Lula e Bolsonaro: a corrupção é menos ruim do que a ditadura? Crucial é preservar a democracia

“O país só conheceu ditaduras de direita.” — Rodrigo Patto Sá Motta, doutor em História pela USP, no livro “Passados Presentes — O Golpe de 1964 e a Ditadura Militar” (Zahar, 335 páginas). Página 98

No livro “Passados Presentes — O Golpe de 1964 e a Ditadura Militar” (Zahar, 335 páginas), Rodrigo Patto Sá Motta diz, na página 71: “O golpe de 1964 foi essencialmente anticomunista, no plano discursivo, enquanto na prática foi mais propriamente antiesquerdista”. Em seguida, o doutor em História pela USP sublinha: “O golpe de 1964” foi “predominantemente fruto de uma reação ao incremento do ativismo de esquerda e das demandas sociais”.

Porém, aos poucos, a pauta do anticomunismo foi cedendo espaço a outro discurso: o de que o golpe — ou “movimento”, como diz a direita — havia sido executado para conter a corrupção. Se as forças comunistas eram fracas, se não tinham condições de derrubar o governo dos militares, era preciso usar outra pauta para aglutinar as direitas e parte significativa da sociedade.

Golbery do Couto e Silva, Ernesto Geisel e Heitor Aquino Ferreira: a ditadura havia se tornado uma bagunça (segundo o presidente da República, no meio), inclusive com corrupção | Foto: Reprodução

A pauta da corrupção, dado seu caráter moralista, se tornou, a partir de determinado momento, mais agregadora. Frise-se que, depois de deixar o poder, o general-presidente Ernesto Geisel admitiu exageros nas investigações dos governos militares e concluiu que Juscelino Kubitschek, se havia praticado tráfico de influência, não era medularmente corrupto.

Ernesto Geisel conta que o presidente Castello Branco não queria cassar mas cassou Juscelino Kubitschek sob forte pressão do general Arthur da Costa e Silva. O motivo real da cassação foi, enfatiza o general, a “obsessão de Juscelino de voltar à Presidência da República”. As denúncias de corrupção, ampliadas, foram o pretexto para afastar da política o mineiro que construiu Brasília. “Não havia muita coisa contra ele”, afirma o formulador da distensão-abertura. A história está contada no livro “Ernesto Geisel” (FGV Editora, 494 páginas. O relato sobre JK está na página 177), um longo depoimento concedido aos pesquisadores Celso Castro e Maria Celina D’Araújo.

Como presidente, Ernesto Geisel descobriu que, apesar da vigilância, a corrupção, escorregadia, acaba por vicejar, em menor ou maior escala. Então, a ditadura civil-militar não acabou com a corrupção. Por isso, quando inquirido sobre o motivo pelo qual havia decidido, com o apoio de Golbery do Couto e Silva e do civil Petrônio Portella, dar um fim à ditadura, o presidente disse, de maneira enfática, que o regime discricionário havia se tornado uma bagunça. Talvez pensando que Ernesto Geisel fosse um novo Castello Branco (que cedeu a Costa e Silva), o general Sylvio Frota chegou a articular a sua derrubada. Seria um golpe dentro da própria ditadura.

Lula da Silva, presidente da República, e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal: a opção realista pela democracia | Foto: Fábio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Então, a corrupção é assim: invencível — em qualquer país do mundo. O que se pode é reduzi-la. Dado o aspecto moralista — e autoritário — da sociedade brasileira, o tema aglutina apoio, como se deu, em 2018, com Jair Bolsonaro. O líder do PL, antes no PSL, apesar de nunca ter conseguido explicar a contento como ele e um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro, compraram tantos imóveis — a renda mensal não parece ser suficiente —, foi eleito presidente em larga medida por causa da corrupção acontecida nos governos do PT, de Lula da Silva a Dilma Rousseff.

Por mais que a Justiça tenha recuado, notadamente o Supremo Tribunal Federal, houve mesmo, e em larga medida, corrupção nos governos petistas. A devastação da Operação Lava Jato resulta de um conluio para “apagar” da história fatos reais, ou seja, que aconteceram.

Por que a Justiça decidiu “recuperar” Lula da Silva? Primeiro, é preciso inquirir: houve um papel consciente e proativo do Judiciário, notadamente do STF, para “restaurar” a imagem do petista-chefe? Segundo, a Imprensa, para combater Jair Bolsonaro, aderiu, de maneira consciente, aos grupos que prepararam a volta do líder do PT? Parece que sim.

Por que, se a corrupção era — e é — tão grave, figuras ilustradas da Justiça e da Imprensa bandearam-se para o lado de Lula da Silva e postaram-se contra Jair Bolsonaro? A resposta a seguir é especulativa, porque uma análise ampla precisa de pesquisas rigorosas, notadamente dos acadêmicos — que apuram de maneira mais adequada do que jornalistas em atuação na imprensa. Ressalve-se que alguns deles, como Elio Gaspari, Oscar Pilagallo e Fábio Victor, são também pesquisadores de primeira linha.

Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro: a opção do ex-presidente era pela tirania | Foto: Divulgação

Repetindo: a corrupção é grave e deve ser combatida com rigor. Quando se torna sistêmica, afetando o setor público de maneira estrutural, o combate ainda deve ser mais rigoroso. No plano do governo federal, não se consegue combatê-la sem uma forte aliança entre Judiciário, Ministério Público Federal e Polícia Federal. Por mais que se fira as filigranas da lei, não há outro caminho. Os corruptos de alto escalão são poderosos e, com a derrocada da Lava Jato, estão provando isto — como os donos do poder sempre provaram, diria o historiador e jurista Raymundo Faoro.

O que se vai dizer a seguir não é um “perdão” aos corruptores, mas é de um realismo próximo das ideias de Thomas Hobbes e Nicolau Maquiavel. Portanto, irá ferir, possivelmente, espíritos mais sensíveis e, quem sabe, moralistas.

Ressalte-se, e o leitor deve notar a cautela com que se trata o assunto, que a corrupção é mesmo grave, porque retira recursos financeiros de áreas básicas como saúde, educação e segurança pública e os leva para bolsos-contas bancárias particulares.

Corrupção e ditadura: qual é pior?

Faz-se uma pergunta que não é meramente retórica: a corrupção é menor pior do que a ditadura? Talvez seja.

Se houve um conluio para “pegar” Lula da Silva, houve um “conluio” para derrotar Jair Bolsonaro, em 2022? A palavra “conluio” talvez seja pesada demais, tanto que está escrita entre aspas.

 A partir de agora, com as ressalvas habituais, se tentará responder à pergunta acima. Antes, é preciso dizer: a corrupção e a ditadura são negativas para o país, para a sociedade.

Porém, entre alguma corrupção, digamos “controlada”, e a ditadura, que leva a sociedade para as trevas, a opção é a democracia. O raciocínio parece enviesado. Mas, a rigor, não é.

O que se está sugerindo, com a cautela devida, para que não pareça que se está defendendo a corrupção, é que a ditadura é pior do que tudo e, como sugerimos, não é infensa à corrupção. As grandes empreiteiras vicejaram na longa noite de 21 anos, entre 1964 e 1985, naturalmente se corrompendo e corrompendo agentes públicos, tanto civis quanto militares.

Pode-se sugerir que a “devolução” de Lula da Silva às disputas eleitorais parece ter sido uma coisa errada, dada a imensidão da corrupção em seus governos. Se é assim, por que a Justiça e a Imprensa o “perdoaram” e o apoiaram contra Jair Bolsonaro?

Porque estava em jogo a democracia. Jair Bolsonaro passou quatro anos do mandato preparando terreno para um golpe de Estado, daí o confronto direto com as instituições, notadamente contra o Supremo Tribunal Federal. O deputado Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, chegou a dizer, com todas as letras, que, para fechar o STF, só eram necessários um cabo e um soldado.

No vandalismo de 8 de janeiro de 2023, a sede do poder mais duramente atacada foi exatamente o da Suprema Corte. Como se estivessem dando um recado para os ministros Alexandre de Moraes (Jair Bolsonaro, em caso de golpe, queria prendê-lo), Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroco e Edson Fachin, entre outros. As gravações recentes de Jair Bolsonaro e ex-ministros militares, além das minutas do golpe, corroboram que o alvo era o STF. Ou melhor, a democracia.

Ante um político que queria “eliminar” a democracia, adotando uma ditadura, a Justiça e a Imprensa agiram corretamente ao colaboraram, de maneira decisiva, para “recuperar” a imagem de Lula da Silva e “devolvê-lo” à Presidência da República. Com o apoio significativo dos eleitores.

Lula da Silva foi visto, de maneira acertada, como o único político que poderia evitar um segundo mandato de Jair Bolsonaro, que, como possível discípulo de Vladimir Putin, não pretendia sair do poder. Queria ser ditador.

Então, Lula da Silva, “recuperado” pela Justiça, com o apoio da Imprensa, foi a figura chave para “salvar” a democracia. Na vida, como na política, tem de se jogar o jogo do real: o petista era e é, para a democracia, o melhor. Portanto, a “restauração” de sua imagem equivale às guerras justas sobre as quais dissertou o filósofo italiano Norberto Bobbio.

Para a democracia, o que há de melhor, Lula da Silva é mais adequado do que Jair Bolsonaro. Há quem diga assim: se não descobrirem uma corrupção assombrosa o líder da direita poderá se tornar, se preso, um mártir. Mas há corrupção maior do que conspirar contra a democracia? Não há.

Ditadura era uma bagunça. Frota tentou derrubar Geisel

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