Sucesso e fracasso na centenária imigração italiana e alemã em Nova Veneza e Santa Cruz de Goiás 

Desde o final do século XIX foi intensificada a imigração no Brasil e também em Goiás. Os primeiros anos do século XX foram prodigiosos na vinda de estrangeiros; o que se propagou mais ainda após os anos 1920. Nessa época foram criadas as localidades de Uvá, na Cidade de Goiás, Nova Veneza, próxima a Anápolis e uma colônia alemã, nas cercanias de Santa Cruz de Goiás. 

A que mais floresceu foi a chamada “Colônia dos italianos” na região do Mato Grosso goiano. Ainda no final do século XIX, por volta de 1895, chegou à região o imigrante pioneiro para conhecimento daquela área pertencente ao então grande município de Santana das Antas, hoje Anápolis. Era Antonio da Silva Loures, que adquiriu uma área rural. Logo vieram outras famílias como Manoel Antonio Gomes, Manoel Antonio de Souza, Teotônio Alves da Silva e Pedro Camilo, com o objetivo de plantio de café, mesmo na condição de proprietários, meeiros ou simplesmente peões e camaradas, como se denominava na época. Povoaram essa região e a de Santo Antonio do Capoeirão, hoje Damolândia. 

E os pioneiros se instalaram ainda no século XIX. Em 23 de março de 1895, o primeiro morador que ali chegou, Antonio da Silva Loures, juntamente com seu filho José da Silva Loures, requereu uma propriedade rural por meio de escritura pública.  Depois de fixaram-se na zona rural de Anápolis. 

Muitos eram agricultores; passaram a trabalhar muito, uns como proprietários, outros como meeiros ou posseiros. No ano de 1909 chegou a Goiás o italiano João Stival, com 34 anos de idade, que viera da região de Veneza.  Tinha ele um propósito. Vinha com a incumbência, por parte de seus familiares e de parentes e amigos, de adquirir uma propriedade rural onde todos pudessem morar e trabalhar.  

João Stival, antes de chegar ao Brasil, visitara os países da América do Sul. De volta a Itália, trouxe toda a família para o Brasil. No início vieram sete famílias, depois vieram muitas outras. Ao chegarem ao Brasil, estiveram inicialmente na cidade de Ribeirão Preto, trcom trabalho em fazenda, na formação de lavoura de café, como era comum a todos os estrangeiros. Depois de reunirem algum dinheiro, compraram sete alqueires de terra em Capim Branco, distrito de Conquista, Minas Gerais.  

Mais tarde vieram para Goiás, para a atual Nova Veneza. Depois de uma epopeia, chegaram a Fazenda no dia 04 de dezembro de 1912, as 12 horas. Aquele lugar ficou alcunhado de “Colônia dos italianos”. 

Por décadas derrubaram as matas e fizeram as roças. João Stival e sua esposa, dona Paschoa, dedicaram-se ao trabalho da lavoura.  

A “colônia” passou a receber um numero cada vez maior  de estrangeiros e em 1917 chegou a família Peixoto. João Stival desejou, então, fundar um povoado. Por meio de escritura pública datada de 05 de junho de 1924, ele doou a Nossa Senhora do Carmo um pedaço de terra denominada “Cruzeiro”, na Fazenda Barra da Cachoeira. 

Seu desejo era que a cidade se denominasse Nova Veneza. Tudo foi planejado em 1924. Depois dessa luta dos estrangeiros para ocupação do lugar, a cidade cresceu, tornou-se independente de Anápolis e cumpre o seu destino como uma pedaço italiano nas terras de Goiás. 

Página da Revista Informação Goyana, editada no Rio de Janeiro em 1924 | Acervo de Bento Fleury 

Há cem anos, na edição de janeiro a junho da revista A Informação Goyana, editada por Henrique Silva (1865-1935), editada no Rio de Janeiro trouxe a matéria assinada por Azevedo Filho, intilada “Nova cidade goyana: Nova Veneza”, em que destaca sua localização, seu traçado, seus objetivos e a a estruturação da mesma pelo engenheiro Carlos de Seixas Pereira, como cidade modelo, na época, planejada e estruturada no papel, antes de sua construção. 

O povoado cresceu a partir de 1924 com a doação de parte do terreno para formação do patrimônio e com outras famílias como Santos, Ferreira, Vargas, Peixoto, Constantino, Faquim, Bosco e Bisinoto. Este foram os pioneiros do local. Foi construída a capela de Nossa Senhora do Carmo, padroeira da cidade. Por um tempo a referida colônica chamou-se “Goianás” a partir de 1943 e, em 1958, foi emancipada. Nas décadas seguintes houve grande impulso político para a imigração, como destaca a matéria abaixo, dos anos 1940 em Goiás. 

Reportagem sobre imigração em Goiás. Acervo de Bento Fleury, do jornal Folha de Goiaz. 

