de relatos, duas peças teatrais e dois livros de poesia.

No livro “Fante — Un Legado de Escritura, Alcohol y Supervivencia” (Sajalín Editores, 428 páginas, tradução de Federico Corriente Basús), Dan Fante conta a história da família, iniciada no Sul da Itália e sedimentada nos bairros de imigrantes do Colorado e de Los Angeles, na Califórnia. Como não conseguia ser bem-sucedido como escritor, John Fante se tornou, como Scott Fitzgerald e William Faulkner, roteirista em Hollywood.

Sentindo-se fracassado, o pai bebia muito e entrava em choque com o adolescente, que fugiu para Nova York. A literatura, a vocação paterna que herdou, acabou por salvá-lo das garras do álcool. Michael Connely escreveu sobre o livro: “Se escrever é lutar, então Dan Fante aguenta 15 rounds de pé sem problemas. A fascinante história de sobrevivência e paixão pela vida e a escritura de dois tipos duros”.

5

Escritores de Sur — Judith Podlubne

O título completo do livro, resultado de uma tese de doutorado defendida na Universidade de Buenos Aires, é: “Escritores de Sur — Los Inicios Literarios de José Bianco y Silvina Ocampo” (Ensayos Críticos, 363 páginas). Ao examinar a “Sur”, Judith Podlubne analisa a literatura não apenas de José Bianco e Silvina Ocampo.

Criada por Victoria Ocampo, uma mecenas culta, a revista foi “o fórum literário mais significativo da Argentina na primeira metade do século” 20.

Em geral se pensa a “Sur” como uma unidade, ou seja, uma revista de pensamento único. Não era assim. A diversidade prevaleceu.

“Desde o início, a revista teve duas tendências literárias divergentes, representadas, por um lado, pelos interesses morais e espiritualistas de Eduardo Mallea e, por outro, pelas preocupações formais de Jorge Luis Borges.”

A autora acrescenta: “Membro de seu conselho de redação, Borges introduzia em ‘Sur’, segundo [Beatriz] Sarlo, o viés que ele e [Oliverio] Girondo haviam imprimido na vanguarda dos anos 20 e que podia resumir-se na questão de como escrever uma literatura que pudesse se pensar argentina, desde a perspectiva formal e linguística de uma reflexão sobre as operações do discurso”.

Entre correntes estéticas, morais e políticas distintas, como as de Borges e Bioy Casares, de um lado, e a de Victoria Ocampo, Eduardo Mallea e Guillermo de Torres, de outro, havia a força extraordinária de Silvina Ocampo. Uma força estética, única, mais do que em termos de opinião e influência na revista.

“A narrativa de Silvina Ocampo se deixou levar por um impulso centrífugo que abriu, à força da indiferença mais do que poder deliberação, uma perspectiva às determinações de ‘Sur’. (…) Silvina Ocampo abriu uma alternativa suplementar ao antagonismo entre as morais literárias de ‘Sur’; sua singularidade deixou em suspenso os critérios dominantes na revista e inventou valores novos. (…) A narrativa de Ocampo, que se revela como uma das mais ímpares da literatura argentina, se desprende das circunstâncias que” o “contexto lhe impõe e o delimita como um contexto insuficiente para explicar sua excepcionalidade”.

6

Diccionario de Autores Latinoamericanos — César Aira

A pretensão enciclopédica às vezes gera superficialidade. Não é o caso de “Diccionario de Autores Latinoamericanos” (Paidós, 703 páginas), do escritor e tradutor argentino César Aira. Os verbetes sobre escritores são verdadeiros ensaios.

Entre os brasileiros figuram Machado de Assis, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Rachel de Queiroz e Lygia Fagundes Telles. Há espaço inclusive para críticos brasileiros, como Sílvio Romero, Otto Maria Carpeaux e Antonio Candido (e uma das fontes do autor é Alfredo Bosi). Euclides da Cunha e Gilberto Freyre são arrolados. Augusto e Haroldo de Campos são listados.

“Literariamente, Clarice Lispector descende de Joyce e Virginia Woolf, também de Faulkner, de Djuna Barnes, e coincide com a face mais extremista de Marguerite Duras. Mas se distancia de todos eles. Seus textos são algo assim como travessias de consciência pela escritura, lentas, às vezes estáticas, despreocupadas de todo o efeito do relato.”

Guimarães Rosa ganha duas páginas, com análises percucientes de suas estórias. “Grande Sertão: Veredas”, a principal obra do escritor mineiro, “conserva todo seu mistério. Sob a deslumbrante superfície de um romance de cavalaria ou épico sertanejo, trata-se, ao que parece, da existência paradoxal do não ser, o Diabo, no mundo e no homem”. “Primeiras Estórias” e “Terceiras Estórias” são de uma técnica perfeita, “que chega ser um puro relâmpago verbal”.

Sobre a argentina Silvina Ocampo, César Aira assinala: “Contista, das melhores e mais originais da América hispânica”. Não é fácil encontrar “antecedentes” para sua literatura. Noutras palavras, “escapou” de Jorge Luis Borges e de Bioy Casares, seu marido. Aqui e ali, talvez se aproxime de Cortázar, o que César Aira não postula.

Os textos sobre os cubanos Lezama Lima, Virgilio Piñera, Cabrera Infante, Severo Sarduy e Alejo Carpentier são altamente instrutivos.

Os poetas Oliverio Girondo, argentino, César Vallejo, peruano, e Vicente Huidobro, chileno, são examinados cuidadosamente.

Como as editoras brasileiras estão descobrindo — ou redescobrindo — a literatura latino-americana, vale publicar o cartapácio. Os leitores patropis podem consultar, ante a falta do livro de César Aira (por sinal, sua prosa está sendo bem editada no Brasil), o excelente “História da Literatura Hispano-Americana” (UFRJ & Francisco Alves, 420 páginas), de Bella Jozef.

7

Cuentos Irlandeses Contemporâneos — Julia O’Faolain e outros

A literatura irlandesa é uma das mais importantes, mas às vezes, lendo alguns textos, fica-se com a impressão de que existe James Joyce, tanto no conto quanto no romance.

Porém, há dezenas de escritores importantes e que merecem ser (mais) publicados no Brasil — tanto romancistas como poetas e contistas. Uma boa mostra de autores consagrados e outros nem tanto afigura-se no livro “Cuentos Irlandeses Contemporâneos”, organizado por Sinéad Mac Aodha e Jorge Fonderbrider, com tradução de Matías Battristón, Andrés Ehrenhaus, Jorge Fondebrider, Inés Garland, Jan de Jager e Pedro Serrano.

A antologia começa com o incontornável “Os Mortos”, de Joyce, e é concluída com “Dulces Palavras” (de 2020), de Nicole Flattery.

Ao todos são 25 contos. De acordo com os organizadores os relatos mostram a “mestria de seus autores e a potência e originalidade da literatura irlandesa”.

Além dos dois citados, os contistas arrolados são: Liam O’Flasherty (o excelente “Un Chelín”), Sean O’Faolain (“La silla de paja” — um dos melhores da coletânea), Frank O’Connor, Mary Lavin, Maeve Brennan, William Trevor (“El salón de baile del romance” é estupendo. Saíram dois de seus romances no Brasil, de excepcional qualidade), John Montague, Brian Friel, Eugene McCabe, Julia O’Faolain, John McGahern, Bernard MacLaverty, Colm Tóibín (bem publicado no Brasil), Roddy Doyle, Anne Enright, Sheila Purdy, Colum McCann, Claire Keegan, Wendy Erskine, Louise Kennedy, Kevin Barry, Colin Barrett e Sheila Armstrong.

8

Hitler — Brendan Simms

Ian Kershaw escreveu a formidável “Hitler” (Companhia das Letras, 1160 páginas, tradução de Pedro Maia Soares), uma das melhores biografias do ditador austríaco que, comandando a Alemanha nazista, entre 1933 e 1945, levou o mundo à guerra mais devastadora da história.

Mas a prova de que não há biografia “definitiva”, um mito criado por editoras espertas, é que, depois da pesquisa do historiador britânico (diga-se que a versão brasileira é condensada — as edições inglesa e espanhola são bem maiores), saíram dois livros relevantes. Porém, ao contrário da pesquisa de Joachim Fest, em larga medida desatualizada, a de Kershaw continua de primeira linha. Sustenta-se em pé.

Mas há outros trabalhos de qualidade, com informações novas — sim, isto é possível sobre a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e seus protagonistas, como Adolf Hitler, Goering, Himmler, Goebbels, Churchill, Roosevelt e Stálin.

Saíram, há pouco tempo, as biografias escritas por Volker Ullrich (o primeiro volume já foi publicado no Brasil), Peter Longerich (não foi lançada em espanhol e em português; pode ser consultada em alemão e inglês) e Brendan Simms.

A de Brendan Simms saiu em espanhol com o título de “Hitler — Solo el Mundo Bastava” (Galaxia Gutenberg, 912 páginas, tradução de Victoria Eugênia Gordo del Rey).

Contestando outros historiadores e biógrafos, Brendan Simms afirma que Hitler não subestimou o poderio dos Estados Unidos. Pelo contrário, tinha consciência de que era a principal ameaça à Alemanha. O ditador avaliava que era o único país que tinha estrutura para destruir a nação que dirigia.

Atacar a União Soviética de Ióssif Stálin foi um erro? Do ponto de vista do nazista, não. Porque, se derrotasse os soviéticos, e já contando com a maior parte da Europa conquistada, seria mais “fácil” derrotar a Inglaterra. Na pior das hipóteses, postulava, o mundo seria bipolar — com o nazismo de um lado e o capitalismo financeiro, com os Estados Unidos, do outro. Claro, deu errado. Mas era sua visão do quadro geopolítico.

9

Ocho Dias de Mayo — Volker Ullrich

Com base em documentação exclusiva, ou reexame de documentos já explorados, é possível dizer coisas novas sobre um fato ou uma personalidade histórica. É o que faz o historiador e jornalista alemão Volker Ullrich no livro “Ocho Días de Mayo — De la Muerte de Hitler ao Final del Tercer Reich” (Taurus, 399 páginas, tradução de Teófilo de Lozoya e Juan Rabasseda Gascón).