No governo de Jerônimo Coimbra Bueno houve grande divulgação dessas políticas de assentamento de famílias estrangeiras, notadamente italianas, como forma de expansão agrícola e formação de novas cidades. Continua o mesmo jornal a destacar essa prioridade, nos anos 1940: 

Recorte do Jornal Folha de Goiaz, do acervo de Bento Fleury 

O próprio governo de Getúlio Vargas impulsionava essa preocupação com a ocupação do grande Oeste, com o dinamismo de imigração. Várias conferências foram feitas e publicadas, notadamente a de Artur Hehl Neiva, no Rio de Janeiro em 1942.  

Publicação do Instituto Nacional de Ciência política, de 1942. Acervo de Bento Fleury. 

Era o tempo da Segunda Guerra Mundial e havia muita preocupação com a presença de estrangeiros e as manifestações dos mesmos nas novas terras e muitos manifestos sobre a liberdade, como esse, de Mariano Rango d’Aragona, publicado no jornal Correio Oficial, de 22 de maio de 1942. Este jornalista foi também arauto da doutrina espírita no Brasil. 

Página do Jornal Correio Oficial, circulado em Goiânia em 22 de maio de 1942. Acervo de Bento Fleury. 

Não só em Goiás como em todo o Brasil, notadamente na região Sul, a emigração italiano ocorreu pelo aumento populacional, miséria e exclusão dos agricultoras naquele país; o que impulsionou a saída de grande número de pessoas com destino à América. Era o que se definiu como Grandes Migrações Definitivas, segundo alguns teóricos do assunto. Outro pioneiro da região de nova Veneza foi Julho Eloy, cognominado “o italiano”, vindo de Vicenza, na região do Vêneto. 

Igreja de Nossa Senhora do Carmo, padroeira de Nova Veneza | Foto: Reprodução 

Este também foi outro pioneiro na agricultura da região e se destacou por constituir grande família. Com os costumes rurais, numa fusão entre Itália e brasil, constituíram sua identidade na formação de uma comunidade sui generes no coração do Brasil. Na época da fundação, antes da emancipação, era interligada em características rurais com as pequenas localidades como Cerrado (Nerópolis), Capoeirão (Damolândia), São João do Meia Ponte (Brazabrantes) e Ouro verde. Os costumes sertanejos mineiros/goianos foram misturados com os hábitos estrangeiros. 

Nova Veneza é hoje uma cidade centenária, com sua tradição estrangeira no interior do Estado de Goiás, distante apenas 42 quilômetros de Goiânia em posição estratégica. Recebeu o título de “Capital italiana de Goiás” pela lei 22.518/2023 da Assembleia Legislativa do Estado de Goiás e anualmente, no mês de maio realiza o “Festival gastronômico italiano”, que reúne mais de cem mil pessoas num evento digno de nota e que está inserido no circuito turístico do Estado.  

Nova Veneza representa a experiência de imigração estrangeira em Goiás que teve êxito, diferentemente das congêneres, com alemães em Santa Cruz de Goiás, surgida em 1921, que foi autêntico fracasso e na Cidade de Goiás (Colônia Alemã de Uvá) em 1924, que, também, não teve o sucesso esperado. 

Era o ano de 1921. 

Monsenhor Ignácio Xavier da Silva, politico atuante e vigário geral da Diocese de Uberaba havia se contratado com cerca de vinte e cinco famílias bávaras que desejava colocar em terras por ele doadas no município de Santa Cruz de Goiás, a velha cidade dos tempos do ouro. 

Monsenhor Ignácio Xavier da Silva (1855-1929), religioso e político. Acervo de Bento Fleury 

Monsenhor Ignácio Xavier da Silva nasceu na Cidade de Goiás, antiga capital do Estado em 20 de agosto de 1855 e faleceu no Rio de Janeiro em 08 de outubro de 1929. Era filho do Capitão Ignácio Xavier da Silva e Ana da Luz Xavier. Estudou no Seminário Santa Cruz da velha Vila Boa e em 1868 foi para a França, depois Roma e depois nomeado para o mesmo seminário onde estudara. Foi Cônego Honorário da Capela Imperial do Rio de Janeiro. Foi eleito Deputado Estadual. Depois viveu em Uberaba; ali foi vereador e Vigário geral. Foi jornalista polêmico,, monarquista e membro do Partido Conservador. 

Foi ele portanto o iniciador desse processo da vidna das famílias alemãs para suas terras em Santa Cruz de Goiás. 

A família pioneira foi de Johan Baptist Dobler, alemão que chegou a Ilha das Flores em 24 de março de 1921, e foi quem serviu de intermediária entre o Monsenhor e os imigrantes.  

Igreja de Santa Cruz de Goiás e o antigo Grupo Escolar. Acervo de Bento Fleury 

O que se sabe, era a intensão de Monsenhor Ignacio doar a cada família dez hectares de terreno, com a condição de que estes imigrantes só poderiam revendê-lo após 10 anos de permanecia no local. Tal fato foi descrito na Revista Informação Goyana de Henrique Silva. 