No bunker da Chancelaria do Reich, em 30 de abril de 1945, Hitler e sua mulher, Eva Braun, se suicidaram. “Os seguintes oito dias, entre os mais turbulentos da história, foram testemunhas das batalhas finais da Segunda Guerra Mundial e do colapso da Wehrmacht [forças armadas alemãs], mas também das últimas marchas da morte [judeus foram retirados dos campos de concentração e obrigados a marchar], de uma epidemia de suicídios e violações massivas, das intenções fanáticas de uma última resistência, da desesperada fuga dos peixes graúdos do nazismo, da liberação dos campos de concentração”, informa a editora.

Com um texto fluente, Ullrich menciona o regime fantasmagórico do almirante Karl Dönitz, sucessor de Hitler.

O pesquisador relata que a atriz Marlene Dietrich procurou sua irmã em Bergen-Belsen, um dos campos nazistas. A história da irmã de Marlene, Elisabeth Will (née Dietrich), a Liesel, não era positiva. Na verdade, ela e o marido, Georg Will, haviam colaborado com os nazistas. Ele dirigia o cinema de Bergen-Belsen. Os dois não eram prisioneiros. Quando operava para libertá-los, e descobriu a história, a atriz pediu para a irmã ficar calada a respeito do colaboracionismo. Afinal, a artista era fortemente antinazista.

“O relato desses oito dias de maio, baseado em uma assombrosa variedade de novas fontes primárias e elaborado a partir de miniaturas históricas que formam um amplo mosaico histórico, resulta mais cativante do que muitas novelas de suspense”, postula a editora.

10

Castoriadis — François Dosse

Na década de 1980, quando cursava História na Universidade Católica de Goiás e Filosofia na Universidade Federal de Goiás, li, acompanhado por dois amigos trotskistas, com interesse obras dos filósofo grego Cornelius Castoriadis (1922-1997), nascido em Constantinopla e autor de “A Instituição Imaginária da Sociedade”, e do francês Claude Lefort (ao qual Marilena Chaui era ligada).

O pensamento do grupo Socialismo ou Barbárie — Castoriadis, Lefort e Jean-François Lyotard eram seus próceres — era antiautoritário, portanto anti-stalinista, e de esquerda.

O historiador francês François Dosse escreveu uma biografia de excelente qualidade: “Castoriadis — Una Vida” (El Cuenco de Plata, 510 páginas, tradução de Henrique Pons).

O helenista Pierre Vital-Naquet diz que o intelectual grego era “um grande filósofo, com o qual se podia falar, em pé de igualdade, sobre a Grécia antiga.

Edgar Morin sublinhou que era um “irmão de armas em seu combate por um mundo melhor”. Era um “titã do espírito”.

O psicanalista André Green disse que não havia conhecido um homem tão inteligente quanto o filósofo.

Octavio Paz escreveu: “O brilho de sua inteligência e a força de seu raciocínio nunca deixaram de me surpreender”.

Jacques Ellul compartilhava com ele a crítica à autonomia da tecnociência (da tecnocracia, digamos). Ellul escreveu para Castoriadis: “Quando leio sua obra, sempre me sinto impressionado não só pela profundidade e a riqueza do pensamento, mas também pela beleza da forma”.

Dosse nota que, acima de tudo, Castoriadis era filósofo. Porém, a partir de 1973, passou a atuar como psicanalista. Atuou também como economista. De acordo com o biógrafo, tinha “verdadeira sensibilidade de historiador”.

Castoriadis foi um dos primeiros e mais contundentes críticos do stalinismo. Mas sem se afastar do ideário da esquerda.

Se era tantas coisas, por que o meio acadêmico “não” inclui o pensador entre seus quadros? Dosse aponta três “problemas”.

Primeiro, o caráter inclassificável de sua obra. Segundo, “o caráter labiríntico” de seus livros. O biógrafo enfatiza que sua obra, de uma “coerência extraordinária”, só pode ser “apreendida como um bloco indivisível”. Terceiro, sua defesa da autonomia social e política — a crença na revolução (não a totalitária) — contra aqueles que foram aceitando o “presente” como uma espécie de quase fim da história.

O livro relata que a direita reacionária e a esquerda totalitária “estiveram a ponto de eliminá-lo”.

Em 1945, quando passou a morar na França, contribuiu para desmitificar o regime soviético. O filósofo, de acordo com Dosse, “propõe um aporte epistemológico fundamental, um combate contra todos os reducionismos, incluindo o marxista, ao articular filosofia e psicanálise, sujeito individual e sujeito coletivo. Se trata de pensar no conjunto o que os anima: a ‘imaginação radical’ do sujeito e o ‘imaginário social’ do socius, dimensões que, se nunca se superpõem, formam o que Castoriadis chama de ‘imaginação radical’”.

(Há outra biografia “Castoriadis — Biografía de un Viejo Conocido”, de David Noria, mas não encontrei nas livrarias e sebos portenhos.)

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