Também o Governo do Estado procurou auxiliar esta iniciativa particular por meio da Lei nº 692, de 25 de julho de 1921, e isentou o grupo do imposto de transmissão, assim como dos impostos estaduais sobre produtos agrícolas de suas lavouras por dois anos, na tentativa de que tudo fosse adiante. 

Era preciso povoar o imenso vazio que se fazia em Goiás naquele tempo. Ainda mais, concedeu também o governo o auxilio de 50$00 a cada colono, para pagamento de transporte de Roncador a Santa Cruz, desde que comprovada a localização definitiva dos colonos. 

O senhor Dobler como intermediário conseguiu reunir 13 familias aproximadamente, que vieram de trem até Roncador, e provavelmente a cavalo  até Santa Cruz de Goiás. Isso em 1921. 

Velha matriz de Santa Cruz. Acervo de Bento Fleury 

Na verdade esses estrangeiros não eram agricultores. Não eram afeitos ao duro trabalho no campo. A maioria declarou-se agricultor, mas na verdade tinham outras profissões, como o Senhor Dobler, que era eletrotécnico e tinha vários conhecimentos em diferentes áreas, ao que se sabe, menos na agricultura. 

Pesquisas sobre a imigração no Brasil. Capa do livro de Miguel Calmon. Acervo de Bento Fleury 

A pesquisa de Miguel Calmon Du Pin e Almeida (1879-1935) bem destaca essa realidade vivida naqueles tempos. Esse engenheiro e político brasileiro, que foi ministro em várias pastas, notadamente a da Agricultura, fez um profundo estudo dessa realidade vivida pelos imigrantes no Brasil, no despreparo com as técnicas usadas então, bem como da realidade e dificuldades em relação a solo, sementes, relevo e estações climáticas, tão diferentes de seus países de origem. 

Assim, talvez por esses motivos, a sonhada colônia não foi adiante. As terras não foram cultivadas e, desestimulados, debandaram para a cidade, que já não possuía empregos, pela falta de estrutura. Houve certo exagero no número destacado de imigrantes que não eram muitos, ao todo cerca de 26 pessoas, mas que o Jornal Voz do Povo, datado de 19 de setembro de 1933, ao revelar que havia orquestras de imigrantes no Sul de Goiás, movidos pelo idealismo do Monsenhor Ignácio. 

Muitos foram para Pires do Rio que nascia no pioneirismo da Estrada de Ferro Goiás. Desanimados, muitos buscaram primeiro um destino no próprio sertão de Goiás, antes de refluir as origens ou aos centros mais desenvolvidos. Muitos caíram em profunda miséria.  

O próprio intermediário, Johan Baptist Dobler, que era eletrotécnico, construiu a usina hidrelétrica em Pouso Alto, hoje Piracanjuba; em Planaltina, nos anos 1930, além de construir uma usina de luz elétrica, fez também uma prensa, a primeira de couro em Goiás para solados de sapato; em Caldas Novas ainda instalou uma usina elétrica, por contrato de Bento de Godoy; assim como em vários municípios de Goiás. 

A maioria, porém, foi reduzida a pobreza mais extrema, sem recursos para a viagem de retorno. Venderam a parte a que tinham por direito e até mesmo objetos pessoais. O sonho da colônia alemã havia se estiolado, como tudo em Santa Cruz de Goiás logo adiante. A cidade passou a sofrer desprestígio e difamação e perdeu mais tarde a própria autonomia política. 

Houve caso do alemão Alberto Muller, que era um homem forte e destemido. Reduzido à miséria, tocava em uma cítara as músicas de sua terra e chorava copiosamente; o que causava emoção a todos que o ouviam. Outra bávara, tomada pelo desespero, tentou suicídio, ao pendurar-se numa árvore, mas foi acudida a tempo. 

Tudo foi o sonho esboroado daqueles infelizes imigrantes com triste destino na velha Santa Cruz de Goiás. 

O destino humano de deambular em busca do próprio sonho, ou evadido de sua terra pela dificuldade, acossado pela fome ou injustiça, assim em todo o mundo diversas levas de pessoas saíram de suas origens e partiram para outras plagas, uns destemidos e arrojados, conseguiram sucesso, como no caso de Nova Veneza e floresceram outros horizontes, na realização de um ideal; outros saíram de suas terras e encontram um duro itinerário com o total fracasso nas perspectivas que criaram e perderam toda a possibilidade de retorno ou sequência da vida, emaranhados na miséria e na destruição das próprias existências.  

Assim foi em Nova Veneza e Santa Cruz de Goiás! 

O post Sucesso e fracasso na centenária imigração italiana e alemã em Nova Veneza e Santa Cruz de Goiás  apareceu primeiro em Jornal Opção.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.